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"Herança maldita" espera o próximo presidente dos EUA

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"Herança maldita" foi a expressão utilizada no Brasil durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para aludir ao legado deixado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Talvez a expressão fosse mais bem empregada para qualificar o que espera o próximo presidente dos Estados Unidos, depois de oito anos de administração Bush.
 
Abalada pelo estouro da bolha das empresas "pontocom" e por escândalos de "contabilidade criativa" da Enron, WorldCom e outras companhias até então tidas como pontos altos da evolução do mundo corporativo, a economia dos EUA entrou no novo milênio fora do compasso.
 
E o descompasso só fez aumentar quando o presidente George W. Bush decidiu que os EUA persistiriam na guerra no Iraque, iniciada em 2003, empreitada que mandou bilhões de dólares e milhares de vidas dos dois lados da contenda pelo ralo.

Bush se autoproclamou um "war president" ("presidente da guerra") em mais de uma ocasião. Até mesmo na atual crise financeira e quase econômica ele não deixou de empregar o jargão belicoso, tendo já chamado o secretário do Tesouro, Henry Paulson, de seu "wartime general" ("general em tempo de guerra").
 
Guerras vêm e vão. Crises econômicas também. Ambas têm custo pesado para as sociedades envolvidas. Mas, em tempos de globalização, o alcance das crises supera em muito o das guerras. O que ocorreu entre 2001 e 2008 em termos econômicos não deve ser esquecido tão cedo: os efeitos da crise financeira iniciada no mercado imobiliário americano em 2007 deverão continuar a ser sentidos ainda por muito tempo depois que o governo Bush tiver se tornado história.
 
HIPOTECAS
Os imóveis nos EUA são as tulipas do século 21: o mercado imobiliário americano foi atingido por uma onda especulativa como a vista na mania das tulipas ocorrida na Holanda no século 17, que ocasionou ondas de quebras e perdas de fortunas na negociação desenfreada com as exóticas plantas orientais.

As engrenagens desse mecanismo especulativo com os imóveis começaram a girar em 2003. Naquele ano, diante de uma economia que não conseguia se levantar do chão, o então presidente do Federal Reserve (Fed, o BC americano), Alan Greenspan, deu uma injeção de adrenalina no paciente: reduziu a taxa de juros para 1% ao ano, nível não visto desde o final dos anos 50.

Os juros baixos baratearam o crédito, e o dinheiro farto levou as pessoas às compras: imóveis, carros, produtos eletrônicos, cirurgias plásticas, viagens, serviços, o limite para o que fazer com tanto dinheiro barato era apenas o da imaginação dos consumidores. Os níveis de poupança no país atingiram patamares negativos, mas com o crédito tão fácil, quem queria pensar em poupar?
 
 
Fáceis como eram de se conseguir à época, as hipotecas se tornaram a alavanca para o consumo --e um novo nicho ganhou forte participação nesse mercado: o de clientes "subprime". O diário americano "The New York Times" informou, em 1999, que a gigante hipotecária Fannie Mae (hoje sob administração do governo depois de quase quebrar, como sua parceira, a Freddie Mac) facilitaria a celebração de contratos de hipoteca para pessoas com dificuldades de obter crédito.

"Fannie Mae (...) tem estado sob pressão da administração Clinton para expandir os financiamentos hipotecários entre pessoas de renda baixa e média", diz a reportagem do diário americano --que mostra que o antecessor de Bush, Bill Clinton (1993-2000), também flertou com o perigo. Os clientes que se buscava atender nessa iniciativa eram aqueles que, devido à baixa renda, histórico ruim de crédito ou baixo nível de poupança só conseguiam financiamento imobiliário a taxas de juros muito altas.

Greenspan reduziu tanto os juros devido à inanição em que se encontrava a economia naqueles primeiros momentos da era Bush. E o cenário não melhorou: nos anos do governo Clinton, o PIB (Produto Interno Bruto) americano cresceu 47,4%. No governo Bush, entre 2001 e 2007 o crescimento foi de 36,32%. Mesmo o desempenho da economia nos primeiros sete anos sob Bill Clinton foi maior --crescimento de 39,22%.

O primeiro trimestre de 2001 registrou uma contração de 0,5% no PIB; o trimestre seguinte teve expansão de 1,2%. Então vieram os ataques do 11 de Setembro, que pegaram o fim do terceiro trimestre. Mas, mesmo considerando que os atentados tenham empurrado para baixo a economia, o desempenho no período já estava comprometido --houve então uma contração de 1,4%.

A era Clinton viu apenas um indicador trimestral negativo de PIB --o de julho a setembro de 2000, quando a crise nas empresas de tecnologia já afetava o país. Durante o governo Bush, nos dois mandatos, a economia registrou quatro trimestres --não em seqüência, e em anos diferentes-- de resultado negativo, incluindo o do terceiro trimestre deste ano, que mostrou uma contração de 0,3%.

EMPREGOS
O mercado de trabalho viveu oito anos turbulentos sob o comando do presidente Bush. Em 2001, primeiro ano do primeiro mandato, só o mês de fevereiro viu abertura de novas vagas (61 mil). Nos 94 meses já decorridos de seus dois mandatos, houve fechamento de postos de trabalho em 35 deles. Neste ano, todos os meses até setembro tiveram cortes de vagas.
 
De 2004 a 2007 o mercado de trabalho não perdeu vagas --justamente no período em que o mercado imobiliário americano estava em processo de inchaço. Em comparação, durante os oito anos do governo Clinton, em apenas seis meses houve fechamento de vagas.
 
Quando Clinton assumiu o governo a taxa de desemprego no país estava em 7,3%; quando estava para deixar a Casa Branca, a taxa estava em 3,9%. Entre um ponto e outro, o indicador manteve um ritmo consistente de quedas. Já no governo Bush não há um padrão discernível. A taxa passa do patamar de 4% para o de 5%, volta, sobe para 6%, recua e volta a subir. Entre novembro do ano passado e setembro deste ano, o desemprego passou de 4,7% para os atuais 6,1%.
 
IMPOSTOS
Outra das muitas fontes de críticas contra o governo Bush é a política de cortes de impostos e desregulamentação de mercados adotada em seu governo, sob o argumento de que, com menos taxas, haveria mais dinheiro para investimentos e geração de empregos.

Em um comunicado publicado na página da Casa Branca, Bush disse: "Meu plano de cortes de impostos não tem apenas a ver com produtividade, tem a ver com pessoas. A economia é mais que apenas interesses estreitos. Um plano fiscal tem de aplicar princípios de mercado ao interesse público. E meu plano irá tornar a vida melhor para homens, mulheres e crianças".

A organização conservadora norte-americana Heritage Foundation defende a postura: "A política fiscal [do governo Bush] ajudou a economia americana a crescer, com criação de empregos e forte expansão econômica", dizia a instituição em 2006, quando "subprime", "recessão" e "crise" ainda eram palavras que não freqüentavam tanto o noticiário econômico.

Em janeiro do ano passado, no entanto, o Escritório Orçamentário do Congresso realizou um estudo mostrando que as famílias que ganhavam mais de US$ 1 milhão por ano foram as que mais se beneficiaram com a queda nos impostos federais. Ao mesmo tempo, para os contribuintes de renda média, os impostos subiram em 2004 (segundo os dados disponíveis até então).

O "New York Times" destacou à época que os ricos, mesmo com cortes de impostos maiores que os de outras faixas de renda, pagaram mais impostos --mas isso porque "seus ganhos cresceram muito mais rapidamente, e a distância entre ricos e pobres aumentou nos últimos anos".

 

Fonte: Folha Online

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