Cidadeverde.com

Rede social é um palco e estamos em cima dele, diz especialista

Imprimir

Um vídeo postado no Facebook em fevereiro deste ano ganhou repercussão na rede social pelo seu conteúdo apelativo. Nele, um jovem de 20 anos pedia ajuda para enfrentar uma grave doença: a leucemia. Magro, abatido e com uma história comovente, Zacarias Gondim implorava por dinheiro para custear o tratamento em São Paulo. Com a rapidez típica da internet, a campanha ganhou grandes proporções e comoveu os usuários da rede. Amigos, conhecidos e gente que nunca tinha visto o rapaz, que é amante do skate, começaram a colaborar como podiam. Tinha tudo para a ação ser sucesso e o resultado almejado alcançado, como tantos apelos que circulam diariamente nas redes sociais e com final feliz. O que ninguém imaginava, era que tudo não passava de uma farsa. Apesar de o caso ainda não ter sido totalmente esclarecido, já que o rapaz continua a alegar que está doente, o skatista passou de mocinho a vilão. A rede social usada como arma para enganar voltou-se contra ele com um poder ainda maior: o de execrar.

O caso em questão, apesar de ser inédito no Piauí, é mais comum do que se imagina e serve de alerta para quem faz das redes sociais uma espécie de segunda casa. É o que alerta o especialista em marketing digital, Leandro Hipólito.

“O caso do skatista não é uma novidade de golpe. É um crime previsto no Código Penal, o famoso artigo 171 (estelionato - crime pelo qual será indiciado), porém, desta vez, foi aplicado pelos meios digitais. Outra coisa que não é novidade é a forma utilizada para a aplicação do golpe: crowdfunding. O crowdfunding é a versão digital do que já é conhecido como “vaquinha”, em que um grupo de pessoas financia a realização de algo, que pode ser desde um churrasco entre amigos até uma causa social ou individual, como foi o caso do skatista”, explica.


Especialista alerta para uso das redes sociais (Foto:Arquivo Pessoal)

Para o especialista, os meios digitais são apenas um reflexo do que a sociedade já faz no seu dia a dia. Um exemplo muito comum de golpe é a falsidade ideológica (pessoa se passando por outra).

“O golpe, fora dos meios digitais pode ser para a compra de um automóvel, por exemplo. Já na internet, no mesmo sentido, a criação de perfis falsos nas redes sociais pode ser no intuito de enganar outros usuários para obter alguma vantagem financeira para si. Outro caso de perfis falsos é o usado por pedófilos para conversarem e ganharem a confiança de crianças e adolescentes para atrai-los para um encontro. Neste caso específico, os pais e responsáveis devem estar muito atentos sobre quem são as pessoas com quem os menores conversam tanto em redes sociais, como em grupos de WhatsApp ou mesmo em jogos online”, alerta.

Ele explica que não há técnicas para se usar redes sociais, o ideal é fazer na internet o que se faria em público. “Faça na internet, numa rede social ou em um grupo de conversa, apenas aquilo que você faria sem problema no meio de uma praça pública. Então, caso você não se disponha a tirar a roupa no meio de uma praça pública, não faça isso também na internet, onde a sua exposição é muito maior. Costumo dizer que as redes sociais são um palco e você está em cima dele com uma plateia olhando para você. O que você fizer lá em cima, será visto por todos”, afirma.

Segundo Leandro, quem passa por um golpe como o aplicado pelo skatista, pode criar traumas e não mais ter o desejo de ajudar o próximo. “Um caso como esse realmente tira um pouco da confiança e isso é compreensível, porém, ajudar com voluntariado ou com doação para quem realmente necessita é algo que faz bem não só para quem recebe a ajuda, como também para quem faz a doação. O mais seguro para quem deseja ajudar em casos como esse, é conhecer pessoalmente, pedir as documentações, verificar a autenticidade de tudo. Sendo um laudo médico ou outro documento devidamente assinado por um profissional, é buscar a fonte e questionar. Vale, até, em outras situações, verificar a existência de antecedentes criminais (que pode ser verificado gratuitamente pelo site da Polícia Federal) se há alguma condenação anterior por golpe”, adverte.

Prestar atenção nos detalhes é de suma importância, afirma o especialista. Segundo ele, o caso do skatista é um exemplo nítido, onde toda uma história foi construída e convenceu, mas que foi desmentida. “Um fato como esse deixa a todos em alerta e acaba prejudicando aqueles que verdadeiramente necessitam de algum auxílio. Casos com tamanha repercussão como este servem para todos nós, envolvidos ou não, termos um cuidado maior e buscarmos detalhes sobre as histórias e documentos apresentados”, alerta.

Redes sociais e seus mitos

Muitos usuários fazem o que querem nas redes sociais, acreditando que o campo virtual é “terra” de ninguém. Para o especialista Leandro Hipólito, isso não passa de um mito.

“Hoje, vivemos no que é chamado por alguns estudiosos da área como “era da exposição”. Da mesma forma como há pessoas que pensam que a internet não está sob a aplicação das leis, há outras que se sentem completamente seguras e, assim, expõem a sua intimidade ou de terceiros. Diversos casos são encontrados, principalmente, de adolescentes que tiveram fotos ou vídeos íntimos publicados em grupos do WhatsApp ou mesmo em blogs e redes sociais e que os levaram ao suicídio. Então, da mesma forma que para manter a segurança, inviolabilidade, intimidade e integridade sua e da sua família, você não permite que pessoas que passam na rua da sua casa tenham conhecimento da sua intimidade, você não deve permitir que coisas íntimas cheguem às redes sociais, pois, tudo o que você publica (texto, áudio ou vídeo) eventualmente chegará a outras pessoas que poderão compartilhar o conteúdo”, ressalta.

Outro mito, segundo Hipólito, é que redes sociais são para os adolescentes brincarem. "Ledo engano. As redes sociais são uma fonte riquíssima de informação, discussão e pesquisa se bem utilizada. Pode auxiliar desde uma pesquisa simples até auxiliar no desenvolvimento de uma dissertação para o mestrado ou direcionar investimentos na bolsa de valores", afirma, ressaltando ainda a rede social no âmbito dos negócios. 

"Ainda há algumas empresas que acreditam que as suas estratégias de marketing dentro mundo digital podem ser executadas por qualquer pessoa que “saiba mexer no Facebook”. As redes sociais de uma empresa (assim como toda a sua presença digital) são uma extensão da empresa física, onde há seus clientes e concorrentes observando, comprando, criticando e elogiando a marca, os seus produtos ou serviços. Da mesma forma que o empresário não contrataria alguém sem qualificação para ser o responsável pelo marketing da empresa física, o mesmo não deveria acontecer quando falamos da imagem da empresa nas redes sociais. Para isso, assim como há profissionais qualificados para cuidar do financeiro da empresa, há profissionais devidamente qualificados para desenvolverem um planejamento estratégico, criarem conteúdo de qualidade e a identidade visual de acordo com os objetivos do negócio dentro das diversas plataformas digitais.

Distritos também apuram crimes na internet

Com os crimes na internet cada vez mais comuns, a polícia de adequa e amplia seu poder de investigação. Quem se sentir ofendido em uma rede social, por exemplo, pode procurar o distrito policial do bairro e fazer a denúncia. "A pessoa deve procurar o distrito no local onde reside, de posse da impressão do material e registrar a ocorrência", explica a delegada Cristiane Fonteles.

Se o crime for relacionado com fraude bancária ou estelionato pela internet, o caso é repassado ao Grupo de Repressão ao Crime Organizado (Greco) através da Delegacia de Repressão aos Crimes Tecnológicos de Teresina (Dercat). "Já os casos que envolvam pornografia infantil são investigados pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA)", informa a delegada.

Sobre o caso em específico envolvendo o skatista Zacarias Gondim, Cristiane Fonteles orienta as pessoas a tomarem mais cuidados quando se depararem com campanhas semelhantes. "A orientação é não se sensibilizar de imediato, procurar conhecer pessoalmente ou através de um terceiro se certificar da veracidade do pedido de ajuda. Tem que gente que aproveita", orienta a delegada, ressaltando que o caso do skatista é um dos primeiros registrados com esse foco.

Após a repercussão do caso, a polícia informou que a conta disponibiliza pelo rapaz na internet tinha pelo menos R$ 23 mil. Todo o recurso foi proveniente de doações.

Senti-me enganada e vou pensar duas vezes agora

Sensibilizada com o apelo na internet de Zacarias Gondim Lins, 20 anos, a psicopedagoga Ianara Costa foi até o banco e depositou R$ 70,00 na campanha de ajuda ao skatista. Ela conta que foi tocada pela mensagem emotiva do rapaz. “Pensei: e se fosse meu irmão. Lembro que ele dizia que tinha perdido a mãe e isso me comoveu muito”.

Ao se deparar com a informação de que o caso do skatista poderia ser uma farsa, Ianara disse que foi uma decepção. “Me senti enganada. Foi uma decepção”, disse.

Ela foi até a Delegacia Geral e procurou saber como iria ser ressarcida do deposito. Ianara contou que pensará duas antes de fazer doações com pedido na internet. “Vou procurar fazer doações de sangue e doar somente para quem eu conheça. Foi uma lição”, finalizou.

Hérlon Moraes
[email protected]
Colaboração de Yala Sena

 

Você pode receber direto no seu WhatsApp as principais notícias do CidadeVerde.com
Siga nas redes sociais