A herança de características genéticas às vezes é um peso que precisamos suportar e que provoca desgastes cotidianamente. Quando estou na farmácia adquirindo meu estoque de medicamentos que compensam doenças hereditárias (duas cardiopatias e uma doença metabólica) sou interpelado pelo atendente e invariavelmente respondo: preferia ter herdado uma casa na praia! O que provoca risos, mas levanta o insuspeito desejo de que tudo poderia ser bem diferente, de fato.
A ciência genética vem evoluindo para um ponto em que logo será possível fazer uma seleção mais ampla de genes causadores de anomalias genéticas evitando doenças de cunho hereditário que, combinadas com o estilo de vida, são epidêmicas em todo o planeta.
O avanço mais recente sobre a possibilidade de corrigir genes causadores de doenças hereditárias em embriões foi publicado este mês na revista britânica Nature. A descoberta de pesquisadores de universidades dos EUA, Coreia do Sul e China está no artigo intitulado “Correction of a pathogenic gene mutation in human embryos” (Correção de uma mutação em gene patogênico em embriões humanos, em tradução livre) e se refere ao desenvolvimento de uma técnica chamada CRISPR-Cas9 usada para simplesmente editar o gene MYBPC3, mutação gênica responsável pelo desenvolvimento tardio de doença cardíaca.
O experimento gerou embriões livres do gene defeituoso. O desenvolvimento da técnica abre a perspectiva para uso futuro, de forma segura, no processo de conceder ao embrião que se livre de doenças hereditárias. É muito cedo pensarmos em pessoas totalmente saudáveis e livres de doenças hereditárias graves, mas a descoberta joga luz sobre o assunto ao mesmo tempo em que traz uma polêmica que reacende o pensamento eugenista.
A eugenia foi defendida no final do século XIX, início do século XX por alguns pesquisadores da área de Genética como o inglês Francis Galton e ganhou força na época do nazismo, sob os auspícios de um ditador sanguinário que desencadeou o maior genocídio da história da humanidade, buscando, entre outras razões o estabelecimento da raça ariana.
O dilema é que a correção ou a edição de genes defeituosos, capazes de gerar doenças, pode suscitar a ideia de se corrigir caracteres levando em consideração os subjetivos critérios da beleza. Uma pele mais clara, cabelos mais lisos ou íris azulada podem estar entre os caracteres a serem corrigidos usando a técnica. E é aí onde mora o perigo de se atropelarem normas bioéticas.
Depois de assistir o lamentável incidente de Charlottesville (EUA) e os ataques de fúria nas redes sociais contra a Miss Brasil 2017 tenho minhas dúvidas se a humanidade está preparada para usufruir este tipo de ferramenta.
Se quiser ler o artigo clique em https://www.nature.com/nature/journal/v548/n7668/pdf/nature23305.pdf