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Pela 1ª vez, embriões são 'editados' para evitar doença

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Um experimento polêmico realizado por pesquisadores da Universidade Oregon Health and Science pode abrir as portas para a prevenção de doenças hereditárias. Com uma ferramenta de engenharia genética conhecida como CRISPR-Cas9, o geneticista Shoukhrat Mitalipov e sua equipe conseguiram, pela primeira vez na literatura médica, reparar a mutação de um gene nas primeiras fases do desenvolvimento de embriões humanos. O método ainda precisa ser aprimorado, mas neste estudo pioneiro se mostrou seguro em relação aos efeitos sobre outras partes do DNA e ao mosaicismo — quando o embrião é composto por dois ou mais tipos geneticamente diferentes de células —, alimentando expectativas sobre a liberação de testes clínicos.

— Todas as gerações seguintes poderão carregar essa correção porque nós removemos a variante genética que causa a doença da linhagem da família — explicou Mitalipov, que dirige o Centro para Células Embrionárias e Terapia Genética na Universidade Oregon Health and Science e liderou o estudo publicado nesta quarta-feira na revista "Nature". — Usando essa técnica é possível reduzir a prevalência dessa doença hereditária em famílias e, eventualmente, da população humana.

No caso, os cientistas conseguiram fazer com que o gene mutante MYBPC3 — causador da cardiomiopatia hipertrófica — presente no esperma doado fosse substituído por uma versão normal após a fecundação do ovócito. No grupo de controle, 47,4% dos embriões gerados por técnicas tradicionais de fertilização in vitro não apresentaram a cópia mutante. Já com o uso do novo método, 42 de 58 embriões, ou 72,4%, se desenvolveram sadios.

Atualmente, casais que possuem a mutação genética podem recorrer ao Diagnóstico Genético Pré-implantacional (PGD, na sigla em inglês) para gerar filhos sadios. Mas a técnica, que consiste na análise genética e seleção dos embriões formados após a fertilização in vitro, antes da implantação no útero, é cara e pode ser inviável para mulheres com idade avançada. A expectativa dos pesquisadores é que o método com o uso do CRISPR-Cas9 seja aprimorado para, no futuro, aumentar a eficiência e baratear o PGD.

— Nós vimos um índice de reparo muito alto, mas ainda não é 100% eficiente. Nesse estudo, nós usamos o CRISPR padrão para ver como os embriões se comportariam, mas existe espaço para melhorar — comentou Mitalipov. — Existem ferramentas que podem elevar a eficiência para 90%, ou até 100%. Então, estaremos prontos para avançar para os testes clínicos.

O estudo focou numa mutação específica causadora da cardiomiopatia hipertrófica, doença que afeta uma em cada 500 pessoas e pode levar à insuficiência cardíaca e à morte súbita. Não existe uma cura e os tratamentos clínicos controlam os sintomas, mas em casos mais graves é recomendada a implantação de marca-passo ou a realização de cirurgia cardíaca. Casais em que um dos parceiros possua a mutação genética têm 50% de chances de passar o problema para os filhos.

— Apesar de afetar homens e mulheres em todas as idades, é uma causa comum de ataques cardíacos repentinos em pessoas jovens — apontou Sanjiv Kaul, cardiologista da Oregon Health and Science que participou do estudo. — E ela pode ser eliminada em uma geração numa família.

Prevenção do Câncer e outras doenças

As possíveis aplicações da nova técnica não se restringem ao gene MYBPC3. Mais de 10 mil desordens hereditárias relacionadas a apenas um gene já foram identificadas, afetando milhões de pessoas em todo o mundo. Entre elas estão o câncer de mama e de ovário, relacionados com os genes BRCA1 e BRCA2. Como algumas dessas doenças muitas vezes se manifestam na idade adulta, essas mutações escapam da seleção natural e são transmitidas de geração em geração.

— Nós estamos interessados em algumas outras mutações, particularmente em outra que causa a cardiomiopatia hipertrófica, o gene MIH7, responsável por cerca de 40% dos casos da doença — afirmou Mitalipov. — E também queremos explorar correções de genes causadores do câncer.

Mais que o alto grau de reparo nos embriões gerados, o que chama atenção para o experimento é a segurança. Estudos anteriores de aplicação do CRISPR-Cas9 em embriões humanos resultaram em falhas inconcebíveis para uma possível gestação. Em alguns casos, o embrião desenvolveu o mosaicismo, quando apenas algumas células foram reparadas, enquanto outras mantiveram a mutação.

Técnico Mostra Segurança

Nos estudos anteriores, realizados na China e na Suécia, o CRISPR-Cas9 foi injetado com embriões já formados, fazendo com que a ferramenta agisse apenas sobre algumas células. Mitalipov e sua equipe fizeram uma abordagem diferente: o CRISPR-Cas9 foi injetado no ovócito junto com o espermatozoide e, dessa forma, pôde corrigir o DNA do doador paterno antes do início da divisão celular, fazendo com que a mutação fosse corrigida em todas as células.

— Ao usar a técnica numa fase mais precoce do desenvolvimento embrionário, conseguimos evitar o mosaicismo — contou Jun Wu, pesquisador do Instituto Salk, na Califórnia, responsável pelo desenho e otimização das ferramentas usadas para fazer a edição genética dos embriões e colaborou na análise dos resultados, não tendo participado diretamente da sua manipulação.

O pesquisador também chamou atenção para melhorias no desenho da ferramenta, que preveniram as chamadas edições “off-target”, em que ela altera não só a sequência desejada como outras parecidas no genoma dos embriões.

— Isto depende muito da mutação, mas a ferramenta que desenhamos era muito específica para esta mutação em particular — explicou.

'Design de Bebês' e testes clínicos

No experimento, os embriões foram descartados poucos dias após a fecundação e as células foram coletadas e sequenciadas para análise da eficácia ou não do reparo do gene mutante. Desde fevereiro, um comitê da Academia Nacional de Ciências dos EUA liberou institutos de pesquisa a realizarem estudos envolvendo a engenharia genética de embriões, mas testes clínicos, com a implantação no útero de mulheres, ainda são proibidos.

— Eu acredito que membros do comitê que estão discutindo essa questão, alguns deles meus colegas, tinham muita preocupação com o mosaicismo e as edições “off-target“. E agora que nós mostramos que essas questões não são grandes problemas, acredito que o comitê possa reconsiderar alguns pontos — afirmou Mitalipov.

O avanço tecnológico proporcionado pelo experimento é inquestionável, pois ele abre portas até mesmo para a erradicação de doenças hereditárias, mas a alteração da linha germinal de humanos — que transmite o material genético para as próximas gerações — é um tema controverso. Existe o temor de que essas técnicas possam ser usadas, no futuro, para o design de bebês, tanto na seleção de características físicas, como na potencialização das capacidades físicas e cognitivas, criando humanos superiores.

— Nós precisamos desenhar uma linha. As agências reguladoras precisam decidir que doenças podemos tratar e até onde podemos ir — completou o pesquisador.

Fonte: O Globo

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