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‘Era o Hotel Cambridge’ mistura ficção e realidade no drama de refugiados

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Os espectadores desavisados podem pensar estar diante de um filme de ficção, mas não é bem assim. Quando as primeiras imagens de “Era o Hotel Cambridge”, em cartaz a partir de hoje no Rio, surgem na tela, o que vemos são situações que embaralham a fronteira entre dramaturgia e realidade, chegando a ser uma tarefa quase impossível identificar o que é espontâneo e o que é encenado.

Eleito o melhor filme pelo público e pela Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema) no último Festival do Rio, além de ter sido premiado em San Sebastián, na Espanha, em setembro, “Era o Hotel Cambridge” relata o cotidiano de refugiados estrangeiros que buscaram abrigo num prédio de São Paulo onde antes funcionava a instituição do título.

O filme revela os detalhes dos conflitos em países do Oriente Médio que forçaram várias dessas pessoas a deixarem as suas casas. “Eu vim porque tive que vir”, diz um congolês. Algumas dessas conversas são reais, gravadas pela equipe de Eliane Caffé, que propositalmente buscou não atores para interagir com artistas profissionais — José Dumont e Suely Franco integram o elenco.

— A ideia inicial era fazer um filme que abordasse a questão dos refugiados, mas durante a pesquisa fui conduzida para essa ocupação — conta Eliane, diretora de “Narradores de Javé” (2003), vencedor do prêmio de melhor filme no Festival do Rio, tanto pelo júri oficial quanto pelo popular. — Eles trazem uma imagem forte da nossa época: os traslados, populações em escala global. São o reflexo direto de uma crise política e econômica que se estende no mundo inteiro.

Trabalhar com refugiados reais sempre foi o objetivo principal de Eliane, que queria dar veracidade às histórias relatadas. Foi durante a produção que ela percebeu que precisaria introduzir alguns atores profissionais, para ajudar a “fazer o jogo cênico”. Contrariando expectativas, Eliane afirma que dirigir pessoas sem experiência prévia com atuação foi mais fácil do que imaginava:

— Achava que iria ter dificuldade por causa das línguas diferentes e por não conhecê-los. Mas, quando chegou a hora, o envolvimento deles foi muito grande. Várias dessas pessoas estão no lugar da vitimização ou de receber assistencialismo. Quando surgiu o filme, entraram como protagonistas. Ficaram estimulados com o jogo cênico.

CONTRADIÇÃO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Entre as personagens está Carmen Silva, interpretando a si mesma. Ela é líder da Frente de Luta pela Moradia (FLM), organização que representa os refugiados no Hotel Cambridge. Seu dilema primordial é bolar estratégias para lidar com uma iminente ordem de despejo. Com os dias contados, os ocupantes resistem e decidem registrar seu cotidiano na forma de vídeos em textos, publicados num blog, para chamar atenção da opinião pública.

Antes das filmagens, no fim de 2014, a equipe de “Era o Hotel Cambridge” tentou estabelecer um vínculo com os refugiados criando oficinas de perfis variados, como aulas de cinema. A ligação foi tão forte que se estende até hoje. Alguns integrantes do filme, entre eles a própria diretora, seguem participando de reuniões da cúpula do movimento e dando suporte aos moradores locais. Hoje, o Hotel Cambridge é propriedade do movimento, ou seja, não há mais o risco de desapropriação.

Ao mesmo tempo em que Eliane comemora a visibilidade que o filme pode dar ao tema, ela aponta para falhas nas políticas públicas voltadas para a questão dos refugiados:

— O Brasil tem um grande paradoxo. Temos as leis mais avançadas em relação ao acolhimento de refugiados, mas na prática não conseguimos ter a infraestrutura básica. Isso reflete o momento político em que estamos, no qual os investimentos nas causas sociais estão aquém do que a realidade demanda. É um descompasso.

 

Fonte: O Globo 

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