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Entrevista: Zé Maria defende controle estatal de setores estratégicos

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Foto: PSTU

Com o objetivo de construir um Brasil para os trabalhadores, o metalúrgico e siderúrgico Zé Maria, é o candidato do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) à Presidência da República, pela quarta vez. Ele prega a estatização dos sistemas energético, educacional, de saúde e de transportes. Na área econômica, defende o controle de preços, principalmente os dos alimentos.

Além disso, segundo ele, a desoneração e as isenções fiscais não têm ajudado a impulsionar a economia brasileira. “Os 3%, 4% do PIB [Produto Interno Bruto] que o governo gasta hoje em incentivos fiscais para as grandes empresas sequer garantem o emprego.”

Uma das primeiras necessidades do país, de acordo com ele, é inverter a estrutura tributária, diminuir o imposto sobre o consumo e “taxar fortemente o lucro das empresas e as grandes fortunas”. “Dessa forma se pode arrecadar o necessário para financiar os serviços públicos do país, diminuindo a carga tributária que recai sobre o povo pobre que é quem paga imposto no Brasil”, acrescentou. 

Veja a seguir os principais trechos da entrevista que o candidato Zé Maria concedeu pessoalmente na redação da Agência Brasil.

Agência Brasil: As estimativas de inflação oficial pelo IPCA para o próximo ano estão em torno de 6,2%, próximo do teto da meta. Como pretende atuar para conter o aumento de preços?
Zé Maria: Em primeiro lugar, parte importante do crescimento da inflação tem a ver com o custo do alimento. Isso nos remete ao problema da reforma agrária. O Brasil é o país mais privilegiado do mundo na quantidade e qualidade da terra, do clima, da água, e nós poderíamos produzir alimentos para todo o povo brasileiro a baixíssimo custo e alimentar metade da América Latina se as terras não fossem controladas pelas grandes empresas do agronegócio que produzem soja para virar ração de gado e mandam [isso] para exportação. Então, nacionalizar a terra, fazer uma ampla reforma agrária no Brasil, colocar as terras para produzir alimento, assentando o trabalhador do campo, garantindo a ele condições, apoio técnico, financeiro, crédito, para garantir vida digna, também melhoraria a vida do povo da cidade, oferecendo alimentos a custo baixo. Segundo problema: é preciso controlar preços, os monopólios que controlam hoje, sejam as redes de produção, sejam as redes de distribuição, não podem utilizar o povo brasileiro para simplesmente aumentar a sua rentabilidade. Se os preços estão fora do controle, o Estado pode controlá-los, além de oferecer alimentos a custo baixo para toda a população.

 

"Imposto sobre consumo dá nisso: quem paga a maior parte do imposto é a população, é o povo pobre."

 

ABr: As reduções de impostos têm sido usadas para estimular a economia e terminam tendo impacto sobre as contas públicas. Como manter o equilíbrio nessas contas sem reverter as desonerações? Qual a sua proposta para aumentar a arrecadação sem causar impacto na inflação?
Zé Maria: Em primeiro lugar a desoneração e as isenções fiscais não têm ajudado a impulsionar a economia brasileira que entrou em recessão. Os 3%, 4% do PIB [Produto Interno Bruto] que o governo gasta hoje em incentivos fiscais para as grandes empresas sequer garantem o emprego. Veja as grandes montadoras de veículos. Elas receberam R$ 27 bilhões nos [últimos] dez anos do governo federal, reverteram para fora, para o exterior R$ 10 bilhões na forma de lucros e agora querem demitir 25 mil trabalhadores. Então, a primeira coisa que precisa ser feita é inverter a estrutura tributária, diminuir o imposto sobre o consumo, taxar fortemente o lucro das empresas e as grandes fortunas. Dessa forma se pode arrecadar o necessário para financiar os serviços públicos do país, diminuindo a carga tributária que recai sobre o povo pobre que é quem paga imposto no Brasil. Imposto sobre consumo dá nisso: quem paga a maior parte do imposto é a população, é o povo pobre. 

ABr: Este ano, com a baixa no nível dos reservatórios e a consequente necessidade de acionar as termelétricas, a energia acabou ficando mais cara e novos reajustes estão previstos para o ano que vem. Apesar de todo o seu potencial energético, o Brasil continua com uma tarifa alta. O que fazer para evitar mais aumentos?
Zé Maria: Primeira medida é reestatizar todas as empresas de produção e distribuição de energia. Hoje a produção e a distribuição de energia, utilizando um recurso que é abundante no Brasil que é a água, são feitas em função dos interesses das empresas privadas, boa parte delas transnacionais. É isso que gera essa situação: as empresas contratam com o governo para oferecer uma quantidade tal de energia, mas não investem. Aí, se tem um pouco menos de chuva, tem que ligar a termoelétrica que aumenta o preço. Quem está pagando tudo isso é o povo, com serviço de péssima qualidade. É preciso reestatizar o sistema, organizar um sistema de produção de energia que leve em conta não só os recursos hídricos, mas também a energia solar, a energia eólica. O Brasil é riquíssimo nesses dois recursos, é um país extremamente privilegiado. Assim, nós teremos condições de oferecer mais energia a um custo mais baixo e sem degradar o meio ambiente com obras faraônicas como são as grandes hidrelétricas Jirau, Santo Antônio ou de Belo Monte. Nós podemos fazer milhares de pequenas hidrelétricas e usar outras fontes de produção de energia baseadas nos recursos naturais que o país têm abundantemente.

 

"A iniciativa privada está atrás de lucro e não da solução dos problemas ou dos gargalos de infraestrutura do país. Então, a primeira medida é a estatização de toda essa área e a segunda é investimento."

 

ABr: Quais os planos do seu governo para resolver gargalos de infraestrutura que persistem no país e afetam desde o escoamento da produção até a circulação de pessoas – como a construção de ferrovias, a manutenção de rodovias, a modernização do sistema portuário e a administração de aeroportos?
Zé Maria: Se nós investirmos 2% do PIB, são os estudos que o movimento sindical da área de transporte já fez no Brasil, teremos condições de modificar completamente a situação no transporte de pessoas no país, na locomoção humana nas grandes cidades e de cidade para cidade. É um verdadeiro absurdo, em um país com as dimensões do Brasil, fazer o transporte por ônibus ou então de cargas por caminhão e nas grandes cidades por carro e ônibus. Nós temos que ter uma rede de transporte metroviário e ferroviário nas grandes cidades e de linhas férreas que façam o transporte de região para região do país, de passageiros e de cargas, que vão seguramente diminuir o custo, diminuir o impacto em termos de poluição, melhorar a qualidade do transporte e baratear o custo para as pessoas que dependem do transporte público. É preciso assumir o controle, o Estado precisa assumir o controle. Transporte, locomoção de pessoas e movimentação de cargas é uma necessidade essencial de qualquer sociedade moderna. Não pode ser uma mercadoria: quem tem dinheiro tem, quem não tem, não tem. Em São Paulo, 34% dos deslocamentos feitos na cidade são feitos a pé porque as pessoas não têm dinheiro para pagar ônibus ou metrô. Tem que estatizar o sistema de transporte, investir recursos nisso, mas, fundamentalmente, investir no transporte coletivo e não no incentivo à venda de carros como o governo faz hoje. A partir daí modernizar portos, aeroportos, mas tudo isso a serviço da sociedade, da população, não pode ser que o governo entregue setores essenciais como esse à iniciativa privada e espere solução. A iniciativa privada está atrás de lucro e não da solução dos problemas ou dos gargalos de infraestrutura do país. Então, a primeira medida é a estatização de toda essa área e a segunda é investimento. E o Brasil tem recursos para isso: se nós pararmos de pagar a dívida interna e externa aos bancos, ao sistema financeiro, nós temos recursos de sobra para investir em todas essas áreas.

ABr: Diversos problemas relacionados à prestação de serviços por parte das prefeituras [saneamento, fim dos lixões, pagamento do piso dos professores] têm ficado sem solução porque elas alegam falta de capacidade financeira ou de condições de produzir projetos executivos para participar dos programas do governo federal. Já os estados têm cobrado a renegociação das dívidas com a União e ajuda federal. Como o senhor pretende atuar na discussão do pacto federativo e quais são seus projetos para ajudar a solucionar essas questões?
Zé Maria: Nós temos que repensar o pacto federativo. Temos hoje um conjunto de necessidades da população distribuídas entre prefeituras, estado e o governo federal. Qual é o gargalo de todas elas no âmbito do município, do estado e da União? A falta de recursos. Então, temos um primeiro problema básico que é o que fazer com os recursos naturais que o país tem e o que fazer com as riquezas geradas pelo trabalho do povo. Então veja, a educação é um caos no âmbito daquilo que é atribuição do município, atribuição do estado e do que é atribuição da União. Qual é o problema fundamental? Investimento. O Brasil precisaria, dada a idade educacional da população brasileira, de um investimento grande em educação, de acordo com os critérios da Organização das Nações Unidas (ONU). O movimento social do Brasil reivindica há anos 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação. Isso significaria entre R$ 400 e R$ 430 bilhões por ano. O país tem esse recurso? Tem. O governo gasta por ano com bancos de R$ 800 bilhões a R$ 900 bilhões. Só com esse recurso daria para alocar 10% do PIB na educação e 10% na saúde, resolvendo dois gargalos fundamentais naquilo que tem a ver com os direitos básicos da população. Por que não faz isso? Porque a prioridade do governo é outra. A prioridade do governo é alocar recursos para atender a interesse dos bancos, das grandes empresas. Tem recursos para dar isenção fiscal, para desonerar a folha das grandes empresas, mas não tem recursos para pagar o piso nacional dos professores, não tem recurso para investir na educação, na moradia popular. Ou seja, nós não vivemos um problema de falta de recursos, de capacidade de financiamento das políticas públicas que o país precisa. Vivemos um problema de escolha política errada por parte dos governos. E a escolha do governo atual infelizmente, do governo do PT, é a mesma escolha do governo do PSDB. A prioridade segue sendo o banqueiro e não o povo pobre. O Bolsa Família, que é o programa mais importante do PT para combater a pobreza, gasta R$ 24 bilhões por ano, o “bolsa banqueiro” gasta R$ 800 bilhões por ano. Então, a prioridade é o banco, a prioridade não é o pobre.

 

"O que nós temos no Brasil é um acinte. O sistema político é completamente controlado pelas grandes empresas e é dominado pelos políticos."

 

ABr: O debate sobre a reforma política se arrasta há anos e, recentemente, houve a aprovação de um texto que ficou conhecido como minirreforma. Pontos como o voto facultativo, a reeleição e o financiamento de campanha não foram aprofundados devido ao impasse em torno dessas questões. Qual é a sua posição sobre cada um desses pontos e como o chefe do Executivo pode contribuir para que essa discussão efetivamente avance, respeitando a prerrogativa de independência entre os Poderes?
Zé Maria: A minirreforma que foi aprovada piora a situação anterior. Ela, por exemplo, desorganiza o processo de fiscalização dos gastos dos políticos e dos partidos nas campanhas eleitorais. O que nós temos no Brasil é um acinte. O sistema político é completamente controlado pelas grandes empresas e é dominado pelos políticos. Então, um candidato à Presidência da República, como a presidenta Dilma, vai gastar R$ 300 milhões numa campanha; o candidato do PSDB, o Aécio Neves, R$ 298 milhões; o PSB deve gastar em torno de R$ 150 a R$ 200 milhões, se é que não vai aumentar a arrecadação com o crescimento da Marina nas pesquisas, e nenhuma dessas pessoas tem esse dinheiro para gastar. Esse dinheiro é colocado por empresas que financiam a campanha. Então, o que o Congresso Nacional produz em termo de leis é para favorecer essas grandes empresas que financiaram os políticos que lá estão e não para resolver o problema do povo. Começa por aí o problema do sistema político. Ele não representa o povo, representa os financiadores das campanhas. E você chega a um nível de acinte que é um deputado votar um salário mínimo de R$ 724, para um trabalhador sustentar sua família, e para si próprio o deputado vota um salário de R$ 26 mil. Ora, se R$ 724 dão para sustentar uma família, o salário do deputado deveria ser R$ 724; se precisa de R$ 26 mil, então o salário mínimo deveria ser R$ 26 mil. Mas esse é o problema, é a expressão de que o Congresso não representa nenhuma das pessoas que votaram nos parlamentares que lá estão. Representam as empresas que os financiaram, então, o restante acaba sendo consequência. O Congresso está preocupado em manter seus próprios privilégios. Nós achamos que é preciso uma mudança no sistema político, mas essa mudança vai pressupor mobilização, o povo na rua. Sem isso, com o sistema eleitoral controlado pelo poder econômico como nós temos hoje, não vai ter eleição de um Congresso melhor do que esse e muito menos reforma política que moralize a situação brasileira. Pelo contrário, a política brasileira é a expressão do que há de pior nas relações humanas no país.

ABr: O Brasil é apontado como um dos países com a maior carga tributária do mundo. No Congresso, tramita uma proposta de reforma tributária que pouco tem avançado. Quais os planos do seu governo para equacionar essa questão e minimizar o desgaste político que isso pode gerar?
Zé Maria: Em primeiro lugar a carga tributária é muito alta no nosso país para o povo pobre. Como o pagamento do imposto é sobre o consumo, um trabalhador que ganha R$ 1 mil por mês e paga imposto sobre tudo o que compra para sustentar a sua família, paga muito mais imposto do que o sujeito que ganha R$ 20 mil, R$ 30 mil por mês ou do que o empresário que ganha milhões de reais por ano. É uma estrutura injusta. É preciso diminuir a carga tributária para o povo pobre. Ela tributa muito pouco as grandes fortunas. É um mito completo essa coisa de que as empresas são penalizadas pelos impostos no Brasil. As empresas do Brasil estão entre as mais lucrativas do mundo. Ano após ano essas empresas batem recordes de rentabilidade explorando o trabalhador. É preciso aumentar a taxação sobre os bancos, sobre as grandes fortunas, sobre o grande empresariado, enquanto essas empresas funcionarem assim neste país, enquanto o Estado não puder assumir o controle desses recursos de produção e de financiamento, como é o caso dos bancos, das grandes empresas aqui instaladas [a situação não mudará]. Então a mudança precisa ser feita a partir desse ponto de vista. Como é que vai se fazer um processo que produza uma mudança deste tamanho? Pela mobilização popular. Mais uma vez eu insisto, não é por uma votação, por uma discussão simplesmente dentro de um Congresso Nacional que tem parlamentares financiados por essas empresas que são beneficiadas por essa estrutura atual.

ABr: O Plano Nacional de Educação (PNE) é considerado uma grande conquista para o setor. Como pretende, em quatro anos, avançar nas pautas indicadas na lei, que compreendem desde a educação infantil à pós-graduação e incluem também melhorias na infraestrutura das escolas? Como pretende resolver a questão do financiamento?
Zé Maria: O Plano Nacional de Educação ou o sistema de educação no nosso país tem vários gargalos, mas tem o gargalos dos gargalos que é o financiamento. Então voltamos ao problema anterior. Nós não temos como resolver o problema da estrutura educacional do país, em primeiro lugar, sem acabar com o ensino pago. Ensino não é mercadoria, tem que estatizar as empresas privadas de educação. Em segundo tem que gerar investimentos necessários para assegurar desde a creche para a criança, a pré-escola, o ensino fundamental até o ensino superior para crianças e jovens. Isso na idade educacional que nós temos no Brasil, de acordo com os critérios da ONU, demanda um investimento alto, de pelo menos 10% do PIB. O Plano Nacional de Educação que foi aprovado recentemente no Congresso Nacional tem várias declarações de intenção, mas propõe 10% do PIB para daqui a 2023. Ou seja, é tudo conversa fiada porque, se não há recursos, nenhuma daquelas metas vai ser cumprida. Todo mundo sabe e os políticos que votaram esse plano sabem o governo que apoiou esse plano sabe que, das metas todas, a meta mais importante é a de financiamento. Essa negativa de combater o ensino pago e essa negativa de tirar parte dos recurso que hoje é destinada aos bancos no Brasil para financiar a educação pública é o que inviabiliza qualquer uma das metas que foram estabelecidas lá.

 

"Está aumentando a quantidade de crianças que se matriculam, mas acessam um sistema completamente degradado, sem a mínima condição de prestar um serviço de qualidade para as pessoas."

 

ABr: O Brasil tem registrado uma expansão da educação e da inclusão de crianças, jovens e adultos em todas as etapas de ensino. Ao mesmo tempo, há falhas no ensino que aparecem em avaliações nacionais, como a Prova Brasil, e internacionais, como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Como garantir o acesso e ao mesmo tempo melhorar a qualidade?
Zé Maria: Em primeiro lugar, aumentando o investimento. Nós temos que ter uma escola de qualidade. E qualidade em todos os sentidos, não só de instalações, de equipamentos, mas um professor bem pago, um auxiliar de ensino bem pago, e nada disso existe no Brasil hoje. Está aumentando a quantidade de crianças que se matriculam, mas acessam um sistema completamente degradado, sem a mínima condição de prestar um serviço de qualidade para as pessoas. Então começa pelo salário do professor que é aviltante, as condições de trabalho dos auxiliares de ensino são aviltantes, os prédios estão caindo aos pedaços, não há instrumento, equipamentos para desenvolver um bom trabalho. Segundo problema: a maior parte das crianças e dos adolescentes vive em condições sociais muito precárias. Vá à periferia dos grandes centros urbanos do país e você vai ver as crianças vivendo em condições absolutamente miseráveis. Não adianta pegar aquela criança e enfiar dentro de uma sala de aula como se aquilo não interferisse na capacidade de aprendizagem dela. Então o problema do emprego, do salário digno, da moradia, do saneamento básico, de oferecer saúde, segurança para toda a população brasileira implica você criar condições dentro de cada família para que os filhos daquela família, em primeiro lugar, tenham condições psicológicas de acessar um sistema de ensino e aprender. Uma combinação explosiva dá nisso: você aumenta a quantidade de alunos nas escolas e depois o cara sai do oitavo ano sem saber escrever o nome direito, ou então ele lê duas linhas, mas não consegue interpretar. São quase todos analfabetos funcionais. Isso é o que vem sendo produzido e por que tem sido produzido? Porque não se investe o suficiente, começa por aí. O piso nacional dos professores foi uma lei que foi formulada dentro do governo do PT, foi aprovada no governo do PT e os governos não cumprem, nem os governadores do PT cumprem. É um escândalo total, completo e absoluto. E o piso nacional dos professores é um salário baixo para pagar uma pessoa que tem uma função tão importante. Mas nem isso se cumpre e está na lei. Então o resto é decorrência, começa pelo problema da estatização do ensino privado, investimento de10% do PIB na educação pública e democratização da gestão do sistema. Ou seja, a gestão do sistema tem que ter a participação das comunidades, dos alunos, dos pais de alunos, das organizações democráticas da sociedade. É dessa forma que se produz não só educação, mas conhecimento que depois possa se reverter para a sociedade.

ABr: A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um prazo de cinco anos para que todas as terras indígenas fossem identificadas e demarcadas. Passados 21 anos do fim desse prazo, pouco mais de 44% foram homologados. A falta de definição sobre essas áreas acaba sendo uma das principais causas do aumento de conflitos e da violência no campo. Como o(a) senhor(a) pretende resolver a questão da demarcação de terras indígenas?
Zé Maria: O conflito fundamental que nós temos em relação a isso, não só com as terras indígenas, mas também com os quilombolas, é justamente a prioridade que tem sido dada nas últimas décadas ao agronegócio. O governo do PSDB inaugurou isso. Ou seja, inaugurando uma fase em que se entrega com subsídio estatal as terras do país para a exploração de transnacionais, de multinacionais que controlam o agronegócio para produzir para exportação, produção em escala para exportação. A agricultura familiar segue produzindo 70% da alimentação que o povo brasileiro consome; 30% são produzidos no âmbito das grandes empresas. No entanto, no financiamento da safra 2014-2015, o governo acabou de anunciar R$ 150 bilhões para as grandes empresas do agronegócio e vai ser cerca de R$ 20 bilhões para a agricultura familiar que produz 70% da alimentação do povo. Essa lógica tem levado a que todas as terras do país sejam disponibilizadas para essas transnacionais ao custo que for. E esse custo tem sido invadir reservas indígenas, evitar a desocupação de reservas indígenas que já estavam ocupadas antes, invadir áreas quilombolas e evitar a regulamentação de áreas quilombolas que já estavam ocupadas antes. Então qual é o problema que está havendo? É o problema de escolha política mais uma vez. O governo privilegia o agronegócio, acima de qualquer outro setor. O Brasil já dizimou ampla maioria da população indígena o que é uma vergonha histórica para o nosso povo e agora tem esse tratamento com aqueles que resistiram até hoje. Até porque [isso] ocorre ao arrepio da lei, porque, pela lei, essas terras já deveriam estar demarcadas, os brancos que estão aí dentro já deveriam ter sido retirados e essas terras tinham que estar asseguradas aos indígenas com o apoio do Estado para que pudessem ter uma vida digna lá dentro. E nós assistimos ao contrário: o agronegócio invade, não desocupa, o Poder Público fica quieto, e o que ocorre? o agronegócio está armado, evidentemente a corda arrebenta do lado mais fraco que é o dos indígenas e dos quilombolas. Como é que você resolve: você tem que nacionalizar as terras, organizar um processo de produção de alimentos que dê conta das necessidades do país, mas que respeite o meio ambiente, não use agrotóxicos, não desmate as florestas como tem sido feito pelo agronegócio e, em segundo lugar, tem que respeitar os territórios indígenas e quilombolas.

ABr: As grandes manifestações do ano passado, em São Paulo, trouxeram a reivindicação do passe livre no transporte público. É possível tornar essa reivindicação uma realidade? Como? Como o governo federal pode atuar para garantir melhorias na mobilidade urbana nos grandes centros?
Zé Maria: Como eu disse antes, é necessário estatizar o sistema de transporte, destinar um percentual do PIB, nós falamos em 2% do PIB para essa área. Com o novo processo de mobilização em São Paulo, nós fizemos uma reunião com o prefeito [Fernando] Haddad e eu levei para ele uma proposta de como ele poderia assegura a tarifa zero em São Paulo. São Paulo gasta R$ 4,5 bilhões por ano com o pagamento da dívida pública. É o dinheiro que sai do município e vem aqui [para Brasília] para poder compor o tal do fundo que vai para os bancos todos os anos, para compor os R$ 800 bilhões, R$ 900 bilhões que vão para os banqueiros. Gasta mais R$ 1,5 bilhão com as entidades ditas filantrópicas de São Paulo. Somando isso dá R$ 6 bilhões. Todo o custo de transporte por ônibus de São Paulo por ano chega a R$ 6 bilhões. Se o município se apropriasse desses recursos e destinasse ao transporte de pessoas, estatizasse o sistema, tirasse da mão dessa máfia que controla o sistema de transporte em São Paulo, garantiria transporte de ônibus com tarifa zero para toda a população do estado. O recurso estaria mais bem empregado nisso do que ajudando a aumentar o lucro dos banqueiros ou financiando essas “pilantropias” que nós conhecemos tão bem no nosso país. Mas é um problema de escolha como sempre. Recursos há, não é preciso aumentar impostos para isso. É utilizar os recursos que o país tem para isso, em vez de dar os recursos para desonerar a folha de salário de uma empresa, para reduzir impostos de uma empresa ou para aumentar a rentabilidade dos bancos como se faz.

ABr: As unidades básicas de saúde desempenham um papel central na garantia de acesso ao sistema. Dotar essas unidades de infraestrutura adequada e de profissionais suficientes é um desafio para o país que tem hoje 5.570 municípios. Como garantir a manutenção de um sistema de saúde público, universal e gratuito e enfrentar esses gargalos? Como suprir a falta de médicos nas regiões mais isoladas?
Zé Maria: O Sistema Único de Saúde [SUS], no papel como concepção, é uma das coisas mais avançadas do mundo. Mas infelizmente, depois da adoção do SUS como legislação no nosso país, os governos têm feito o oposto do que seria para se colocar em prática esse sistema. O que tem é se avançado no processo de privatização cada vez maior do sistema de saúde e, mesmo os investimentos públicos que se fazem na saúde, boa parte deles é repassada ao setor privado da saúde. Então o primeiro problema que nós temos é falta de investimento. O Brasil tem esses recursos ou não tem? Tem. Eu disse antes que o que se passa para os bancos dá R$ 800 bilhões, R$ 900 bilhões, se eu pego metade disso eu garanto 10% do PIB para o sistema de saúde. Se eu estatizo o sistema privado, invisto R$ 400 bilhões, R$ 430 bilhões por ano no sistema, aí eu consigo dotar o sistema de hospitais em número suficiente para toda a população, de postos de saúde em número suficiente, de profissionais pagos de forma correta e adequada e em número suficiente para toda a população brasileira. E desenvolver programas, não só no sentido de assegurar um atendimento mais adequado, mais qualificado ao doente, mas também programas de prevenção que, aliás, deveriam ser o centro da preocupação dos governos, de forma a evitar que as pessoas fiquem doentes. A começar pelo problema do saneamento básico, da falta de água potável. Metade da população brasileira não recebe água potável, saneamento básico não existe para mais da metade da população. Então não adianta você tratar a pessoa e botar ela para viver em cima do esgoto, ela vai ficar doente de novo. Saneamento é investimento, moradia digna é investimento, você ter postos de saúde em número suficiente, contratar profissionais é perfeitamente possível, se você combina isso com um sistema de educação no país que esteja voltado para produzir os profissionais e o conhecimento de que o país precisa. Por que a faculdade de medicina é tão elitizada no país? Porque é para produzir elite. Médico é uma coisa essencial, da mesma forma que professor é uma coisa essencial em qualquer sociedade. Por que você não tem um sistema mais amplo para formar mais médicos, pessoas que saem do próprio povo. Para você entrar numa faculdade de medicina você tem que praticamente ser filho de rico. São raras as exceções. O povo pobre não tem capacidade de se formar como médico? Tem capacidade. É preciso dar oportunidade, se você dá a oportunidade você vai ter médicos que queiram trabalhar na periferia, que queiram ajudar sua família, ajudar pessoas que são iguais a elas.

Fonte: Agência Brasil

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