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Ofensa a princípios não será mais improbidade administrativa

 

 

Ofensa a princípios não será mais improbidade administrativa 

Por Guilherme Carvalho *

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Início o presente ensaio com uma crítica, que, nada obstante sua aspereza, converte-se em lamentável realidade: a precariedade das decisões judiciais tomadas nos processos que envolvem ações de improbidade administrativa. Não é infrequente nos depararmos com sentenças condenatórias abalizadas unicamente em argumentos doutrinários rasos, em princípios - ou valores principiológicos - que se resumem a lugares comuns e cuja indisposição quanto a seus fins é praticamente inegável.

Tais sentenças, que mais parecem profilaxias jurídicas a serem exaradas em simpósios jurídicos ou seminários atinentes ao tema, quando não enfrentam a questão central (a improbidade mesma), devotam-se à busca incansável de uma tal violação de valores, que, ao derredor das conclusões mais incertas que apareçam, sempre ensejará uma condenação.

É que é praticamente impossível não remanescer algum espaço para condenar alguém lastreado somente em princípios.  Nos casos de improbidade administrativa, ainda que não exista dano ou mesmo enriquecimento ilícito, a imputação de ofensa, por exemplo, ao princípio da eficiência ou da moralidade não é tarefa das mais complexas.

Conquanto a problemática resida em várias searas do Direito, onde o julgador alcança fórmulas principiológicas para “ajeitar” uma ou outra decisão, o problema é muito mais grave – e se revela mais eloquente - quando envolve as chamadas sanções administrativas, maiormente contra os agentes políticos. A nós, importa-nos falar sobre este problema, já registrando, com a clareza e honestidade intelectual que se fazem necessárias, que a opinião aqui emitida não decorre unicamente da posição simplista e apaixonada de um advogado; encampa-se a uma dificuldade de maior envergadura, pois que para além das próprias idiossincrasias que circundam cada profissão.

Em boa hora, porém, o Projeto de Lei 10.887/18, que trata sobre a nova Lei de Improbidade Administrativa, extingue o art. 11 previsto na atual Lei nº 8.429, a Lei de Improbidade Administrativa, que menciona como sendo um dos tipos de improbidade a violação a princípios. O que se vê na prática são condenações em nada associadas a lesão ao erário ou a enriquecimento ilícito, tipos estes que, também constantes na Lei de Improbidade Administrativa, realmente precisam ser combatidos. Condutas ineficientes podem ser legais e até moralmente formais.

O grau de abstração do julgador quanto à eleição do que é moral, daquilo que é mais ou menos ético e, mais que isso, do que é ineficiente, pode não se coadunar com os critérios utilizados pelo gestor, verdadeiro exercente da função administrativa. Em tais situações, onde residiria um ato de improbidade, simplesmente na não conformação dos pensamentos? Logo, se o juiz interpreta de forma diversa à interpretação concedida pelo agente público, não há, lógica e impreterivelmente, uma necessária relação de improbidade administrativa.

É inquestionável a necessidade de se combater, de forma incansável, a malversação da coisa pública; todavia, os valores constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa e, mais que isso, segurança jurídica, devem ser de igual modo respeitados. Permitir ações civis públicas por atos de improbidade administrativa com base apenas em princípios não se revela uma boa ação, pois mais tende, à desorganização do sistema de repartição dos Poderes do que propriamente ao combate à corrupção.

Portanto, as alterações promovidas pelo legislador no projeto da Lei de Improbidade Administrativa, oxalá acatadas, tenderão a promover deferência ao agir do gestor público, concedendo liberdade ao exercente da função administrativa, deixando, para o Judiciário, as considerações sobre o que realmente importa, é dizer, atos de improbidade, entre os quais, por certo, não se incluem a violação aos princípios.

 

* Guilherme Carvalho é doutor em Direito Administrativo e mestre em Direito e Políticas Públicas. Ex-Procurador do Estado do Amapá e advogado do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados. Bacharel em Administração.

 
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