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Piauiense é alvo de ofensas racistas em rede social por causa do cabelo

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A cabeleireira Josânia Martins foi alvo de comentários racistas pela rede social Facebook. A mensagem preconceituosa ocorreu em uma foto da profissional, postada pela proprietária do salão em que ela trabalha. No post, a empresária Antônia Costa parabenizava "Jô", com a jovem prefere ser chamada, pela passagem de seu aniversário, comemorado na mesma data da Consciência Negra, celebrado ontem (20).

"O comentário realmente houve. Eu tentei fazer uma homenagem pela passagem do aniversário dela, como sempre faço com minhas funcionárias. Daí, uma pessoa proferiu comentários decortês e deselegante. Outras pessoas que acessam minha página, começaram a fazer compartilhamentos do que ele disse, relacionando o cabelo crespo dela à falta de higiene. Foi muito chato. Eu não vou mentir, me senti envergonhada. Morar em um país multiracial e ter que conviver com esse tipo de preconceito, saber que isso está no meio da gente. Essas pessoas com esse tipo de pensamento estão bem mais próximas do que a gente imagina", disse a empresária.

O comentário racista partiu de um senhor que se identifica sendo natural de Teresina e que trabalha com Educação. "Só não entendo porque não sobra tempo para pentear o cabelo", diz o post. 

Além de ofender Jô, o internauta ainda discute com outros seguidores da rede social e posta novas mensagens, inclusive, duvidando da punição para quem comete o crime de injúria racial. 

A proprietária do salão disse que, a pesar de ter conhecimento de outros casos de preconceito, ficou surpresa com a reação do internauta. Até a manhã, deste sábado (21), o post da empresária foi compartilhado mais de 100 vezes e comentado por quase 1.200 internautas que deixaram mensagens de apoio à cabeleireira.

"Eu nunca imaginei que a gente poderia conviver com gente com pensamento tão pequeno. O preconceito não é novidade para nós. Através das mídias sociais, percebemos que isso  é mais comum do que poderíamos imaginar, mas as notícias que são divulgadas são de pessoas públicas, que estão na mídia. Sinceramente, eu nunca imaginei que isso pudesse acontecer com uma pessoa mais próxima, que alguém pudesse se incomodar tanto com  o visual que cada uma adota pra si. No salão nós não adotamos o estereótipo de só ter cabelo liso. Aqui nós tratamos cabelos, independente de ser crespo, afro negroide...o nosso paciente é o cabelo. A Jô é uma mulher linda com o cabelo maravilhoso. Acho que ele ficou meio despeitado", disse Antônia Costa. 

Em entrevista ao Cidadeverde.com, Josânia Martins disse que ficou bastante magoada e assustada com os comentários maldosos. Ela conta que o apoio de amigos e até mesmo de desconhecidos foi importante para superar a situação. 

"Eu fiquei um pouco assustada, porque é uma pessoa que eu não conheço, nunca vi e fez um tipo de comentário assim. Eu trabalho em um salão de beleza e hoje não existe esta coisa de cabelo cacheado, cabelo afro ou cabelo liso. Cada um usa seu cabelo como gosta e se sente melhor. Também fiquei muito magoada, porque não tem como a gente não ficar e dizer: Ah!! eu não dou importância. Eu procurei não ficar abalada com isso, mas fiquei muito chateada e sentida. Porém, graças à Deus, ontem era meu aniversário e recebi parabéns de pessoas que eu nunca vi, porque viram o que ele falou e todo mundo ficou solidário à minha pessoa, ligando pro salão, me defendendo e incentivando a processá-lo, porque isso não se faz", desabafou Jô.

A cabeleireira, que já trabalha há 16 anos no mesmo salão de beleza, localizado no bairro Mocambinho, na Zona Norte de Teresina, disse que ainda não sabe o que fazer diante das ofensas, mas pensa em processar o autor da injúria racial, como uma forma de barrar novas atitudes criminosas.

"Tem horas que dá vontade de ir adiante e processar, mas acho que todo mundo já falou tão mal dele e não sei se quero me desgastar com isso. Por outro lado, ele é uma pessoa que merece. Vou amadurecer a ideia e essa semana vou resolver se vou adiante ou não. Porque eu acho que se a gente não tomar uma postura, as pessoas vão continuar nos ofendendo. Eu sou negra e não é a primeira vez que eu sofro preconceito, racismo", disse.

Ela contou ao Cidadeverde.com que não é raro sofrer preconceito em situações do cotidiano, como por exemplo, ir à uma loja. "Já cheguei em lojas querendo comprar e a vendedora me deixou esperando porque foi atender uma pessoa branca. Já aconteceu isso por diversas vezes. Tem pessoas que dizem que o negro é o próprio racista, mas pelo contrário, eu agradeço a Deus por ter nascido, por que independente da minha cor, de sermos brancos, baixos, com cabelos loiro ou cacheado...isso não tem nada a ver. A única certeza que nós temos é a morte. Todos nós um dia vamos morrer e é aí que a gente vai se igualar...nós não levamos nada do que adquirimos na terra", reitera a cabeleireira. 

Jô conta ainda que já teve o cabelo liso e resolveu assumir o visual afro há cerca de dois anos. Autêntica, ela diz que jamais negará suas origens e brinca ao dizer que fará uma homenagem ao autor do post com teor racista. 

"Eu sou uma pessoa negra, já tive o cabelo liso, mas resolvi assumir meu cabelo natural, afro. Me sinto muito bem assim. Não deixei ele estragar meu aniversário...foi muito bom, encontrei amigos e todo lugar que eu chegava as pessoas me reconheciam, me desejam felicitações e falavam que tinham 'acabado' com ele. Acho que todo mundo também se sentiu com o que ele fez comigo. Eu sou uma pessoa tranquila, não tenho maldade no coração. Não sei porque esse senhor falou isso de mim..Eu tenho muita pena dele. Espero que ele mude, até  porque já é um senhor de idade e nunca imaginei isso de gente assim, porque é comum a gente ver mais de pessoas joviais. Engraçado, como no Facebook dele, ele fala em Deus. Como pode a pessoa falar de Deus e falar de uma pessoa negra se todos somos filhos Dele? Sou rodeada de amigos e nunca vou negar minha origem. Em homenagem a ele, vou usar meu cabelo mais alto. Há dois anos, uso meu cabelo black, assumi os meus cachos e não aliso mais. Agora vai ser assim para sempre", disse a cabeleireira. 

Após a repercussão, a página virtual do autor do post não foi mais localizada. Recentemente, um caso semelhante com a atriz Taís Araújo ganhou repercussão em todo o país. (Relembre)

Injúria

O crime de injúria está previsto no artigo 140 do Código Penal e consiste em ofender a dignidade ou o decoro de alguém “na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”.

A pena pode chegar a três anos de reclusão. Se o promotor entender que houve racismo, os acusados podem responder pelos crimes previstos na Lei 7.716, de 1989. Há várias penas possíveis para racismo, entre elas prisão e multa. O crime de racismo não prescreve e também não tem direito à fiança.

 

Graciane Sousa
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