Esperança virou verbo nos olhos e nas mãos de quem faz história. Esperançar, é o que fazem as mulheres por seus terreiros, analogia ao quintal onde se planta e cultiva ancestralidade, conscientes de seu direito à cidade. Para somar a esta luta e entoando a pergunta “Lagoas do Norte Pra Quem”?, o Projeto Mulheres nos Terreiros da Esperança, realizou a sua quarta atividade na tenda Espirita de Umbanda da Mãe Alice, no Mafrense, neste último domingo (23).
Segundo Isabel Jardim, uma das organizadoras do projeto e também uma das mulheres ameaçadas de remoção pelo Programa Lagoas do Norte (PLN), o encontro de domingo, intitulado Religando Vivências, foi um momento mágico que reuniu vizinhos e filhos de santo para curtir um cinema e fazer uma roda de conversa com a mestranda em sociologia , Daniele Soares . A socióloga estuda a o impacto do PLN sobre as religiões de matriza africana, a mesma também é moradora da região e afirma que a ameaça de remoção destas casas representa um desrespeito à cultura e fere os diferentes modos de viver e ser na cidade.
Para Isabel Jardim o momento foi muito rico. “Debatemos sobre como o poder público age segundo interesses outros que não contemplam a "natureza" da diversidade do povo, incutindo um padrão que não é daquele lugar, destruindo raízes importantes para a sobre(con)vivência sadia de uma comunidade específica. Esquecendo, porém, que aquela estrutura se consolidou dessa forma, justamente, a partir da falta de olhar e ações que providenciassem os direitos básicos da gente negra e pobre da cidade”, contesta, relembrando que todas as benfeitorias da região, tais como escolas e creches só veio a próprio punho da população, esquecida e criminalizada pelo estado, comumente categorizada como perigosa e marginal.
Durante todas as vivências do projeto moradores e moradoras atingidos pelo PLN apontam que agora que encontraram seu lugar, na construção diária e contínua de seus espaços e significantes/significados e que praticam nas suas crenças, rotinas, lutas e vidas, a prefeitura junto ao banco mundial vem propor uma modificação a revelia dos interesses comunitários.
A cada encontro do Projeto, se observa um modo de vida tradicional e de apego aos valores da natureza. Na atividade “construindo círculos: ver, ouvir e tecer”, as mulheres contaram as suas histórias coletivas e individuais, desde os momentos de trabalho nas olarias, nas vazantes, até as lutas por benfeitorias coletivas, como a creche que foi construída de tijolo por tijolo posto por cada morador e moradora. No quintal da Dona Helena, no encontro intitulado “Circulando entre memórias: oficina de entrevista e registro”, ela se vangloriou das dezenas de plantas medicinais de seu quintal e afirma não entender porque devem sair dali, depois de anos de esforço.
Há quase dez anos, moradores e moradoras da região norte de Teresina enfrentam mudanças em seu modo de vida devido a implantação do Programa Lagoas do Norte (PLN). Reagindo às modificações que o Programa tem imposto à população da Zona Norte, as mulheres das comunidades atingidas tem sido a linha de frente na luta pelo direito à moradia, agora, com um diferencial.
“Mulheres nos terreiros da Esperança” é um projeto de Comunicação Popular, possibilitado pela CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviços) e SOS Corpo – Instituto Feminista para Democracia e realizado em parceria entre o Coletivo Flores.Ser Comunicação e o Centro de Defesa de Direitos Humanos Ferreira de Sousa. O objetivo é levantar discussões e ações no que se refere aos direitos das mulheres, no campo dos direitos humanos, memória, patrimônio e ancestralidade. O projeto toma emprestado o termo “terreiro” como o lugar onde se planta e cultiva modos de ser e viver, deste modo, constrói resistência tanto em defesa das moradias, como também, das casas de religião de matriz africana, ameaçadas de desapropriação.
Por Sarah Fontenelle