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Questões jurídicas relacionadas aos contratos de franquia (III)

Outro tema bastante relevante sobre os contratos de franquia é o referente à situação da parte franqueada após o término da relação contratual, especialmente quanto à implantação ou manutenção de atividade empresarial concorrente à da franqueadora. Nesse ponto, prevê a Lei Federal nº 8.955/1994, em seu artigo 3º, XIV, que a circular de oferta de franquia também deverá conter informações sobre a “situação do franqueado, após a expiração do contrato de franquia, em relação a: (a) know how ou segredo de indústria a que venha a ter acesso em função da franquia; e (b) implantação de atividade concorrente da atividade do franqueador”.

De saída, deve-se ter em conta que a ausência dessas informações na circular de oferta e no contrato de franquia terá como efeito a permissão para que a franqueada tanto utilize do saber-fazer que tenha tido acesso em função da franquia, quanto alternativa ou conjuntamente implante/mantenha atividade concorrente à atividade da franqueada. Isto porque não há expressa vedação legal para tanto, devendo haver expressa regulamentação nos instrumentos contratuais. É uma situação jurídica inversa à do contrato de trespasse (aquisição de estabelecimento), em que o Código Civil, em seu artigo 1.147, prevê que há proibição da concorrência, a não ser que o contrato expressamente a autorize: “Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência”.

Voltando aos contratos de franquia, a mencionada limitação à concorrência pela franqueada se dá por cláusulas contratuais denominadas de cláusulas de não concorrência, ou cláusulas de raio. Embora a lei ordinária não preveja expressamente a necessidade da estipulação de uma distância (raio) e do tempo no qual a concorrência esteja proibida, a jurisprudência de variados tribunais brasileiros determina que haja a suas definições por ser ela, a não concorrência, uma exceção ao princípio geral da livre iniciativa na atividade econômica – que tem matriz constitucional (Constituição da República, artigo 170). Em não havendo tal definição espacial e/ou temporal, pode-se ter a cláusula de não concorrência como não escrita, ou se pode buscar uma delimitação judicial do raio e do tempo no qual a manutenção ou implantação de atividade concorrente seria proibida. Nesse sentido, veja-se importante precedente do Superior Tribunal de Justiça:

 

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CONTRATO EMPRESARIAL ASSOCIATIVO. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AFASTADA. PEDIDO E CAUSA DE PEDIR. TEORIA DA SUBSTANCIAÇÃO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO CARACTERIZADO. EXTINÇÃO DO VÍNCULO CONTRATUAL. CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA. LIMITE TEMPORAL E ESPACIAL. ABUSIVIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Demanda em que se debate a validade e eficácia de cláusula contratual de não-concorrência, inserida em contrato comercial eminentemente associativo. 2. A aplicação do direito ao caso concreto, ainda que com fundamentos jurídicos diversos, não caracteriza julgamento extra petita. 3. Pela teoria finalista, só pode ser considerado consumidor aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo. 4. A jurisprudência do STJ admite a flexibilização da teoria finalista, em caráter excepcional, desde que demonstrada situação de vulnerabilidade de uma das partes, o que não se vislumbra no caso dos autos. 5. A funcionalização dos contratos, positivada no art. 421 do Código Civil, impõe aos contratantes o dever de conduta proba que se estende para além da vigência contratual, vinculando as partes ao atendimento da finalidade contratada de forma plena. 6. São válidas as cláusulas contratuais de não-concorrência, desde que limitadas espacial e temporalmente, porquanto adequadas à proteção da concorrência e dos efeitos danosos decorrentes de potencial desvio de clientela - valores jurídicos reconhecidos constitucionalmente.7. Recurso especial provido. (REsp 1203109/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/05/2015, DJe 11/05/2015)

(destacou-se)

 

Na próxima semana se falará sobre a possível caracterização de relação de trabalho entre franqueada e franqueadora, a depender da configuração de ingerência excessiva desta na atividade empresarial daquela.

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV). Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

www.rochafurtado.com.br

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