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Mulheres contam como superaram o câncer e hoje vivem melhor do que antes

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Por Hérlon Moraes - Cidadeverde.com
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A palavra vitória significa uma ação ou efeito de vencer. É qualquer sucesso ou sonho realizado. Pode ser um emprego novo, a conquista da casa própria ou a chegada de um filho. Há também aquelas vitórias onde a batalha é pela vida. Essas então, o sabor é especial. Quem já teve um parente ou amigo próximo diagnosticado com câncer, por exemplo, sabe bem o que isso significa. As famílias da dona Kika, Lucrecina e Lucia Pereira passaram por isso. Três mulheres diferentes, mas em comum uma história de superação. 

A dona Kika, como é conhecida essa vendedora de bombons do Vale do Gavião, na zona leste de Teresina, foi acometida pelo câncer de mama. Ela teve que retirar os dois seios e passar por um tratamento intenso para hoje estar aqui neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, contando tudo o que passou.

Ela, que na verdade chama-se Francisca Santos dos Anjos, mora sozinha em uma pequena casa no conjunto Sigefredo Pacheco I. Com a companhia de apenas um periquito, ela sobrevive de uma pequena venda de bombons e uma renda de R$ 70 do Bolsa Família. Descobriu que estava doente em setembro de 2010 durante uma consulta ao médico no bairro Satélite. Começava ali a sua maior batalha na vida. 

“A médica disse logo para mim de cara que eu estava com câncer. Não acreditei, entrei em pânico e fui para casa dizendo que não estava doente. Procurei o Dr Luis Airton e ele disse que realmente eu estava e me encaminhou para o São Marcos. Dia 20 de novembro eu já estava operada. Eu ia tirar só a mama esquerda, mas os médicos perguntaram se eu não queria remover a direita por causa da doença. Eu disse que não sabia, já que estava sozinha. Uma pessoa do lado me disse que se era para evitar doença, que eu aceitasse. Aí aceitei. Depois da cirurgia eu soube que já estava passando para a outra mama”, disse.

“O impacto é grande. Eu não tinha pai e nem mãe. O certo é nunca desaminar e nem se sentir derrotada, pensar em Deus. Ele é a força maior da gente”
Dona Kika, autônoma

Após o procedimento cirúrgico, que engloba ainda a reconstituição das mamas, dona Kika passou a enfrentar o tratamento com quimioterapia. Perdeu o cabelo, mas não perdeu a alegria. Para superar as dificuldades, que não se resumem a doença, contou com amigos e vizinhos. “Fiz quimioterapia e vem aquele processo todinho de enjoo, cair o cabelo. Foi muito difícil”, lembra.

Para a vendedora, o segredo é não desanimar e encarar as dificuldades, seja ela qual for. “O impacto é grande. Eu não tinha pai e nem mãe. O certo é nunca desaminar e nem se sentir derrotada, pensar em Deus. Ele é a força maior da gente.  O que é fundamental numa descoberta dessas é você ter uma boa amizade. Se você não tiver amizade e uma família estruturada, nada vai pra frente. A cabeça só pode pensar em coisa boa”, afirma.

Uma nova batalha

Superada a doença, Dona Kika luta agora para conseguir se aposentar e ter uma renda digna para se manter. A ajuda de custo do governo federal e o lucro apurado nas vendas de bombons não suprem a necessidade dessa senhora de 55 anos. Por conta do câncer, a alimentação é balanceada e os cuidados com a saúde são redobrados. “Eu moro com Deus, mas na realidade moro mesmo é só. Minha companhia é uma irmã, quando vem do interior. Eu sou de Miguel Alves. Não tenho filho, não tenho marido, mas tenho um grupo de amigos maravilhoso. Meus vizinhos são muitos bons na minha vida. Vivo de uma pequena venda de bombons. Uma vizinha minha doou os bombons e graças a Deus deu certo. A outra renda que eu tenho é 70 reais do Bolsa Família. Frequento a casa de apoio, Associação Esperança e Vida e recebo cesta básica todo final de mês. Eu vendia comida, arrumadinho, mas não me sentia bem. Doeu e inchou, aí parei logo. Desisti e botei cachorro quente, mas precisava de dinheiro e faltou, mas a vontade é grande de trabalhar. Não posso pegar peso. Só posso pegar 1 kg de peso. Tentei oito vezes me aposentar pelo INSS, mas todas foram negadas. O médico nem me olhou, só foi escrevendo no papel e mandando eu sair. No outro dia o advogado disse que o médico falou que eu estava boa e curada. Realmente eu estou boa e curada, mas é um direito do portador de câncer. Vou passar agora por uma nova perícia e só ai vou ter uma renda para me manter”, acredita.

Em uma agenda guardada no quarto, vários talões de água, luz e da prestação da casa. Tudo está atrasado. O sonho da vendedora é um dia conseguir pagar o que deve. “Se eu trabalhasse, jamais teria essas contas para pagar. Lógico que eu posso trabalhar, mas como? Eu até posso fazer uma faxina, mas não posso arriscar minha saúde. Eu já dava o maior valor a minha vida, viver pra mim é tudo, e com a descoberta do câncer melhorou 100%. Uma descoberta dessa você aprende um bocado de coisa. Eu quero viver muito ainda e com saúde e, para isso, preciso de uma renda”, fala emocionada.

Motivos para ser uma pessoa triste e infeliz não faltam, mas dona Kika aprendeu a tirar das dificuldades sempre algo positivo. “Quando eu olho para este monte de conta eu choro, mas eu procuro não me estressar. Já vieram cortar a minha energia quando eu estava daquele jeito, careca. É muito ruim. Eu gostaria muito de pagar meus débitos e ter uma vida tranquila. Eu procuro me manter firme porque o médico disse que não posso ter preocupação. Eu tenho muito medo da doença voltar”, afirma.

Eu tive a sensação de que era o fim 

O câncer não escolhe raça, credo e classe social. É uma doença silenciosa que pode acometer qualquer um. Em maio de 2006, a diretora presidente da Agência de Fomento do Estado, Lucrecina Pereira, também foi diagnosticada com a doença. Ela percebeu o nódulo durante uma viagem a São Paulo e acredita que a sua salvação foi o diagnóstico precoce. “Eu percebi o nódulo e imediatamente fui ao médico. Eu não fiquei esperando e isso foi a minha salvação, porque a chance de cura está no diagnóstico cedo. Temos que estar se vendo, conhecendo e examinando. De imediato eu fui ao médico e ele me recomendou uma biópsia. Quando eu fiz foi confirmado um carcinoma invasivo. É um câncer muito agressivo. Quinze dias depois eu fiz uma mastectomia total com a reconstituição na mesma cirurgia e depois passei todo o tratamento da quimioterapia. Foram seis meses de tratamento. Passei aquela fase de ficar carequinha, mudei todo o visual, mas fiquei bem depois. Teve todo aquele transtorno da quimioterapia, mas fiquei boa. Hoje já são 7 anos do tratamento e estou considerada curada. Em sempre falo que hoje eu vivo melhor do que antes”, conta.

“Eu digo assim: bendito câncer. Eu não quero que ninguém tenha, mas a gente tem que saber tirar proveito de tudo. Hoje eu me cuido”
Lucrecina Pereira, diretora presidente da Agência de Fomento do Estado

Apesar de muita gente não acreditar, dona Lucrecina garante que tem uma vida muito melhor do que antes de descobrir a doença. “Eu digo assim: bendito câncer. Eu não quero que ninguém tenha, mas a gente tem que saber tirar proveito de tudo. Hoje eu me cuido. Cuido da minha alimentação, faço atividade física, me preocupo em não ganhar peso, eu estou atenta ao que eu estou consumindo, eu evito estresse, então, eu tenho uma vida melhor do que antes. Teve o transtorno da doença, mas por outro lado hoje eu vivo melhor e me cuido mais”, ressalta.

Lucrecina, assim como muitas mulheres, pensava que sua vida ia acabar aos 48 anos de idade. No entanto, após o impacto do diagnóstico, passou a focar em pensamentos positivos para se recuperar. “A gente sempre pensa que não vai conseguir. Eu cheguei pro médico e perguntei se eu ia morrer aos 48 anos. Ele disse: não, você não vai morrer. Mas a primeira reação que a gente tem é essa. É o desconhecido, você não sabe onde está entrando. Você acha que aquele caminho não tem volta. Eu tive a sensação de que era o fim. Quando abri o diagnóstico faltou chão. O importante é o otimismo, a força de vontade de você querer viver. O paciente seja em qualquer doença, a cabeça ajuda muito. Se o seu estado de espirito não ajudar, isso já é 50% do tratamento. Se tiver confiante e acreditar que Deus está com você, é mais da metade das chances de cura. Procurei focar que ia ficar boa. Eu tive total apoio da minha família. Eu sou viúva, só tive uma filha. Na época era ela muito jovem ainda, mas teve que assumir muita coisa. Eu pude contar com meus pais, meus irmãos, meus amigos. Teve amigo que virou mais do que irmão. Que cuidou de mim desde o começo e ficava do meu lado. Isso para mim foi muito importante. Você deve se sentir cuidada, apoiada. É muito importante”, relembra.

Acreditem e sigam em frente

Para quem passa pelo problema agora, dona Lucrecina sabe bem o que dizer. “Eu digo para as mulheres que estão passando por este problema agora que confiem, acreditem e sigam em frente no tratamento. Sigam as recomendações do médico. Muita gente fica depressiva quando perde os cabelos, mas não se preocupe porque o cabelo nasce, até mais bonito às vezes. No dia que puder ir trabalhar, vai. Foi isso que eu fiz. Eu tomava a quimioterapia, mas na hora que eu melhorava eu ia para o meu trabalho. Eu me sentia útil, ativa. Se a gente se isolar e só ficar dentro de casa é pior. Na época eu era presidente da Ceasa. Se você não aguenta, tudo bem, mas se tiver condições é bom se sentir inserida”, orienta.

De acordo com pesquisas, 80% dos nódulos mamários são benignos e apenas uma pequena porcentagem é considerada câncer. Nessas horas, realizar o autoexame pode ser primordial para detectar qualquer anormalidade. Foi esse o método que dona Lucrecina usou e descobriu a doença. “Eu fiz o autoexame. Estava em São Paulo e percebi algo estranho. Quando cheguei aqui em Teresina fui direto procurar o médico. O autoexame é super importante. O diagnóstico cedo é salvação de muita gente. Fazer os exames de rotina, procurar o médico, mesmo que não tenha nada de estranho. Faça a mamografia e acompanhe. Esteja sempre atenta. Isso é o que salva” alerta.

Vaidade

O câncer não atinge só mamas e outros órgãos de mulheres e homens, atinge a vaidade, principalmente delas. A etapa de queda dos cabelos é um marco para quem enfrenta a doença. “Foram dois dias que eu chorei muito: o dia do diagnóstico e o dia que eu fiquei sem cabelo. Eu já tinha comprado uma peruca, já tinha lenço, mas aquela visão de não ter cabelo é terrível. Eu chorei até ficar sem lágrimas. Eu não vou mentir para ninguém, mas depois me acostumei. Comprei uma peruca que parecia muito com meu cabelo e às vezes só sabiam que eu estava careca se eu dissesse”, relembra, chamando atenção para o tabu que ainda é falar de câncer.

“As pessoas têm muito tabu em relação ao câncer. As pessoas não querem dizer que está com a doença, esconde. É melhor a pessoa falar. Você não vai conseguir esconder aquilo por muito tempo. Assuma que você está doente. Se tiver que falar, fale. Ao falar parece que você vai tirando um peso da pessoa. Minha mãe dizia para eu não falar e eu questionava perguntando que crime eu tinha cometido. Eu só estava com um problema. Não esconda, assuma e se trate. Você termina tendo mais apoio e dá tudo certo”, orienta.

Minha religião foi a minha fortaleza

O câncer também passou pela vida da assistente social Lúcia de Fátima Pereira. Ao contrário da Dona Kika e Lucrecina, em 2003 ela descobriu que estava com um problema na tireoide. Na verdade se tratava de carcinoma papilífero, como é conhecido um dos tipos de câncer da tireoide. Ele é responsável por 80% dos casos e não é considerado um tumor agressivo, porém, na rotina de quem tinha uma vida saudável, é devastador.

“Eu mesma abri o resultado, eu mesma li. Naquele dia fiquei como se eu tivesse desorganizado algo no próprio corpo. Eu fui trabalhar e aquilo era algo que minha memória ficava revivendo. Não chorei, não me angustiei. Minha religião foi a minha fortaleza. Eu consigo encarar, pensei na época”, disse a assistente social, que trabalha no Hospital Areolino de Abreu fazendo o que mais gosta: cuidar de gente.

“Fizeram uma despedida como se eu não voltasse. Deram-me uma placa, mas eu disse que ia voltar”
Lúcia de Fátima Pereira, assistente social

Muito ligada à família, a assistente social tentou esconder a doença até o dia da cirurgia para a remoção do tumor. Sabia que a notícia ia cair como uma bomba em casa. “Minha família é muito umbigo. Se um sofre, todos sofrem. Minha irmã me acompanhou na cirurgia e quando ela perguntou ao médico se estava tudo bem, ele disse que era câncer. Aí foi que ficaram sabendo da pancada. Não era assim que eu queria que soubesse”, relembra.

O tratamento é feito a base de iodo. Para Lucia, um dos piores momentos após a cirurgia. “São três dias isolada. Não pode falar com ninguém. Só ouve a voz. A dosagem é elevada”, conta.

A assistente social, mesmo achando que não iria morrer, passou por despedidas no trabalho e chegou a receber homenagens. “Fizeram uma despedida como se eu não voltasse. Deram-me uma placa, mas eu disse que ia voltar. Eu me projetava para voltar ao meu trabalho. Em nenhum momento eu achei que não voltaria”, afirma.

Como todas as pessoas que vencem o câncer, Lúcia agradece a Deus todos os dias por estar viva e contando essa difícil fase em sua vida. “Tudo é passageiro. Temos que agradecer a Deus pela oportunidade da cura. O cabelo cai e nasce. Eu estar aqui fazendo o que eu gosto vale como um prêmio. Todo dia, quando acordo, eu me sinto abençoada. Eu podia perder minha voz. Eu sempre acreditei que isso ia passar. A experiência não é agradável. É muito comum vivenciar depressão, afinal é a vaidade feminina. A gente consegue refazer a vida, mesmo que tenha alguma diferença”, finaliza.

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