RACISMO NUM PAÍS FURTA-COR
13/07/15, 11:09
Li, já não me lembro onde, a história de um incidente envolvendo o escritor Joel Rufino e um alto oficial do Exército brasileiro. Joel, que é negro, assistia a um jogo do Flamengo, nas cadeiras especiais do Maracanã. À época, o mengão tinha dois jogadores com o mesmo nome: Paulo César, Um,negro, espaçoso,elegante,com roupas de grifes famosas e cabelos pintados de acaju, o que lhe rendeu o apelido de “Paulo César Caju”. O outro, branco, discreto, elegante, excelente jogador, atendia pelo nome de Paulo César Carpegiani. Os dois eram as estrelas do time. Na cadeira à frente do escritor, sentou-se um cidadão de meia idade, com aquele ar de “não-cheguei-até-aqui-por-acaso”. Todas as vezes que Paulo César, o negro, errava uma jogada, o moço levantava-se da cadeira e berrava: “Negro burro, cretino” e outras delicadezas impublicáveis. De repente, Carpegiani fez uma jogava bisonha, e Joel Rufino levantou-se e gritou: “Branco burro,cretino”. Não deu outra, o cidadão voltou-se e berrou: “Isto é uma provocação inaceitável, uma afronta. Fique o senhor sabendo que sou oficial do glorioso Exército brasileiro onde não existem discriminação nem racismo”. Sem baixar a crista, Joel retrucou: “Diga aí o nome de dois generais negros do seu glorioso exército”. O tempo fechou. Não sei exatamente como terminou a querela.
Muito tempo depois, em Teresina, fui entrevistar um cidadão negro, com pós-doutorado em Londres, professor da UFPI. Perguntei-lhe se já sofrera algum tipo de discriminação em Teresina. Ele sorriu e limitou-se a dizer: “Muitas, mas a pior delas é a que se traduz em forma de invisibilidade” e acrescentou: “Às vezes, estou sozinho na sala dos professores, entram colegas e não me cumprimento pelo simples fato de não me notarem. Aos olhos deles,sou invisível”.
Bem, contei essas duas histórias para tentar entender a onda de racismo e intolerância que vem emporcalhando as redes sociais nos últimos dias. A vítima é a jornalista Maria Júlia Coutinho, também conhecida como Maju. Muita gente, como eu, se pergunta: por que a moça foi escolhida para receber a saraivada de insultos? Maria Júlia conseguiu a rara proeza de dar visibilidade a um dos momentos mais insossos do JN: a previsão do tempo. A cidadã é negra, bonita, elegante, articulada e fala com desenvoltura. Trata-se, portanto, de uma negra visível, o que é insuportável num país onde os negros, para serem aceitos, precisam saber “o seu lugar”. Maju, com sua “elegância acintosa”, tornou-se alvo da intolerância que grassa no país desde sempre.
Serenados os ânimos, ninguém será punido. No Brasil, país mestiço, o racismo é crime inafiançável e imprescritível. Não há, até onde sei, nenhum condenado por racismo. Quando muito, há condenados por injúria ou difamação, cujas penas são quase uma piada. Mas que se esclareça de uma vez por todas: as redes sociais não inventaram nem o racismo nem o preconceito entre nós. Parafraseando Umberto Eco, servem apenas para dar voz aos idiotas racistas da aldeia. Nada alem.