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Lava-Jato investiga Eletrobras e 15 empresas do setor elétrico

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O alvo agora é a Eletrobras, nave-mãe de um grupo de 15 estatais responsáveis por mais de um terço da energia consumida no país. A Eletronuclear, cujo presidente (licenciado) foi preso nesta terça-feira, é uma das menores subsidiárias.

Todo esse conjunto de empresas, com patrimônio superior a R$ 60 bilhões e cujo comando na última década foi partilhado entre PT e PMDB, está sob investigação por iniciativas coordenadas entre Ministério Público (MP), Tribunal de Contas da União (TCU) e Polícia Federal (PF).

Além deles, as contas do grupo estão sob auditoria da Hogan Lovells, escritório de advocacia americano contratado há seis semanas pela Eletrobras, numa providência cautelar típica de companhias que, tendo ações negociadas nas bolsas de valores de Nova York e Madri, identificam riscos de perdas elevadas em tribunais estrangeiros.

Cinco meses atrás, o MP pediu a intervenção do tribunal de contas para “apurar se as práticas verificadas na Petrobras estão ocorrendo também no âmbito das empresas estatais do setor elétrico”. A polícia e a procuradoria aportaram algumas informações, junto a uma lista de 25 empresas protagonistas nos inquéritos sobre corrupção na Petrobras.

A devassa ocorre em todos os investimentos e participações societárias do grupo estatal de energia com valor acima de R$ 50 milhões. Significa a análise de suspeitas sobre um estoque de R$ 28,6 bilhões em empreendimentos em curso desde 2009, no governo Lula.

Estende-se às principais Sociedades de Propósito Específico (SPEs, empresas criadas para uma atividade restrita, com prazo de existência determinado e objetivo de isolar o risco financeiro de um negócio das demais atividades dos sócios-cotistas). Até agora, as SPEs jamais haviam sido alvo de qualquer tipo de fiscalização por órgãos federais de controle.

Elas concentram uma fatia expressiva (46%) do investimento total do grupo Eletrobras. Somam R$ 13,2 bilhões em negócios na órbita de quatro das subsidiárias estatais (Eletronorte, Chesf, Eletrosul e Furnas). Em algumas delas, a maior parte do capital e dos investimentos tem origem nos cofres públicos — não apenas via grupo Eletrobras, mas também por empresas como Banco do Brasil, Cemig, Vale e BNDESPar e respectivos fundos de pensão.

É o caso da SPE Norte Energia, que constrói a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Tem dois terços do capital aportados por empresas estatais e seus fundos de pensão. E mais R$ 22,5 bilhões em créditos do BNDES, 68% do total de financiamentos. O TCU considera “expressivo” o aumento de custos dessa usina, que passou da previsão de R$ 19 bilhões para R$ 33 bilhões e está com 64% da obra executada.

Na Eletrobras, o foco está em “três vertentes de riscos: aos cofres das estatais, ao sistema de geração de energia e de superavaliação de investimentos”, informa o tribunal de contas.

Mês passado, quando iniciaram as fiscalizações, os auditores observaram que as subsidiárias da Eletrobras e respectivos fundos de pensão não possuem regras de controle sobre suas associações (SPEs) com grupos privados: “O descontrole dos acionistas e os contratos firmados aumentam o risco”, registraram em documento interno, mencionando “a existência de comprovados esquemas de corrupção, com propinas e sobrepreços” de várias empresas “envolvidas na OLJ (Operação Lava-Jato) e contratadas por essas SPEs.”

As suspeitas sobre negócios do grupo Eletrobras, sob influência de políticos do PT e do PMDB, surgiram no inquérito sobre corrupção na Petrobras. Foram reforçadas em depoimentos de executivos de empreiteiras como Camargo Corrêa e Engevix, de ex-diretores da Petrobras, como Paulo Roberto Costa, e de agentes de distribuição de propinas a políticos, como Alberto Youssef e Julio Camargo, entre outros.

Foi nessa rede em que caiu o presidente da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro da Silva, licenciado do cargo no mês passado. Ele foi acusado de receber R$ 4,5 milhões milhões em propina de empreiteiras contratadas para o projeto da 3ª usina nuclear em Angra (RJ). É um negócio estimado em R$ 14 bilhões e já tem 17 processos de auditoria no tribunal de contas. Igor de Paula, delegado federal, disse ontem que as investigações sobre a Eletronuclear estão “apenas no início”:

— O caso pode ser muito maior.

Othon, como é conhecido, nasceu há 76 anos em Sumidouro (RJ). Construiu sua carreira na Marinha, como engenheiro naval, e chegou ao posto de contra-almirante depois de uma especialização em engenharia nuclear no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos.

Pode ser descrito como “homem-bomba”: liderou a equipe que, a partir dos anos 70, desenvolveu o Programa Nuclear Paralelo, iniciativa militar para desenvolvimento de tecnologia em enriquecimento de urânio, à margem do projeto de construção das usinas nucleares em Angra.

EMPREENDIMENTOS SEM CONTROLE

Durante o regime, cada Força armada mantinha um projeto nuclear autônomo e secreto. Foram empreendimentos bilionários, sem qualquer controle social dos custos. Resultaram num desperdício incalculável, exceto no laboratório comandado por Othon com disciplina de quartel.

Dali saíram 24 toneladas de urânio enriquecido numa cascata de ultracentrífugas que consumiam menos energia que a média dos equipamentos disponíveis nos EUA e na Europa, em meados dos anos 80. Em pelo menos uma ocasião, Othon admitiu ter promovido testes de enriquecimento de urânio em escala (93,5%) suficiente para uso num “artefato” atômico.

Parte crítica do processo tecnológico, as ultracentrífugas foram construídas em um sistema de engenharia reversa: os especialistas liderados por Othon correram o mundo copiando e contrabandeando partes e componentes — algumas aquisições foram realizadas no bazar atômico subterrâneo —, reconstituindo e adaptando-os na antiga Coordenadoria de Projetos Especiais da Marinha.

O governo americano vetou a difusão de tecnologia nuclear numa América do Sul repleta de governos militares. No ocaso da ditadura, os desdobramentos do projeto imaginados por Othon acabaram asfixiados numa guerra orçamentária dentro da Marinha. Gradualmente, sua equipe foi desarticulada, a produção acabou restrita ao suprimento parcial das usinas de Angra e ele migrou para a iniciativa privada.

Criou uma empresa (Aratec, hoje sob investigação) voltada para o mercado de turbinas hidrelétricas de pequeno porte. No governo Lula, que chegou a discutir a disseminação da energia nuclear pelo país, com 22 usinas, ele foi convidado a retornar ao centro de decisões setoriais. Primeiro como conselheiro presidencial, depois como principal executivo da Eletronuclear, que abriu o espólio da antiga Nuclebrás — as usinas de Angra.

Sua prisão sob suspeita de corrupção surpreendeu muitos na comunidade científica. Entre outras razões, porque Othon atravessou o regime militar com poder absoluto sobre o bilionário empreendimento secreto da Marinha, cujo financiamento era feito via aplicações de verbas orçamentárias no mercado financeiro (overnight), a partir de quatro contas secretas (com prefixo “Delta”) no Banco do Brasil.

A “Delta IV”, na agência Pinheiros, em São Paulo, foi revelada pela repórter Tânia Malheiros: estava em nome do capitão-de-fragata Marcos Honaiser e do seu chefe, Othon. Funcionava como caixa para pagamentos das compras feitas no submundo do comércio de materiais nucleares. Dela, até agora, não se teve notícia de qualquer tipo de controle, mas também nenhuma informação sobre desvio de recursos.

Fonte: O Globo.

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