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Mães que rompem barreiras e criam filhos com liberdade das cores

Fernanda, Daniela, Romana e Amanda educam os filhos livres de esteriótipos em busca de uma sociedade com menos preconceitos

Criadas em uma sociedade considerada patriarcal, tradicional e heteronormativa, mães piauienses decidiram romper com esse tripé e optaram por educar os filhos com a liberdade das cores e mais flexível na questão de gênero. 

Essas mães desconstruíram os próprios preconceitos alegando que os próprios filhos aprendessem, desde a primeira infância, as diferenças para viver em uma sociedade mais igualitária e com menos violência.

Hoje, no Dia das Mães, o Cidadeverde.com conta a história de algumas mulheres que, ao viver a maternidade, descobriram que o amor incondicional pelos filhos as fariam enfrentar as práticas preoconceituosas de alguns para que eles tivessem a liberdade de ser apenas crianças e, quando jovens e adultos, pudessem viver, por exemplo, a própria identidade de gênero e, consequentemente, respeitar as das demais pessoas. Não somente com relação a identidade de gênero, mas conviver com toda e qualquer diferença - seja ela religiosa, étnica, de classe social ou orientação sexual.

No Especial, Fernanda, Romana, Daniela, Amanda e M* (que pediu para não ser identificada) buscam uma educação livre de estereótipos e o rompimento de uma sociedade que, culturalmente, repassou por gerações que o sexo masculino e feminino está ligado, respectivamente, aos gêneros masculino e feminino.

Para elas, a sociedade deveria considerar a educação sem a distinção de gênero normal, mas, infelizmente, recebem olhares atravessados e, muitas vezes, são alvos de piadas preconceituosas. Elas defendem que é preciso reconstruir o hoje sem diferenciar objetos e atividades como “de menina” e “de menino” para um futuro melhor.

Daniela e Manuela 

Daniela e Manuela

Uma gravidez não planejada trouxe a Manuela para os braços da Daniela. Hoje, aos 5 anos de idade, Manu é ensinada a aceitar as diferenças e possui uma criação, a todo instante, desde a orientação sexual das pessoas ao desenrolar político do país, baseada no diálogo aberto com a mãe. Manu gosta de karaté e balé, brinca de bola e boneca, usa roupas da seção feminina e masculina, tudo com muita naturalidade. Para Daniela, a infância é a fase dos porquês, principalmente aos 5 anos de idade. Por isso, é momento ideal para que a criança comece a entender com clareza que a sociedade é plural.   

“Eu tento fazer da Manuela uma pessoa sábia para um mundo que não é fácil, pois ele é cheio de preconceitos. Eu luto é pelo caráter dela, não para firmar uma orientação sexual, por exemplo. Eu ensino pra que ela não trate ninguém com diferença, que somos todos iguais, que cada um tem seu tempo de se autoconhecer. Que ela também pode vir considerada ‘uma pessoa diferente’. Talvez isso ainda só não despertou”, pontua Daniela, de 31 anos.
 

Amanda e a filha caçula, Paty


Amanda e Paty/Sophia/Victoria
 

Aos 37 anos, Amanda segue a vida de mãos dadas com as três filhas: Victoria, Sophia e Paty. Elas têm, respectivamente, 15, 7 e 5 anos de idade; três meninas que já possuem personalidades próprias: uma mais tímida, outra mais extrovertida – uma completando a outra. Para Amanda, é preciso lutar todos os dias para que as filhas, principalmente Paty, por ser uma criança trans, sejam felizes, pois, afinal, a alegria delas é que a faz sorrir também. “Minhas filhas são carinhosas, educadas, felizes e caridosas”, afirma 

Amanda, acrescentando que todas são educadas para superarem as barreiras do preconceito. O Especial trouxe uma matéria exclusiva com Amanda; reveja aqui.

M* e S*

M* e S*

M* é uma mãe, de que, por receio de familiares, no momento, preferiu o anonimato dela e do filho, de 2 anos. Motivo: M* decidiu que o filho desde cedo teria noção do mundo real, esse que durante toda a sua infância foi “escondido”. O filho, desde os primeiros processos educativos, seria educado a não reproduzir práticas machistas e preconceituosas. 

“Assim, desde que ele nasceu, utilizo materiais lúdicos para discutir esses temas, são livros infantis, brinquedos, elementos que possam auxilia-lo a crescer de modo mais livre e consciente das diferenças e do respeito que se deve a todas elas. Dentro dessa perspectiva, quando ele ainda tinha cerca de 1 ano e meio de idade junto com os brinquedos tradicionais de menino como carros e bolas eu adquiri bonecas e bonecos, vassourinhas, rodos de brinquedo, panelas. Minha intenção, quando coloco esses elementos para que ele interaja, é que ele cresça tendo entendimento que os  papeis sociais definidos para homens e mulheres são construções sociais, e não determinantes naturais. Homens e mulheres são responsáveis por seus filhos, todos são responsáveis pela limpeza do ambiente em que convivem e por aí vai, o quanto antes as crianças tiverem consciência disso, muito antes as mesmas se sentirão responsáveis por essas atividades”.

Romana e as filhas Ava e Malu

Romana e Ava e Malu

Na casa delas “não tem isso de coisa de menino e coisa de menina”. A jornalista Romana Naruna acredita que já na primeira infância as crianças começam a formar uma identidade. Os gostos são percebidos nos pequenos detalhes como na escola de uma roupa. Por isso, fez da aquarela o enxoval da Malu e da Ava para apresentar, desde cedo, que a sociedade é colorida, plural e rica em diversidade sem precisar diferenciar objetos, cores e situações por gênero.

“A Malu tanto tem bonecas como carrinhos, bolas, legos. Não definimos nada por gênero, até porque não faz o menor sentido. O máximo de divisão que há aqui em casa é entre coisas de bebês, de crianças e de adultos. Tentamos sempre ampliar a visão quando ela vem da creche com algum pré-conceito ou ideia formada nessa questão dos gêneros. Acho que o mais difícil é isso, impedir que os estereótipos vindos de fora se tornem mais fortes do que a desconstrução que tentamos fazer”.

A história da Romana com as filhas também foi destaque no Especial Dia das Mães. A matéria completa está disponível neste link.

Fernanda e Nícolas 

Fernanda e Nícolas

A história da mãe do Nícolas, a assistente social Fernanda Costa, também foi destaque no Especial Dia das Mães. Durante a conversa com o Cidadeverde.com, Fernanda, de 26 anos,  defende que as crianças precisar ser livres para escolher roupas, atividades e comportamentos que mais lhe despertem afinidade. Ela disse ainda que o filho é educado para ajudar nos afazeres domésticos de acordo com a idade, além de brincar com carros, bonecas e utensílios cor de rosa. Conheça mais sobre a história dos dois aqui.

Na reportagem, Fernanda também destacou que os adultos precisam deixar de sexualizar a infância ao relacionar objetos e atividades com a sexualidade de uma criança. 

Todos os dias, essas mães, mesmo sem se conhecerem, lutam por uma sociedade mais justa, digna e sem discriminação para os seus filhos – e de todas as outras mães. Elas lutam por uma infância livre de opressões baseadas em gênero e sexualidade. Elas pedem por respeito às diferenças, pela alegria das brincadeiras e dos sorrisos inocentes de cada criança.

“Deixemos nossas crianças sermos quem elas são, deixemos livres para escolher cores, sabores e afetos. Nosso papel como mães é de orientar nossas crianças para que cresçam no caminho do bem, para que respeitem todas as formas de ser gente, que estejam comprometidas com a transformação dessa sociedade em outra sociedade, mais digna e mais justa”, declara Fernanda, mãe do Nícolas.

 
Carlienne Carpaso
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Mãe de filha trans fala da dor e das alegrias: "não vamos agredir, vamos trabalhar para ter respeito"

“Eu era uma menina. Aí, veio uma fadinha e me transformou em um menino”, disse Paty*, 5 anos, para a mãe, a autônoma Amanda, quando tinha apenas um ano e meio de idade.  Hoje, Paty é a caçula da família e corrige a todos que a chamarem pelo nome masculino: “oi, quem é esse?”, conta a mãe, sorrindo, em entrevista especial ao Cidadeverde.com para o “Dia das Mães”. 

Depois de noites sem dormir, crises de choro e negar para si mesmo a identidade de gênero da filha, Amanda decidiu pensar e agir unicamente como mãe e lutar pela felicidade da Paty, rompendo estereótipos e enfrentando os preconceitos. Antes de iniciar o processo de mudança no guarda-roupa e nos brinquedos, um ato repentino da Paty assustou Amanda. Desde então, ela deixou de ter duas meninas e um menino para ser mãe de três meninas: Victoria, Sophia e Paty.  

“Paty sempre se referiu a ela como menina, e eu não entedia. Pensava que ela estava errando, mas, na cabeça dela, nós que estávamos errados. Eu falava: ‘você está lindo hoje’; e ela me corrigia: ‘linda’ eu dizia: ‘você é o príncipe da mamãe’, e ela retornava com: ‘princesa da mamãe’. Eu cheguei a pensar que ela era gay. Então, vamos trabalhar para respeitar; não vamos agredir e punir. Só depois, assistindo a um documentário, pesquisando sobre o tema, que cheguei à conclusão que minha filha era uma criança trans. Depois de um tempo, eu mesma só a enxergava como menina. Não tinha nada considerado pela sociedade de menino ali”, relatou Amanda. 

Brincalhona, carinhosa, educada e super animada, Patty hoje é o oposto do que era antes, quando precisava usar roupas e agir de acordo com os padrões do gênero masculino, que são impostos culturalmente pela sociedade a partir das normas heteronormativas relacionando o gênero com o sexo biológico.  Exemplo disso foi o que Amanda fez ao receber a notícia que teria “o primeiro filho homem”: comprou todo o enxoval na cor azul já que, tradicionalmente, a cor rosa é para menina. Ao recordar, Amanda brinca: “eu ficava falando: ‘agora vou ter algum pra fazer brincadeiras bem brutas, jogar videogame, correr’; e isso não aconteceu”. 

“Aqui em casa não temos mais essa relação de gênero com os brinquedos. Aqui tudo é brinquedo. No início da transição, que foi feita aos pouquinhos, eu também comecei a ter noção de que roupa precisa ser algo indefinido, não ter gênero. Teve uma eleição que não consegui votar porque ela só queria ir se fosse de vestido. Eu chorava tanto com medo de sair e ela ser maltratada. Tudo foi dolorido. Um dia, a vesti de vestido e fui para uma festa de família porque as pessoas precisam respeitar que Paty era uma menina”, desabafa a mãe. 

Durante a entrevista, Paty acrescentou que não apenas gosta de vestido como a sua cor preferida é o roxo. Decidida não somente pelo estilo de roupa e o mundo das cores, Paty já pensa no futuro. “Eu vou ser costureira, arquiteta, modelo e professora. Pra ser tudo isso eu vou precisar de dinheiro, então vou vender bolinhos de caramelo”, disse, correndo de um lado para o outro da casa. Ao ouvir a irmã, Sophia lembrou que ela também é a mais bagunceira da casa e que adora brincar de bonecas. 

 

Carta para Firmino Filho: “Precisamos conversar sobre a Paty".
 
Amanda relatou ao Cidadeverde.com que Paty foi rejeitada por inúmeras escolas particulares em Teresina por, simplesmente, ser e defender o que a filha é: uma menina.  As discriminações ocorreram disfarçadamente e, após inúmeros nãos, Amanda pediu ajuda ao Ministério Público e transferiu Paty para a rede municipal de ensino.

Neste ano, com a filha matriculada em uma escola pública, com todo material escolar com o nome social, sendo respeitada e educada com profissionais qualificados, veio a decisão do projeto de Lei N° 20/2016, de autoria da vereadora Cida Santiago, que proíbe o debate sobre as questões de gênero nas escolas de educação básica da rede municipal. O PL, que passou por dois processos de votação, foi arquivado na última quinta-feira (5). 

Dos 29 vereadores da Casa, 24 votaram a matéria, que teve 12 votos a favor e 12 contra. Então o presidente da Casa, vereador Luiz Lobão (PMDB), deu o voto de minerva, optando pela não aprovação.  Para Amanda, o arquivamento não foi uma vitória em si, pois os que votaram contra alegaram inconstitucionalidade da matéria; não pelo fato do conteúdo discriminatório que o PL indicava. "Os vereadores não queriam se comprometer com o assunto tanto que muitos que votaram à favor do arquivamento apoiavam o PL. Acredito que eles serão mais detalhista e que um novo projeto, com outra cara, irá surgir", ressalta. 

Amanda chegou a fazer uma carta pedindo que o então prefeito de Teresina, Firmino Filho, vetasse o PL. Nas escolas anteriores, a mãe disse que não era respeitada a identidade de gênero da criança.  “Faziam a Paty escrever o nome de menininho. Na chamada, que a professora poderia contornar e chamar o nome social, mas não, ela chamava o masculino. A Paty sentia tudo isso. Ela já não queria mais estudar. Quando soube do PL, não consegui dormir”.

A seguir, segue trecho da carta. 

“Senhor Prefeito, a questão de gênero é uma realidade na rede pública Municipal, a Paty é a prova disso. Por isso, venho através desta pedir o veto da lei que veda a distribuição, exposição e divulgação de material didático contendo manifestações de gênero nos estabelecimentos de ensino da rede pública Municipal, pois é contraditório existir leis de inclusão de pessoas LGBT e não poder falar sobre elas. Onde fica a orientação do MEC para trabalhar com temas transversais? O que será das outras crianças como a Paty? Como a administração municipal pretende fazer a inclusão nestes casos? O senhor já parou para pensar que crianças também sofrem homofobia e transfobia? Com discussões tão avançadas sobre o tema, por que sancionar essa lei que atrasa o desenvolvimento da sociedade? Pois não falar no assunto não vai fazer as Patys, as Lauras, as Milenas e os Vitos desaparecerem da sociedade”.

Amanda diz que a carta foi um pedido de diálogo para que respeitem a diversidade, que o prefeito – assim como toda a sociedade - lute contra todas as discriminações de gênero desde a infância. “As pessoas acham que criança não tem querer. Não é que a gente tenha que fazer todos os gostos. Não é uma questão de ideologia. É respeitar a criança enquanto ser humano. É deixar a criança ser feliz”. 

*Nome foi substituído para preservar a identidade da criança

Carlienne Carpaso
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Mães que educam filhos livres de estereótipos


Mães em busca de uma sociedade que respeite as diferenças desde a infância. Na semana que antecede o Dia das Mães, o Cidadeverde.com conversou com mulheres que, no dia a dia da maternidade, decidiram educar os filhos com a liberdade das cores, atividades e objetos apropriados para cada idade independente de gênero e sem sexualizar a infância. 

Elas buscam uma educação livre de estereótipos e o rompimento de uma sociedade que, culturalmente, repassou por gerações que o sexo masculino e feminino está ligado, unicamente, aos gêneros masculino e feminino. E, como consequência dessa criação secular, são atividades e objetos separados para cada um deles: meninos nascem meninos e vivem como meninos – jogando futebol, usando azul e brincando de carrinhos, já as meninas nascem meninas e vivem como meninas brincando de bonecas, casinha e usando rosa. 

Para elas, é preciso dialogar com os filhos para que haja respeito não somente pela própria identidade de gênero e das demais pessoas, mas também para toda e qualquer diferença - seja ela religiosa, étnica, de classe social ou orientação sexual, por exemplo. 

As mães entrevistadas para o Especial Dia das Mães - que durante toda essa semana publicou matérias relacionadas ao tema - acreditam que, com essa maneira de criação, as crianças desde cedo aprenderam a conviver com as diferenças e, por isso, a intolerância não irá aumentar os casos de violência, discriminação e mortes. Para que os filhos não façam parte desse índice de criminalidade. 

Fernanda e Nícolas

Fernanda Costa tem 26 anos e é mãe do Nicolas, de 6 anos. Para ela, as crianças são livres para escolher roupas, atividades e comportamentos que mais lhe despertem afinidade. Fernanda, que é assistente social, após ter contato com inúmeros casos de violência doméstica em que o homem sentiam-se “donos” das mulheres ao ponto de agredi-las, decidiu mudar a criação do filho. 

“Queria que meu filho pensasse diferente, que ele vivenciasse uma vida doméstica em que homens e mulheres dividem as atividades. Ele arruma o próprio quarto, usa a vassoura, brinca de boneca, tem brinquedos e outros utensílios cor de rosa, e não vê problema nisso. Ele sabe que brincar de carro ou de boneca é a mesma coisa, e que todos os brinquedos podem ser usados por todas as crianças. Certamente, isso o fará crescer uma pessoa melhor, por entender que não há papéis sociais predeterminados no gênero e que todas as tarefas podem ser exercidas por homens e mulheres. Meu filho recebe uma educação que respeite todas as formas de ser e estar no mundo”.

Fernanda também destaca que é importante a sociedade deixar de sexualizar a infância. Por exemplo, classificar a sexualidade de uma criança só porque ela usa determinada cor ou brinque com algum objeto considerado socialmente como sendo do sexo biológico oposto. 

“É preciso deixar claro que proporcionar uma educação livre de conceitos de gênero para uma criança em nada tem a ver com determinar a sua orientação sexual, tem a ver com criar seres humanos para uma cultura de paz e respeito entre as pessoas. Se fossemos todos criados em ambientes livres de imposições de gênero, seriamos uma sociedade sem machismo, homofobia e afins”. 

 

Carlienne Carpaso
[email protected] 

Mães e estilistas flertam com moda unissex e minimizam a diferença de gênero

 

Um dos grandes momentos de uma gravidez é a tão esperada revelação pelo sexo biológico da criança: “será se é menino ou menina”? E, logo que revelado pela ultrassonagrafia, o enxoval começa a ser organizado, principalmente, na clássica combinação de produtos na cor azul para meninos e na cor rosa para meninas.  

Aos 26 anos, a jornalista Romana Naruna é mãe da Malu, que tem dois anos, e da recém-nascida, Ava. Romana acredita que as crianças precisam ser livres e, se for para começar pela cor da roupa, que seja. Por isso, uma mistura de cores tomou de conta dos enxovais: rosa, azul, verde, amarela; a aquarela inteira invadiu o guarda-roupa das pequenas peças de roupa.  

“Os estereótipos de gênero que criamos quando eles ainda nem saíram do útero são, a meu ver, aprisionadores. Eu só queria (e quero) que a Malu, minha primeira filha, fosse quem ela quisesse ser. Lembro que uma vez fui com ela a uma consulta e estava toda vestida de azul escuro, não devia ter mais que 2 meses. Uma senhora viu e comentou: aah, que lindo! Tem mesmo carinha de menino. Enfim. A Ava nasceu a menos de 2 semanas, mas usamos a mesma lógica com ela”. 

Em entrevista ao Cidadeverde.com para o Especial Dia das Mães, Romana revelou que, normalmente, compra as roupas da Malu na seção de “meninos” sem qualquer constrangimento: o importante é o conforto que a peça traz, além de respeitar, desde a infância, os gostos da criança desde a primeira infância. 

“A Malu já vai desenvolvendo os seus próprios gostos em relação ao que vestir. Eu respeito porque acredito que faz parte da formação da identidade dela. Então, ao mesmo tempo em que opta por uma camiseta vista como de "menininha" também tem um pijama favorito de dinossauro, que foi comprado na seção masculina da loja. Nunca dizemos para ela que não pode fazer ou vestir algo porque é menina”, afirmou a jornalista. 

Romana defende que os adultos precisam deixar as crianças serem, simplesmente, crianças, e não mini adultos.  “Elas nascem despidas de todas essas barreiras sociais que temos, encaram o mundo com simplicidade. Nós é que complicamos. Quando falamos em rompimento, creio que muita gente fica de cabelo em pé, imaginando o apocalipse, mas é tão mais simples. A verdade é que precisamos ser reeducados para educá-las. Eu tento me reciclar todo santo dia para deixar com elas esse legado. O mundo mais livre começa dentro de casa e ainda estamos aqui no início da caminhada”.
Meninas furam orelhas, meninos não!

Durante a entrevista, outro detalhe que chamou a atenção foi o fato da Malu e Ava não terem as orelhas furadas. Afinal, meninas já saem da maternidade e, por vezes, da sala do parto – seja normal ou cesárea – com brincos na orelha. “A questão do furo nas orelhas nunca tinha me chamado a atenção até que fiquei grávida. Ganhei dois pares de brincos para por nela (Malu)”.

José, o pai das crianças, que estranhou o presente e Romana chegou a ficar chateada, pois, até então, era normal furar as orelhas já nas primeiras horas de vida. “Ele me perguntou: Mas pra quê? Qual a necessidade? E eu realmente comecei a pensar: pra quê? Os brincos eram um mero adorno, mas com um peso doloroso já, uma ‘marcação’ do que é nascer menina. Dizem que não dói, que é lindo e tal, mas a verdade e que dói sim. Dói ser definida por um enfeite sem ter assim escolhido. Então optamos por não furar a orelha de nenhuma das duas. Será escolha delas quando tiverem crescida”. 

Roupas são apenas roupas 

Para o designer, stylist e produtor de moda, Rafael López, a atitude de caracterizar a relação entre gênero e vestuário - meninos usam objetos na cor azul e meninas a cor rosa - ocorre desde a infância. E, pensando em romper com isso, muitas mães e profissionais da moda iniciaram a adoção da roupa sem gênero, ou seja, meninos e meninas com a liberdade de usar qualquer peça nas mais diferentes cores e formatos porque, em regra, são apenas roupas.  

Já a relação entre gênero e cores associado à orientação sexual, López, faz com que meninos rejeitem os objetos na cor rosa porque é do universo feminino, afinal, os adultos já induziram uma simples cor à orientação sexual de uma criança. O machismo e a homofobia vêm sendo praticado desde o berço, enfatiza o desingner. O desrespeito à diversidade sexual e a identidade de gênero também.

“O vestuário não tem sexo ou gênero”, defende Rafael, que irá investir no conceito de moda ‘agênero’ e lançará uma marca que não se prende aos modelos de masculino e feminino porque, desde criança, ele sentia vontade de usar “roupas de mulheres”, mas não se sentia à vontade porque sempre era repreendido ao ser flagrado usando as roupas da mãe. Ele somente incorporou o “guarda-roupa feminino” ao entrar na universidade quando passou a estudar Moda. 

“A minha marca trabalha o produto sem gênero, que está disponível para todas as pessoas. Antes, não falava sobre isso por não ser obrigação dizer se a roupa é para menina ou para menino, mas percebi o quanto é importante para ser mais uma voz no meio desse discurso heteronormativo”, diz, acrescentando que recebe muitos olhares curiosos de crianças ao andar pelas roupas usando barba, batom e saia. Rafael já vivenciou momentos de discriminação por parte dos adultos pelo modo de se vestir já que as pessoas encontram no produtor a mistura dos dois universos.  

Novos consumidores 

Na década de 20, a estilista Coco Chanel – com muita ousadia para a época - criou roupas para mulheres a partir das peças masculinas, como a calça pantalona e a camiseta bretão. Desde então, a moda tem se direcionado cada dia mais para um universo sem gênero. A expectativa é que a “moda agênero” seja incorporada pelos consumidores dessa nova geração, que vê o vestuário como uma liberdade de ser e vestir o que traz conforto, independente de qual seção esteja inserido em uma loja.  

Em 2016, Jaden Smith, 17 anos, filho do ator Will Smith, usou roupas consideradas do universo feminino na campanha de verão 2016 da grife Louis Vuitton. A Gucci, por exemplo, no desfile masculino do inverno 2016, vestiu homens e mulheres com o mesmo estilo de roupas.  Outras marcas também estão rompendo os estereótipos sobre as formas tradicionais de gênero, esse movimento também vem sendo chamado, por muitos, de gender-bender (além-gênero, em tradução livre). Dentre elas, Prada e Giorgio Armani. 

Para Rafael Lòpez, se desde a infância houvesse a liberdade e o conforto das crianças usarem as peças que visual e psicologicamente lhe fazem bem, as pessoas trans, por exemplo, não seriam agredidas pelas ruas. Além disso, elas não precisariam esperar até a fase adulta, por exemplo, para lutar pelo direito de usar uma peça que está de acordo com a sua identidade de gênero. 

A moda sem gênero faz com que o guarda-roupa seja bastante variado e, praticamente, a regra é unanime entre mães e estilistas: o conforto.  “Em Teresina, que é um lugar super quente, os homens deveriam ter a liberdade de usar saia porque é muito melhor para trabalhar no calor. Não é uma questão de ser trans ou não porque não existe saia pra quem. Existe saia pra todos. É apenas uma roupa”, ressalta, citando uma situação pessoal presenciada nos últimos dias. 

“Eu já estava sentado em um metro quando um casal evangélico sentou ao meu lado. O filho deles olhou pra mim: nossa um homem cabeludo, de barba, com maquiagem e roupa de mulher. Então, ele já sabia que barba era um ponto masculino, aparentemente na cabeça dela, mas maquiagem me saia era de menina. Ele consegue identificar isso. Então, da mesma forma que você ensina esse tipo de coisa para a criança, ele vai entender que saia e maquiagem não é apenas para menina. O momento certo de ensinar é na infância”, relatou Rafael. 


Carlienne Carpaso
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Simone de Beauvoir e Judith Butler: filósofas do gênero

Em 1990, Judith Butler lançou o livro que seria um dos marco do feminismo e que influenciou os estudos de gênero e a teoria queer –nome dado ao amplo campo para o qual o gênero, sexo e orientação sexual são construções sociais, e não determinações biológicas.

O livro "Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade”, Judith defende que o gênero é uma produção social e é um ato intencional construído ao longo dos anos. De fora para dentro e de dentro para fora. Segundo ela, gênero não deve ser visto como um atributo fixo de uma pessoa, mas como uma variável fluída, apresentando diferentes configurações.

Butler acredita que é preciso tratar os papéis homem-mulher ou feminino-masculino não como categorias fixas, mas constantemente mutáveis, fora do padrão voltado para a reprodução. 

A questão de gênero surgiu como importante reflexão para o feminismo. No fim dos anos 1940, a filósofa francesa Simone de Beauvoir afirmou que ninguém nasce mulher, mas torna-se mulher. Ao afirmar isso, ela contesta o pensamento determinista do final do século 19 que usava a biologia para explicar a inferiorização do sexo feminino e as desigualdades sociais entre os gêneros. Para a filósofa, o “ser mulher” é uma construção social e cultural. 

Para tornar-se homem ou mulher é preciso submeter-se a um processo que chamamos de socialização de gênero, baseado nas expectativas que a cultura de uma sociedade tem em relação a cada sexo. Assim, ao nascer, uma pessoa deve ter uma determinada conduta e seguir normas e comportamentos “aceitáveis” de acordo com seu gênero.

Num passado recente, as mulheres não podiam estudar, votar ou trabalhar fora de casa. Deveriam exercer exclusivamente o papel da maternidade. Os homens também estão presos ao seu papel de masculinidade.

Hoje ainda vivemos padrões de papeis femininos e masculinos diariamente. Se um bebê nasce menino, ganha presentes associados à cor azul. Se menina, rosa. Carrinhos para meninos, bonecas para meninas. Se o gênero constrói uma identidade do feminino e do masculino, ele pode prender homens e mulheres em papeis rígidos.

No Brasil, o cartunista Laerte Coutinho surpreendeu ao aparecer vestido de mulher e assumir uma nova identidade de gênero – ou pós-gênero, como ele diz, já que ainda não consegue se enquadrar em outras opções.

Em 2014, a Marvel anunciou que Thor, um dos seus personagens mais famosos, virá em versão mulher na próxima HQ. O personagem salvará uma mulher e herdará seus poderes. Pelo Twitter, o diretor-executivo da Marvel Digital, Ryan Penagos, esclareceu que ela realmente substituirá o atual deus do trovão. "Ela não é a Mulher-Thor, Lady Thor, ou Thorita. Ela é o THOR", escreveu ele.

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