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"Cansei de me autoplagiar", diz Elba Ramalho sobre novo CD

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Ouvir o novo CD de Elba Ramalho, “Do meu olhar pra fora” é como conversar com ela, ou estar dentro do disco, olhando pelos seus olhos. Apesar da coincidência com a idade de Cristo, a quem Elba se dedica, o 33° álbum está mais para existencial, ousado, contemporâneo.

Agência O Globo / Daniela Dacorso

Elba Ramalho em sua casa, no Joá, São Conrado: cercada de família, árvores, tucanos, macacos e liberdade, em fase de serena e deliberada abstinência sexual.

— Esse disco é a vontade de renovar. Estou cansada de me autoplagiar. A matriz é nordestina, mas com o olhar voltado para o mundo, em busca de um som diferente — exalta.

Para chegar à batida ideal, ela deixou com o filho, Luã Mattar, e Yuri Queiroga, produtores do CD, a tarefa de vestir as canções com figurino “avançado”, num leque pop-rock-eletrônico de sabor minimalista. No repertório que traz cinco inéditas, duas foram herdadas do amigo e parceiro Dominguinhos, que deu o aviso:

— Antes de morrer, em 2013, ele deixou umas músicas com um sanfoneiro de Fortaleza. Vivia me dizendo que estava gravando, que qualquer coisa eu procurasse o Adelson Viana. Infelizmente não pude me despedir... mas obedeci.

Das quatro póstumas deixadas por Dominguinhos, as duas escolhidas para o disco (parcerias com Climério Ferreira e Fausto Nilo) ecoam a crise da qual Elba vem tratando de se libertar: “E nessa trilha perdida/No rumo do desconhecido/o meu andar atrevido/cura a ferida e a dor”, em “Olhando o coração”, que abre o disco.

O novo disco tem músicas inéditas de Dominguinhos.

Não à toa, a faixa que encerra o CD, a também inédita “Ser livre”, de Arlindo Cruz e Zeca Pagodinho, fala em “romper as algemas".

— Temos sempre que fugir aos fundamentalismos. Fundamental é a liberdade. Mas não pode ser aquela liberdade que aprisiona e vira escravidão. E eu estava cheia de correntes. Fui tirando uma a uma e agora estou mais livre para escolher que liberdade quero — confessa.

Mãe de três filhas, duas na adolescência, Elba fez uma escolha que pode parecer flagelo, mas, segundo ela, foi só bem-estar:

— Há quatro anos parei de amar na carne. Não foi um voto religioso, mas que estou casta, estou. Passei a vida toda pondo meu coração no coração do outro, esquecendo de me amar. Sou uma jovem senhora (tem 63 anos), está na hora de acalmar. O sexo é sacrossanto, divino. Mas vivi uma relação muito conturbada e desci mil degraus. Um psicanalista judeu me disse: “Dona Elba, as portas do inferno estão abertas, e alguém vai cair”.

Voluntariamente ou por conspiração do universo, o disco registra, em francês, esse período terrível, na épica “La noyée” (”A afogada”), de Serge Gainsbourg, que fala em escravidão pelo amor. Para estudar a métrica do bardo gaulês, ela teve que ter umas aulinhas, com o ex-cônsul Richard Barbeyron, que é fã e não cobrou.

— Ele deu uma polida no meu francês paraibano, mostrando quando tem que fazer biquinho, abrindo umas vogais, fechando outras. Mas meu sotaque sou eu! — garante.

"Temos que parar com essa cultura de morte"

Para ficar longe do remoinho e não se afogar de novo, Elba recorre sempre ao Recife, um de seus mais notórios reinados. No caso, em versos de Lenine e Dudu Falcão: “Eu quero estar cercado/só de quem me interessa”.

— Sabe o que e quem me interessa? A natureza, minhas filhas, uns amigos, a igrejinha aqui perto, isso quando não estou gravando ou fazendo show, o que é raro. Mas estou tomando providências para ser mais frequente — conta.

As certezas são poucas, e boas: todos os dias, da janela de casa, vêm os tucanos, os passarinhos de sete cores, borboletas e macacos. O papagaio morreu, num embate com um gambá.

— Não troco a família, os bichos e os saraus caseiros por nenhuma festa, restaurante ou bar. E, quando chega o verão, fecho a casa e fico até depois do carnaval em Trancoso.

Lá, no sul da Bahia, amiúde a voz de Elba é ouvida a capela, de cima, como milagre:

— Sou eu, no alto de uma árvore. O pessoal fica doidinho. Mas depois eu apareço.

Claro que a árvore tinha que estar no disco, assim como está a flor do mangue, sempre renascida das profundezas, em “Risoflora”, um vintage de Chico Science.

— Sou como essa flor: vou reabrir — diz ela.

“Do meu olhar pra fora” conta com participação especial de Chico César.

Para quem se interessar, Elba está mesmo uma flor. Com os cabelos cheios de plumas importadas dos EUA (tecnologia pop-pluma), ela admite que anda sendo paquerada nos shows, mas, nesse estágio de balanço, ela não dá mole. Mas balança...

“Eu balanço/eu balanço/ todo santo dia/pois todo dia é santo/e eu sou/uma árvore bonita", dizem os versos de “Árvore”, de Edson Gomes.

— Se é definitivo? Não defini. Se meu corpo desejar... se eu me encantar... ou se Nossa Senhora me enviar o bom José...

Enquanto José não vem, Elba, entre missas e tucanos, curte um rock (no disco, representado por Pedro Luís), gênero que, é bom lembrar, fundou a carreira da baterista de origem .

— Meu prato preferido era Led Zeppelin. Quando vi o Luã aos 13 anos ouvindo os mesmos discos, entendi os ciclos da vida.

Rock, paz e amor: como todo bom nordestino, eletricidade rima com boas aspirações:

— Sou eternamente hippie, alternativa. Temos que parar com essa cultura de morte e tirar a mancha de sangue que está sobre o planeta azul. Defendemos coisas terríveis que fazem a Terra se voltar contra nós. Por isso, em abril, vou de novo para a Bósnia ver o céu de Medjugorje. Lá tem cristão, muçulmano, judeu, budista e até ateu esperando a palavra “paz” surgir das nuvens, sob o sol.

Fonte: O Globo

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