Demetrios Galvão - 4 Poemas do Livro "O Avesso da Lâmpada"
08/06/17, 06:00
foto: Lucas Rolim
Demetrios Galvão, Teresina/PI. É poeta, professor e historiador, com mestrado em História do Brasil. Autor dos livros de poemas Fractais Semióticos (2005), Insólito (2011), Bifurcações (2014), o Avesso da Lâmpada (2017) e do objeto poético Capsular (2015). Participou do coletivo poético Academia Onírica e foi um dos editores do blog Poesia Tarja Preta (2010-2012) e da AO-Revista (2011-2012). Edita a revista Acrobata, o blog Janelas em Rotação, colabora no site LiteraturaBr e atua com o coletivo Roda de Poesia – tensão, tesão e criação.
o avesso da lâmpada
uma banda de jazz
ecoa nas tubulações siderais
de coxas macias.
meu desejo aeroplano
faz piquenique na artéria central
de um verbo imigrante.
os ancestrais lançam dados
e apostam hóstias de sangue
no tabuleiro das estrelas dançarinas.
uma luminária-nebulosa
amplia o terraço dos signos,
seus ascendentes e amantes celestes.
7 sóis e 7 luas
compõem uma antologia de luz
onde lateja a bússola do caos.
arte com espinhos
frequento entulhos
para colher palavras de calcário,
alvoradas ingênuas me enviam
mensagens na interzona.
tenho um viveiro onde cultivo
um sincretismo modulado,
coisa rara de ver florescer
em tempos como os de hoje.
pratico uma arte com espinhos,
domestico a dor que não atende pelo nome.
sei que toda orelha tem um calcanhar difícil,
um escaravelho que não dá sossego.
o infinito que criamos dentro de nós
é um segredo íntimo.
sobrevive às pequenas mortes diárias,
resiste à conquista estrangeira.
amar é também mudar as coisas de lugar
neste insondável tecido que fiamos.
somos todos irmãos
na gaiola incandescente das civilizações.
– crianças que brincam em águas sem fim,
redefinindo o atlas da morte.
rinocerontes da ternura
para os amigos, ao som de the clash
nós, rinocerontes da ternura
nós, rinocerontes prometidos para a extinção
conhecemos bem os dragões da cidade,
os seus disfarces alcalinos, suas gírias oblíquas...
no nosso hemisfério de dentro navega uma jubarte
que nos salva dos naufrágios e do ataque do serrote.
nós, rinocerontes da última hora,
sabemos que todo pecado será abençoado quando feito com amor
sabemos também que um olho sujo enxerga adiante
quando dentro da noite vadioso, o que se sente são calafrios.
não somos animais homeopáticos,
conhecemos o padroeiro das rodoviárias e o mau cheiro
[de sua hospitalidade.
nós, rinocerontes do partido-romântico-libertário,
aprendemos sobre a música dos punks,
o delírio dos junkies e a formação da classe operária.
testemunhamos partículas de vida metálica
mastigarem esquecimentos em um bairro sem nome.
descobrimos que as ruas amadurecem idades-descompassadas
[em sua estufa volátil.
quantos bairros demarcam nossa geografia
na urgência de uma lembrança qualquer?
quem são nossos aliados
nesse jogo secreto de forças invisíveis?
quem dos muitos com quem bebemos
serão solidários na derradeira hora?
– sobrevivemos com palavras diferentes
mas nos encontramos no afeto.
às vezes, encontro mortes de outras vidas
os dias sopram um vendaval afoito
batida de metais pesados
em terreno insensato
trovoada de escárnios banindo existências
sangue gratuito regando nascentes
resíduos de chumbo, mercúrio, arsênio
as árvores da cidade choram os suicídios juvenis
os rios paralisam suas agitações aquáticas
velhos assombros visitam o presente
nessa terra devastada
um gutural crossover se eleva
na direção de uma esperança qualquer
– viver é palavra que se afirma com luta.
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