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Filho de Pablo Escobar: "Teria que escrever livro sobre mentiras de Narcos"

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Ele viveu ao lado do maior narcotraficante da história. Nascido Juan Pablo Escobar, por questão de sobrevivência, mudou seu nome para Sebastían Marroquín. Morando em Buenos Aires, Sebá vive um dia de cada vez. Em 2015, com a estreia de Narcos, o nome de Pablo Escobar voltou ao holofote. Isso incomodou Marroquín, que considera a série do Netflix uma mentira. Hoje, o homem de 38 anos tem dias de paz. Condena o passado violento de Escobar, mas não o condena como pai, amigo e companheiro. Diretamente da Argentina, ele conversou com a equipe do ATL Paper sobre Narcos, infância e drogas.

Potter  Por que Buenos Aires depois de tudo que passou?

Sebastían  Buenos Aires foi resultado do azar, do destino. Nós planejávamos visitar e viver em Moçambique, no sul
da África. Não estava em nossos planos
a Argentina.

Potter  Não sei como tu vives hoje. Bom, escreveste um livro, toda as pessoas sabem que és filho de Pablo Escobar. Como vives o dia-a-dia? Como vives com isso? A troca do nome foi por causa disso, pelo preconceito? Como aconteceu?

Sebastían  A troca de nome aconteceu por uma razão muito clara. Nos queriam mortos na Colômbia. Na época em que meu pai recentemente havia falecido, a pressão de nosso próprio governo para que os outros países do mundo não nos recebessem nos obrigou a trocar a identidade para recuperar o direito de viver a ter educação. A troca do nome nunca deve ser interpretada como uma renúncia ao parentesco, nem ao afeto que há em relação ao meu pai. Simplesmente, trocamos de nome porque o mundo estava nos excluindo e discriminando. E não nos dava a oportunidade de termos um lugar para viver em paz e tranquilidade. Esse é o único motivo, no fundo, para trocarmos de nome.

Porã  Qual a lembrança afetiva mais importante que sentes em relação ao
teu pai?

Sebastían  Meu pai foi um grande amigo, uma pessoa que sempre falou de frente, que nunca me disse mentiras sobre suas atividades, nem sobre suas ações. Sempre me educou com muito amor, apesar de ter sido um homem muito violento fora de casa. No interior da família, ele se comportava como um bom pai. Eu não tenho questionamentos a respeito da figura de pai, e sim à figura de bandido, narcotraficante, que decidiu seguir. Mas tenho grandes sentimentos por meu pai, porque me educou com muito amor.

Adams  Narcos é um fenômeno mundial, mas não gostaste do que viste na tela. O que há de verdade e o que há de mentiras em Narcos?

Sebastían  Teria que escrever um livro sobre todas as mentiras que mostram em Narcos. Mas uma coisa que principalmente me chateia é que eu não estou morto. Vocês puderam me contatar facilmente e creio que a produção do Netflix poderia ter entrado em contato comigo para poder entender a história em sua verdadeira dimensão. Me parece que sair a vender ao mundo uma história como a verdadeira, sem consultar a viúva e os filhos do homem sobre o qual estão fazendo uma biografia não autorizada, é um ato de irresponsabilidade frente ao público que quer saber a verdade. Nas letras pequenas dos contratos eles dizem que esta é a história verdadeira, mas que qualquer semelhança com a realidade é uma simples coincidência. O que é claramente uma estratégia para não responder à família. Neste caso, a nós. Pelos direitos que correspondem ainda ao meu pai e, se não ao meu pai, por ser uma pessoa pública, perante a minha própria vida, da minha irmã e da minha mãe. Estamos vivos e não autorizamos ninguém a falar de nossas vidas.

Potter  A série, de alguma forma, reacendeu o assunto Pablo Escobar na América Latina e nos Estados Unidos. O que podes citar, na série, como um momento exato de um fato verdadeiramente real e a pior mentira da série?

Sebastían  Creio que não é questão da pior, pois há uma série de mentiras. Seria uma redundância. Nesse caso, como o ministro da Justiça acusa supostamente meu pai através de fotos de um jornal? Há muitas coisas que são muito imprecisas, que poderiam ser bem feitas, ter sido contadas melhor. Não correspondem à realidade e também mostram um sistema, digamos, dos norte-americanos. Onde parece que é muito normal que eles estejam presenciando torturas, desaparições forçadas e assassinatos seletivos por parte do Estado colombiano. Eles eram simples espectadores e nunca lhes pareceu que deveriam denunciar estes fatos. Então, incomoda que se esteja quase como validando a violência estatal sempre quando se tratava de perseguir um traficante. Como sociedade, estamos perdendo o respeito pelos direitos e valores humanos, validando esse tipo de violações através desse tipo de séries. Parece que estão legalizando a tortura e o desaparecimento forçado, sob a desculpa de estar combatendo o narcotráfico. Neste caso, meu pai. Creio que o problema dessas séries não são somente as mentiras que estão contando, mas sim estarem fazendo com que os jovens creiam que ser narcotraficante é cool. “É legal ser narco.” Isso é um grande erro. É uma grande contribuição para que muitos jovens achem que o caminho do narcotráfico é viável. Um caminho que vai lhes dar poder, fama, reconhecimento e muitas alegrias. Na realidade, pelo que aprendi em minha história, é completamente o contrário.

Porã  A questão do combate ao narcotráfico. Ele é combatido, desde a época do teu pai, da mesma forma. Hoje, discutem-se outras formas para que se diminua a violência. Como tu percebes essa luta antinarcotráfico e que tipo de ideia talvez fosse mais significativa pra mudar esse cenário?

Sebastían  Olha, o único caminho possível para erradicar a violência relacionada com o narcotráfico é terminar com a proibição. Está amplamente demonstrado que as únicas coisas que a proibição garante são a violência, a corrupção e a venda de armas e o empoderamento dos narcotraficantes de maneira ilimitada. Já está demonstrado que a proibição, como tal, não funciona. Para mim, já pudemos experimentar quando o álcool e o tabaco foram proibidos, e já tivemos guerras por isso. As drogas não são exceção, porque é exatamente o mesmo panorama. Eu costumo dizer inclusive que se proibissem a pizza, teríamos violência pela pizza. Teríamos os cartéis da pizza. Então, não é uma questão de produto. É uma questão de que o ato de proibição nos enfrenta como sociedade. Nos divide e também é um ato de irresponsabilidade dos Estados, que no momento que mantêm vigente a proibição, estão dizendo que não querem se encarregar desse tipo de problema da sociedade. “Prefiro que os delinquentes e narcotraficantes administrem.” E então, claramente, assim estão os resultados. Há quem diga que faz 80 anos que está decretada a proibição, outros dizem que faz 40, desde Nixon. No entanto, na realidade, não mudou nada e nada vai mudar. No panorama das drogas, precisamos modificar o ponto de vista. Creio que exiostem ferramentas muito mais econômicas e mais poderosas para enfrentar o problema, como a educação precoce de nossos filhos, a arte, a cultura e atividades e oportunidades que deem dignidade às pessoas. Creio que tem muitas coisas por fazer, que há uma maneira mais inteligente e econômica de lutar contra este problema, mas que claramente decretando uma guerra à gripe ou decretando uma guerra à aids, isso não significa que vamos terminar com elas. Significa que se está empobrecendo o discurso e se está tornando mais fácil de acreditar que a guerra é a solução. E não é. Está demonstrado que não.

Potter  Há uma coisa incrível. Eu compreendi, é muito claro, mas teu pai ganhava algo como 60 milhões de dólares por dia! É uma fortuna! Qual…

Sebastían  Isso não é certo. Meu pai ganhou muito dinheiro, mas não tanto.

Potter  Hehehehe! Como sair desse mundo? O que te passou pela cabeça?
Eu li algo que dez minutos depois da morte de teu pai, tu trocaste de vida. Nada mais de vingança, nada mais de nada. De onde tiraste forças, como “não quero mais ter essa vida de pessoas ricas, mas viver uma vida normal”? O que passou em tua cabeça?

Sebastían  Eu vivi a história na parte de dentro. Quando ela é vista da comodidade de uma casa em um livro ou na televisão, parece que é uma história fácil de viver. Na realidade, tivemos muito dinheiro, mas muitas carências em condições de liberdade. Nós estivemos cheios de milhões de dólares, mas morrendo de fome porque não tínhamos a liberdade para ir comprar comida. Então, apesar de ser supostamente milionário porque tem milhões de dólares à tua disposição, você está morrendo de fome. Esses milhões de dólares não te servem para ir comprar na esquina a comida ou um pão… Você se questiona: se tem sentido ou não continuar sendo milionário nesse aspecto? Está cheio de dinheiro, mas sem a liberdade o dinheiro não serve de nada. Foi mais fácil seguir um caminho diferente porque não queria repetir a história de meu pai. Além disso, fui um dos poucos e grandes críticos de meu pai quanto à violência.

Adams  Fazenda Nápoles hoje é um grande destino turístico. Há alguma relação ainda com a família?

Sebastían  Nenhuma. A conexão da fazenda com a família é zero.

Adams  Te incomoda ser um destino turístico?

Sebastían  Me incomoda que
queiram me cobrar para entrar na
minha própria casa.

Porã  Como está hoje a situação do narcotráfico na Colômbia? As notícias que chegam ao Brasil são de que o narcotráfico foi controlado por lá. A gente sabe que aqui no Brasil o narcotráfico domina,  assim como em países como o México. Hoje, inclusive, o governo mexicano disponibiliza um site pra debater a questão da descriminalização das drogas. Como é que está essa situação no teu país?

Sebastían  Quem diz que o narcotráfico foi controlado mente. Comecemos pelo princípio. Quem diz que existe controle sobre o narcotráfico não sabe nem onde está parado, porque é impossível controlar o narcotráfico por uma razão muito simples: as Nações Unidas dizem que há pelo menos 244 milhões de pessoas consumidoras de drogas no mundo. Esse é um mercado muito grande para ser ignorado. Como evitar que pessoas carentes não levem a droga para esses 244 milhões de consumidores? O problema não se soluciona assassinando 244 milhões, e nem os colocando na cadeia. É impossível, não há lugar físico. Portanto, há soluções educando-nos como sociedade para que possamos escolher coisas diferentes das drogas antes de que tenhamos as opções que nos ofereçam. As crianças têm hoje pouca educação nas escolas sobre o tema da prevenção do consumo. Não são nem sequer inteiradas de como são as drogas, nem os efeitos que elas causam envolvendo sua saúde. Então, se não estamos informando a nossa sociedade a tempo, se não estamos dando as ferramentas a nossos jovens, para que escolham um futuro diferente, de que maneira podemos sair? Uma vez que já são grandes, a questioná-los pelas decisões que tomaram, se nós como pais e sociedade nunca lhes demos a informação suficiente e necessária para que escolhessem melhor?

Potter  Sebá, há um documentário que eu vi, em que tu choras por causa da violência, falando com a família dos mortos… Bom, eu vi, chorando e sei que é uma dor. Como pensas hoje? Continua sendo uma dor diária? O que podes falar para a família dos mortos? Que fazes com o sentimento da violência que teu pai gerou?

Sebastían  Lógico que não sinto nenhum orgulho pela violência que meu pai gerou contra o país. Sinto muita dor porque deixou um legado de violência e sempre me aproximei dessas famílias vítimas da violência de meu pai, para lhes pedir perdão com muito respeito e humildade em seu nome, para que, como colombianos, possamos encontrar um caminho diferente da vingança e da guerra. Vamos nos desprender do sentimento de ódio e de vingança que não nos ajuda a construir um país melhor.

Potter  Voltando à situação da infância e de coisas afetivas, o que tu lembras do trato diário com o teu pai? Que tipos de brincadeiras, que tipos de atividades vocês praticavam como pai e filho? Que tu tens na tua lembrança?

Sebastían  Bom, meu pai gostava muito de passear de moto, de nos explicar muitas coisas que decidia no zoológico. Era um grande apaixonado pelos animais e nos transmitiu essas paixões.
Era um tempo em que não se falava dos problemas ecológicos do planeta,
e ele já falava sobre esses temas.
Era um cara que gostava de muitas brincadeiras e era um bom pai, que gostava de compartilhar e de jogar futebol comigo. Me cantava canções, me contava contos, montávamos juntos na moto e desfrutávamos de passeios em rios da Colômbia. Fazíamos muitas coisas juntos, quando era possível.

Potter  Quando viste a violência pela primeira vez?

Sebastían  Quando aconteceu a morte do ministro da Justiça, Rodrigo Lara Bonilla, em agosto de 1984. Eu tinha sete anos e esse episódio… Essa decisão desafortunada de meu pai de mandar assassinar o ministro terminou por colocar em evidência suas atividades. Inclusive, nos obrigou a deixar o país até a Cidade do Panamá, onde ficamos protegidos pelo general Noriega. Neste momento, ocorreu o primeiro contato da minha família e da minha pessoa com a realidade, a violência que estava começando a ser gerada por meu pai.

Potter  Gostas de futebol?

Sebastían  Desde que tinha quatro anos.

Potter  Quem é melhor: James Rodriguez ou Neymar?

Sebastían  Creio que cada um tem seu talento… Neymar joga há mais tempo e já mostrou coisas muito boas no futebol.

Potter  Eu pensei que irias responder Messi.

Sebastían  Atualmente, tenho em minha família os filhos argentinos, a esposa mexicana, eu sou colombiano. Podemos ter várias alternativas…

Adams  É uma turma boa! Tu acompanhas algum clube de futebol? Atlético Nacional, Independiente?

Sebastían  Meu pai era Independiente Medellin, mas eu sou Nacional.

Adams  Nacional… Grêmio foi campeão em 1995, na Copa Libertadores. Kkkkkk!

Fonte: ATL

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