Lia Testa gosta de palavras que se encontram em permanente estado encantatório e de envolvimento. busca ritos degustativos de salivas que molham a linguagem numa fala erótica e de erotização. acredita que a poesia está em todos os espaços para recodificar o corpo. tenta viver/estabelecer uma íntima relação de atravessamento com a palavra, pelo desejo/sonho de encontrar seu intenso e incessante tecido (palpável ou impalpável), para chegar a um estado poético possível. toma a sua produção como um “work in process”, impelida de desdobramentos múltiplos, de energias moventes e de imersões. Além de se dedicar à produção poética e à produção de obras-colagens (feitas à mão), é professora de Literatura Portuguesa da UFT, Mestre em Letras e Doutora em Comunicação e Semiótica. Têm trabalhos publicados em revistas acadêmicas e literárias, participa de algumas antologias poéticas e é autora dos livros “guizos da carne: pelos decibéis do corpo” (Poesia Menor, 2014) e “sanguínea até os dentes” (no prelo)
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nasceu. não queria tirar as garras da pele primeva. temia o voo anorgânico. desvencilhava-se se houvesse voos-casulos. não havia. olhos postos nas peles. thânatos a espreitar. desejo de refazer o que se desfez. afirma o pouso não pouso. pathos. desvios. errância. clara fenda de|fusão.
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ser peixe
ser a guelra
do peixe
a escama
da guelra
do peixe
ser barbatana
de peixe
a escama
que escama
a guelra
do osso
do peixe
ser a cartilagem
que dobra o peixe
ser olhos de peixe
ser olhos boca
ópera de peixe
a carnuda
cavidade
do peixe
ser espinho
espinha que
rasga o peixe
nadadeiras
que escapam
longe
ser o longo
dorso do peixe
em linha curva
ser a zona neutra
do aquário
o opérculo
semicircular
de guelras
arco de arpão
isca de anzol
ser anzol e peixe
ser a isca
na guerra
ser a guerra
do peixe na
água
o corpo-orifício
o ar da narina
o branco da
fenda branquial
o olfato
ser o nervo
tongue de peixe
de língua
fusiforme
fiando a água
o céu o mar
fluindo na
sonda aquática
onda de voz
raio rima
peixe-mulher
ser medusas
cristais de guanina
maré
em água doce
ser o sal
ser o peixe
de sal
celacantos
do peixe
ser o muco
da truta arco-íris
o truque da água
a moreia de mole
corpo anguiliforme
ser peixe
ser a guelra
do peixe
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ataque de ícaro | na escada rolante | só
ventosas na goela | goela abaixo | só
pedrada na carne | o voo do mundo | só
abaixo do equador | pena fora do ovo | só
sóis órbitas celebram | o olho do vulcão | o grão | só
o mareado espinho | o chão | o vão | de | sol | só
a espinha dorsal | o dorso do peixe | a ponta | só
concêntrica | espetada no ouvido | o ar da água | só
o radar da antena | atenta ao sopro | desafina | só
a estricnina | na língua | o soco | no estômago | só
o saco do som | na bagagem babilônica | silva | só
os fungos sabem a | coreografia do pulo | pula | só
o íntimo andar | nada se diz | já disse: | radiação | só
tudo fronteira | o longo dervixe | deve evoé | vish! | só
de vir aqui | digere | dirige | o fim | . | o começo | só
o eco | a eco | na caverna | saída | do capim santo | só
o resto todo | todo o resto | sabre ensaboado | s.o.s | só
os goles desfibrilados | o nervo | retido na retina | só
o abismo não basta | bastardo olheiro | nuances | só
alcança disfarce | nunca descansa | a mão do poeta | só