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?Dormi o tempo inteiro no chão?, diz Rafael Ilha sobre prisão

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No último dia 18 de julho, o ex-polegar Rafael Ilha, de 35 anos, deixou uma das celas do CDP 1 (Centro de Detenção Provisória), de Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo. O cantor passou 17 dias preso ? foi a sexta vez em dez anos. Na cadeia, reencontrou conhecidos da época em que viveu nas ruas e até ex-pacientes das duas clínicas de reabilitação que tem no estado. Sua última viagem para trás das grades aconteceu no dia 1o de julho, quando, segundo a polícia, ele teria levado à força a estudante de direito Karina Souza Costa, de 28 anos, para a Clínica Terapêutica Ressurreição, que ele mantém em Embu-Guaçu (SP).

A vida no cárcere não é novidade para Rafael, mas o ex-vocalista do grupo Polegar não se conforma com as condições de higiene encontradas no presídio. ?Nosso sistema penitenciário é um sistema falido. O mínimo seria dar dois uniformes, chinelos, um kit de higiene, uma pasta de dente aos presos.?

De banho tomado, barba feita e roupa limpa, na quinta-feira (31) , o vaidoso Rafael recebeu QUEM para uma entrevista exclusiva. Acompanhado por seu advogado, José Vanderlei Santos, e tendo que driblar os telefonemas de sua mulher, a empresária Fabiana Bejar, que era contra qualquer contato do marido com a imprensa, ele narra como foram os dias em que ficou na prisão e revela que está com hepatite C, uma seqüela do uso de drogas injetáveis.


CHEGADA À DELEGACIA

?Eu fui levado ao 5o Distrito Policial, no bairro da Aclimação. Estava tranqüilo. Fiquei na porta da delegacia até antes da chegada dos repórteres. Na hora em que a imprensa começou a chegar, o tratamento mudou. Foi então que me algemaram e me colocaram no xadrez. Infelizmente, o trabalho que foi feito lá foi falho, um trabalho de exibicionismo. O que acabou não só me prejudicando como prejudicando outras pessoas que estavam ali, naquele momento.?


O PRIMEIRO DIA

?No dia seguinte (quarta-feira, 2), fui transferido para o CDP 1 (Centro de Detenção Provisória) de Pinheiros. Cheguei lá só com a roupa do corpo. Sem objetos de higiene pessoal, como sabonete, xampu. Nada. Me levaram direto para o RO (regime de observação) e lá fiquei seis dias, antes de ir para o convívio com os outros presos. O RO é uma cela totalmente escura, em que o preso fica durante os primeiros dez dias. Fiquei sem ver a luz do dia durante 24 horas. Às vezes, de manhã, entrava uma luzinha, daí eu via o meu cabelo na sombra. Era pesado.?


SUPERLOTAÇÃO

?Cabiam oito pessoas, depois vieram mais oito, ficaram 16 e essas 16, nos últimos dias em que eu fiquei lá, viraram 38. Foi então, com essa superlotação, que fui transferido, no sétimo dia, para o convívio com os outros presos.?


O REENCONTRO COM ?AMIGOS?

?(Risos) Cheguei lá, tinha uns 50 que eu conhecia da época em que vivi na rua e usava drogas. Encontrei também com cinco ex-pacientes meus. Eu me assustei de vê-los ali, mas eram pacientes que davam problema, mesmo, vindos de famílias problemáticas.?


O CONVÍVIO COM OS PRESOS

?Eu sempre fui muito bem tratado, tanto pela direção como pelos próprios presos. Tanto que, quando eu cheguei, eles (os presos) me arrumaram xampu, sabonete e toalha até chegarem as minhas coisas. Posso dizer que 95% das pessoas que estão lá em Pinheiros são usuários e dependentes de drogas, e 5% são marginais, mesmo.?


O BANHO

?O banho era frio. Nos primeiros dias foi só água mesmo. Nessas horas é que eu pergunto, onde estão os direitos humanos? Agora eu falo como cidadão: falar que um preso custa 1.800 reais é uma mentira. O mínimo seria você receber duas mudas de roupa, um kit de higiene. Não estou defendendo nada, eu falo como ser humano, mesmo. Saí de lá com início de pneumonia.?


O ALMOÇO

?Era um marmitex, normalmente com arroz, frango, feijão... nada de mais. A comida era entregue na cela pelo pessoal da faxina. São os responsáveis pela distribuição da comida nas celas. Comíamos três vezes ao dia. Café-da-manhã, almoço e jantar. Só saíamos da cela para falar com o advogado.?


HORA DE DORMIR

?Logo que eu cheguei ao CDP, pedi para passar em um médico e pedi a ele alguns estabilizadores de humor, alguma coisa caso eu tivesse dificuldade para dormir. A cela em que fiquei, junto dos presos comuns, tinha 26 pessoas, onde normalmente caberiam oito. Na gíria, dormíamos ?de valete?, um de cabeça para cima e outro de cabeça para baixo. Eu dormi o tempo inteiro no chão. Direto no chão. Só forrava mesmo com um ou outro cobertor, alguma coisa assim do gênero. Só.?


DEPENDÊNCIA

?Meus problemas começaram aos 12, 13 anos de idade. Com maconha e álcool. Aos 15, experimentei cocaína. Com 16, tive minha primeira internação e, daí para a frente, passei a usar cocaína injetável e crack. Em todas as situações, era aquela coisa, a dependência ao extremo de todas elas.?


FORA DE CASA

?Foi com crack que minha vida degringolou de vez. É uma droga muito pesada, de dependência muito rápida. Foi nesse momento em que passei a viver como mendigo. Eu falei para minha mãe: ?Eu não agüento mais ver você sofrendo, não agüento mais ver a minha avó sofrendo?. Minha mãe me expulsou de casa e eu concordei com ela. Fui viver na rua. Minha mãe passava lá para me ver, embaixo da ponte, e dizia: ?Filho, vamos embora, vamos para casa?. Isso eu tinha mais ou menos 26 anos, foi a fase crítica.?


SUICÍDIO

?Eu estava de saída de uma clínica de recuperação em Atibaia, interior de São Paulo, onde fiquei por dez meses. As pessoas acreditam que, pelo fato de eu ter ficado todo aquele tempo, estaria bem, mas não estava. Eu estava usando drogas todos os dias, bebendo e saindo. Nessa época, fechei contrato para a gravação de um CD e recebi 150 mil reais. O empresário não sabia disso, e fechamos o contrato. Peguei o dinheiro e desapareci. Comprei um carro, uma arma, 200 pedras de crack, me tranquei em um motel e falei: ?Daqui eu não saio vivo?, e repetia ?daqui eu não saio vivo?. Tinha vergonha da minha fraqueza.?


SONHOS

?Todos os meus desejos já foram realizados. Primeiramente, largar as drogas. O outro era me unir a uma pessoa e me casar, ter uma família, e trabalhar com alguma coisa que eu amo fazer. O trabalho que faço nas minhas clínicas é com muito amor. Me realiza em todos os aspectos.?


PILHAS, CANETAS E AFINS

?O que aconteceu é que fui parar num presídio, um manicômio judiciário, um hospício. A pilha foi um ato de desespero para sair daquele local. Não foi abstinência. A única maneira que eu encontrei para sair foi essa. Na primeira vez, engoli uma ou duas pilhas, não me lembro bem... com isso eu consegui sair da clínica, fui parar em um hospital e fugi. Depois, usei isso mais algumas vezes para sair de outras clínicas. Engoli também caneta e isqueiro. Uma vez eu encontrei um cara mais louco que eu, um médico. Ele dizia assim: ?Você pode engolir um capacete que eu vou lá, vou tirar e você vai voltar para cá?. Minha barriga já tinha sido aberta, sei lá, umas quatro ou cinco vezes, se eu engolisse mais alguma coisa ia morrer. Foi aí que me amarraram com um cinto numa cama durante dois meses, com um capacete enfiado na minha cabeça, e só levantavam a viseira para me alimentar (risos).?


SEQÜELAS

?Eu tenho hepatite C. Desde a época em que usava droga injetável. Eu usava qualquer tipo de água para usar cocaína injetável, água de torneira, de calçada, qualquer tipo de água.?


NEGÓCIO

?As pessoas me criticam dizendo que eu tenho que ter uma formação acadêmica, que tenho que ter um diploma. Se tenho uma equipe totalmente competente, totalmente especializada em dependentes químicos, por que preciso ter um diploma? Nosso presidente não tem diploma, Silvio Santos, um dos maiores empresários do país, não tem diploma. Eu ensino minha equipe a trabalhar. Com a experiência que tive. Sou uma pessoa bem informada. Parei de fazer faculdade de direito porque quis. No dia em que fui preso, eu tinha 80 pacientes. Fiquei sem nenhum em 48 horas. Fiz compras de móveis e compras de mercado, de 15 mil, 20 mil reais, só de comida. Você dá um cheque para 30 dias, e em dois dias sumiu todo mundo ? e aí??


VERDADEIROS AMIGOS

?Existe uma coisa que tem que ser esclarecida para o público. O Gugu nunca me ajudou em nada. A única vez que ele me ajudou foi quando eu fui preso pela primeira vez e ele pagou o advogado. Mas também, assim que eu saísse de lá ? poderia ser dali um ano ou 2 mil anos ?, minha obrigação era ir primeiro ao programa dele. Foi uma troca. Quando eu saí da cadeia, a minha casa estava cercada de seguranças para nenhuma emissora chegar perto de mim. Quem me ajudou, vou ser sincero, foram o Zezé Di Camargo e o Luciano. Eles tinham contatos com lojas de móveis. O Faustão também me ajudou muito. Eu não tive oportunidade de agradecê-lo, mas vou encontrar uma forma para que isso aconteça.?
 
 
 
Fonte: Revista Quem
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