O Caminho para conquista de Direitos, Cidadania e Respeito para população de travestis e transexuais é resultado de uma constante mobilização e organização para pautar políticas públicas inclusivas e respeitadoras de princípios constitucionais da não-discriminação, da igualdade e da promoção do bem de tod@s.
Nessa caminhada, a conquista para realização do processo transexualizador no SUS ocorreu via portaria nº 1.707 de 2008 e ampliado depois pela portaria nº 2.803 de 2013. Tal normativa garante atendimento integral, incluindo acolhimento e acesso com respeito aos serviços do SUS. A identificação do nome social pelo sistema de saúde também se consolidou a partir de 2009 pela Carta de Direitos dos Usuários do SUS.
Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou o direito de transexuais e travestis realizarem a alteração do nome no registro civil sem necessitar de cirurgia de redesignação sexual.
Se por um lado tem-se direitos arduamente conquistados, os desafios para sociedade brasileira de fato promover justiça social, equidade e valorização da população trans tem um longo percurso a percorrer. Basta ver, por exemplo, as exclusões existentes no campo educacional: dados do projeto Além do Arco-Iris, do AfroReggae, apontam que 0,02 das trans estão na Universidade enquanto 72% não possuem ensino médio, sendo que 56% não finalizaram o ensino fundamental.
E para tratar sobre a ReXistências das população trans para efetivarem sua plena cidadania, entrevistamos a Profa Drª Jaqueline Gomes de Jesus, docente do Instituto Federal do Rio de Janeiro e pós-doutora pela Escola Superior de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas. Jaqueline de Jesus foi a primeira transexual a entrar para o doutorado da UNB.
Segue abaixo Entrevista:
PERGUNTA: De acordo com pesquisa realizado pelo Defensor Público João Paulo Carvalho, que presidiu a Comissão da Diversidade Sexual da OAB/MT, 82% de travestis e transexuais são expulsas do ambiente escolar. Relatos de pessoas trans também apontam para esse processo de definir o território da escola como vetado à participação na vida escolar. Quais caminhos para que sistema educacional concretize normas constitucionais preceitos da Lei de Diretrizes de Bases da Educação Naciona(LDB) que estabelecem a Educação como direito de todos/as?
Resposta Existe um problema que é da cultura brasileira: o status da educação na nossa sociedade é vista como um direito básico para formação do cidadão e trabalhador. A História da Educação no Brasil, desde o processo colonizador, nos revela como educaçao era tratada como elemento de privilégio e não como um direito. Neste sentido, a derrubada de legislações que impediam o acesso da população brasileira à educação, ainda assim, não foi suficiente para o acesso pleno de pessoas negras ao ensino superior. Somente a partir da aplicação de ações afirmativas que tal conquista passa a mudar.
A transfobia como elemento cultural da sociedade brasileira exclui a população trans do universo educacional. Para superar essa situação, há que se fazer uma educação, formação e qualificação nova pautada nas questões de gênero envolvendo gestores/as, professores/as. Os educadores/as precisam ser educados porque fazem parte dessa cultura e reproduzem uma lógica de que pessoas trans não devem estar na escola, não são vistas como cidadãs. Então, é necessária uma educação contra transfobia para mudar tal realidade.
PERGUNTA: Poderia analisar o papel transgressor e inovador da arte e cultura produzidas por sujeitos trans no campo dos coletivos de Teatro de travestis e transexuais, na cena musical brasileira, na ocupação de espaços televisivos e da mídias digitais.
Resposta:A ocupação de pessoas trans nos campos das artes não é novidade e esta presente há muito tempo, por sinal, a existência de sujeitos trans foi confundida por muito tempo ou no campo da prostituição ou no campo das artes. Mas ai entramos num embate do que as pessoas consideram arte: muitas vezes tem haver com um lógica elitista, com percepções da cultura brasileira, com machismo e transfobia sociocultural em que algumas expressões são consideradas artes e outras não.
A transgressão no campo da arte já começa com ocupação dos corpos e a luta pelo reconhecimento, porém ainda é muito difícil porque o movimento pela representatividade trans nas artes é uma luta para ser valorizada e não ser visto como algo curioso. É uma valorização das expressões dos olhares, das falas, das perspectivas artísticas que incluam os talentos trans. É importante quebrar o estereótipo de quem é artista e sair da lógica centrada no sujeito universal: homem, branco, cis, hetero. É garantir a presença de todos os corpos, incluindo corpos trans em toda sua diversidade.
PERGUNTA: O Mundo do trabalho tem muitos significados sociais e culturais para construção de identidades e narrativas de vida pessoal e coletivas. Quais mudanças profundas precisam ser implementadas no universo do trabalho e das agências formadoras profissionalizantes para promover condições dignas de acesso aos sujeitos trans?
RESPOSTA As pessoas trans já estão no mundo do trabalho, mas a questão é qual lugar está colocado nesta sociedade para determinados sujeitos: o da população trans tem sido o da marginalização, do não acesso ao trabalho formal, ao emprego. Então existe uma hierarquia pautada não na qualificação das pessoas mas por suas identidades. Isso é algo que a gente tem combatido quando pensamos na dimensão do machismo, do racismo e da transfobia.
Quando se reflette sobre a população lgbt, por exemplo, não é suficiente pensar de forma homogênea, porque a população trans é que mais sofre com exclusão no mercado de trabalho formal e com a imposição de um único contexto de trabalho que é trabalho informal, é do favor e a não valorização do que pensa e produza a população trans.
Mudanças profundas envolvem mais uma vez: mudança de perspectiva da própria condição de como pessoas trans são percebidas. Também a questão da representatividade é fundamental, por isso a ligação com contexto das artes é importante para que pessoas trans sejam mais vistas enquanto ator@s, diretor@s, roteiristas em toda as camadas da indústria cultural mas também nas produções várias de conhecimento.
É preciso valorizar também a própria construção de conhecimento por parte de pessoas trans: valorizar as trans que estão na academia e estão produzindo, desde os estudantes até os professores. Trabalhar pela mudança das próprias seleções docentes que tem excluído pessoas trans. São fundamentais ações afirmativas no acesso de pessoas travestis e transexuais ao mercado de trabalho e isso inclui também o campo da educação visto que tem sido sistemática a exclusão de pessoas trans no universo educacional, destacando aqui a permanência e ascensão de pessoas trans dentro, por exemplo, do ensino superior.
É necessário que haja políticas públicas de formação de empregadores para valorização da diversidade que inclua pessoas trans, mas que não seja uma diversidade parcial, excludente e que não reconhece pessoas trans. Sem essa formação não tem como mudar isso: a lógica da transfobia institucionalizada presente na cultura brasileira. Nesse sentido é fundamental (in)formação e ações afirmativas para acesso e permanência de pessoas trans no mercado de trabalho FORMAL nas instituições e organizações todas.
Por Herbert Medeiros