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Pedidos de aposentadoria crescem no Piauí e déficit pode alcançar R$ 1,5 bilhão

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Foto:RobertaAline/CidadeVerde.com

Para muitas pessoas, o termo Reforma da Previdência passou a ser sinônimo de medo e incertezas. Existe uma expectativa no país com relação à proposta que deve ser encaminhada pelo governo do presidente, Jair Bolsonaro (PSL), para votação no Congresso Nacional.

No Piauí não é diferente. Ao tomar posse para o quarto mandato, o governador Wellington Dias (PT) falou sobre o assunto logo no primeiro discurso e anunciou medidas para tentar resolver o problema do déficit previdenciário no Estado. Segundo dados da Fundação Piauí Previdência, o ano de 2018 terminou com um déficit de quase R$ 1 bilhão. A projeção feita pela equipe econômica do Estado é que, em 2019, o déficit possa chegar a R$ 1,5 bilhão. Segundo o governo, “corrida” pela previdência, diante das incertezas do cenário local e nacional, podem contribuir ainda mais para o aumento do déficit. 

Enquanto o Governo Federal não apresenta ao país, de fato, qual a proposta de reforma, é possível dizer que o Piauí, desde 2017, já realiza uma espécie de minirreforma. Neste período, a Assembleia Legislativa já aprovou medidas polêmicas e controversas como a autorização para que o Estado ingressasse no fundo PrevNordeste, que é uma previdência complementar. Foi aprovada, também, o aumento da alíquota de contribuição do servidor para 14% e a alteração nas regras do pagamento de pensões.

De acordo com o superintendente de Previdência do Piauí, Marcos Steiner, essas medidas devem contribuir para a redução do déficit em curto e longo prazo. Ele afirma que apesar da polêmica e das críticas entre os servidores estaduais e especialistas da área, o ingresso no  PrevNordeste e as demais medidas adotas são vitais para que o sistema previdenciário do Piauí não entre em colapso total.

“Aquilo que era permitido pela Constituição e nas Leis Ordinárias Federais, que tratam sobre matéria previdenciária, foi feito no Piauí. Agora vamos aguardar o que o Governo Federal vai apresentar como reforma. Dentro deste limite legal trabalhamos para saber como vamos resolver esse problema do déficit. É importante colocar que toda reforma é feita para resolver um problema futuro. A meta é tentar diminuir o problema em médio prazo e contornar, de fato, a longo prazo. Neste momento, o principal problema que existe é o déficit. As pessoas continuam se aposentando e precisamos ter o meio para arcar com esse custo previdenciário. O meio é trazer novas receitas. O que o estado arrecada já está todo empenhado com saúde, com educação, inclusive, o déficit retira dinheiro desses setores”, argumenta.

Para Marcos, a previdência complementar é uma solução que trará resultados no período de 15 a 20 anos.


Governo comemora aprovação do PrevNordeste-Piauí Foto: Ccom-PI

O que é o fundo PrevNordeste?

O Diário Oficial do Estado, publicou a lei nº 7.128, de 12 de junho de 2018, alterando a lei 6.764/16, e instituindo o Regime de Previdência Complementar, o PrevNordeste-Piauí. Com isso, a previdência complementar passa a ser obrigatória a todos os servidores que entrarem no Estado, via concurso público. Porém ainda é necessária a autorização para funcionamento a ser concedida pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). Este é órgão encarregado de fiscalizar as atividades das entidades fechadas de previdência complementar e de execução das políticas para o regime de previdência complementar.

Com relação aos servidores estaduais que ingressaram no serviço público antes da autorização da Previc, poderão aderir ou não ao Regime de Previdência Complementar.

O Estado diz que o objetivo da criação da previdência complementar é ajudar os regimes próprios de previdência a conter o déficit financeiro e atuarial. Com o PrevNordeste, o Estado pagará a aposentadoria dos servidores até o teto do INSS, que fechou o ano de 2018 com o valor de R$ 5. 645.80. Os servidores que recebem salários acima do teto terão que contribuir com o fundo.

Para Marcos Steiner, a previdência complementar é a solução mais viável diante da crise que  o país e os Estados vivem. “O PrevNordeste é uma previdência complementar do Piauí. O regime próprio é a Piauí Previdência que ainda continua existindo, vamos manter a aposentadoria e pensão até o teto do INSS que é R$ 5.645.80. O Estado do Piauí paga até esse limite. Você vai pegar a média de contribuição do servidor, a partir da data que entrar em vigor a previdência complementar. É importante lembrar que a complementar tem como alvo os servidores futuros que vão ingressar após a implementação. A regra nova é que o Estado paga até o teto do INSS”, afirma.

A previdência complementar passa a ser obrigatória para os novos servidores, mas é optativa para os funcionários públicos que ingressaram antes da aprovação. “Se o servidor ganhar mais que o teto  pode aderir à Previdência Complementar  que é a PrevNordeste. É igual à do mercado. Qual é a vantagem? No mercado você contribui só para você. Na previdência complementar temos a contribuição do servidor e a contribuição do Estado. Ele tem um patrocinador. Se contribuir com R$ 100 o estado contribui com mais R$ 100. O servidor que já entrou antes da aprovação pode optar de ficar só com o teto e fazer o que quiser com o restante do dinheiro dele. Se o servidor ganha R$ 10 mil ele vai contribuir até o limite de R$ 5. 645.80, que é o teto, o que excede ele pode ir para previdência complementar ou previdência privada, ou ele faz qualquer outro tipo de investimento”, explica.


Advogada Raimunda Abreu fala do temor com relação a previdência complementar Foto:ArquivoPessoal

Dúvidas e incertezas

Apesar da defesa do Estado sobre a importância da previdência complementar como uma forma de evitar um colapso, o tema é cercado de dúvidas e incertezas. A aprovação ocorreu diante de protesto dos servidores estaduais que temem serem prejudicados no futuro. Uma das principais críticas diz respeito à constituição e a gestão do PrevNordeste.

O governo não criou uma previdência complementar estadual, mas aderiu a um modelo já existente que conta a participação de outros estados do Nordeste como Sergipe e a Bahia. A principal dúvida é como será a gestão do dinheiro do servidor.

De acordo com a advogada previdenciária, Raimunda Abreu, há um temor com relação ao fato da gestão ser realizada em conjunto por vários estados.

“Se for bem gerido é  claro que será positivo visto que é uma ótima opção para a previdência complementar. Só que no Piauí, em vez de criar uma previdência complementar estadual, o governo resolveu se filiar à previdência da Bahia. Inicialmente era  PrevBahia e agora passa a ser PrevNordeste porque congrega alguns estados além da Bahia e do Piauí. O objetivo é limitar o valor da aposentadoria do servidor ao teto da aposentadoria do regime geral. O grande problema é a desconfiança. Os servidores têm muito receito de como vai ser a gestão. Se o próprio gestor federal  da Funpresp tem medo que no futuro a gestão possa sofrer fraudes. Se ocorre nos fundos de previdência, imagina nos estados do Nordeste onde sabemos que a gestão  é complicada e o compromisso com o equilíbrio financeiro e atuarial é precário. Então a questão é que os servidores têm medo ainda mais sendo uma gestão feita com vários estados juntos. A governança fica um pouco prejudicada”, avalia.

Outro temor diz respeito ao risco de no futuro, após anos de contribuição com a previdência complementar, o servidor seja surpreendido por uma rentabilidade menor que a esperada. A advogada Raimunda Abreu lembra que o PrevNordeste é um plano de investimento e como tal apresenta riscos.

“Isso é um plano de investimentos, é capitalização, ou seja, você pode correr o risco de ter uma rentabilidade mais baixa do que a esperada. A previdência complementar na verdade vai investir em mercado financeiro, o valor das contribuições dos servidores. O estado vai ser patrocinador dos servidores em 1/1. Se o servidor colocar 7% de alíquota, o estado coloca 7% de alíquota. Ele dobra a contribuição do servidor até o limite de 8,5%, que é a alíquota máxima que o Estado pode patrocinar o servidor público”, afirma.

A advogada explica que apenas no futuro é possível saber a rentabilidade adquirida pelo servidor. “Existem muitas questões que precisam ser esclarecidas. A tendência, se for bem gerida, é ajudar sim o Estado, mas o servidor tem limitado o valor da aposentadoria ao teto do regime geral da previdência. E o restante depende de quanto ele vai capitalizar. Depende da capitalização do que foi investido em mercado financeiro, então é como se somasse as duas aposentadorias, a limitada ao teto do regime geral e a que ele contribui e ultrapassa o teto. Essa contribuição que ultrapassa o teto vai ser investida em mercado e no final se soma as duas, mas quando ele for se aposentar, no final da vida contributiva dele, soma as duas e é possível saber o que foi adquirido de rentabilidade”, comenta.

Única solução ?

O tema divide as opiniões dos especialistas. O advogado especializado em finanças, Antônio Cláudio Silva, afirma que o atual modelo previdenciário do país está falido. Segundo ele, estados como o Piauí precisam adotar medidas enérgicas para enfrentar o problema como a criação de um fundo. 

“A Previdência possui um modelo que precisa ser revisto. A criação pelas prefeituras e alguns estados dos institutos de Previdência, onde o recurso é passado para o instituto, e este instituto administra e aplica esse recurso, que se usa para pagar a previdência, isso sai dos orçamentos dos estados e facilita muito. Os Estados que estão bem financeiramente tem institutos de Previdência onde retiraram os aposentados da sua folha de pagamento e jogava no instituto de Previdência. Temos instrumentos hoje em termos técnicos que podemos trabalhar isso. Vai depender da capacidade e vontade dos governos de  reduzir o impacto da previdência nos seus orçamentos”, afirma.

Mudanças nas pensões

Além da criação da previdência complementar, o Governo do Piauí anuncia medidas  no chamado curto prazo para resolver o problema do déficit. As regras para o acesso as pensões forma modificadas.

“Aumentamos a alíquota de contribuição para 14%. É uma medida que não é tão boa, mas tivemos que fazer. Fomos obrigados diante da situação. Fizemos também uma alteração nas pensões. Fica estabelecido dois tipos de pensão. Primeiro é precisa provar o casamento ou união estável, e segundo, tem que se comprovar pelo menos 18 meses de contribuição. Essa é a primeira condição para receber a pensão. É preciso ter 18 meses de contribuição. O cônjugue sobrevivente precisa de dois anos de casamento ou união estável. Além disso, essa pensão é dividida em dois tipos de pensão que é a  temporária e uma vitalícia. A temporária varia de 18 anos até 43 anos e recebe de três a 15 anos. Completou a idade limite, há o corte da pensão. E a vitalícia que é acima dos 44 anos. Foi uma das reformas que fizemos também”, afirma Marcos Steiner.

O governo defende a necessidade de mudança nas regras de concessões das pensões para reduzir o gastos atual com as despesas previdenciárias.

“A mudança nas pensões já tem um impacto atual. Tivemos um caso bem emblemático no Piauí. Houve um caso de um servidor da Secretaria de Segurança que passou no concurso, foi aprovado, tomou posse e entrou em exercício. Infelizmente ele sofreu um acidente quando limpava a própria arma e veio a óbito. Ele possuía um relacionamento de união estável com uma mulher. A esposa muito nova, com 27 anos, vai receber a pensão. Até quando? Até 70ou 80 anos? São custos. A reforma da pensão já traz o benefício atual. Nesse caso, que ele não tinha 18 meses de contribuição, a viúva receberia a pensão por quatro meses. Já é um fato que traz economia para o estado. Pensões de pessoas muito recentes no serviço público”, declara.


Paulo Guedes defende proposta de capitalização da previdência Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Capitalização

No contexto nacional, a discussão sobre a reforma da previdência envolve agora a polêmica com a possibilidade do governo de Jair Bolsonaro adotar o sistema de capitalização. Essa possibilidade começa a ser levantada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A expectativa é que a proposta de reforma possa ser encaminhada ao Congresso Nacional no dia 9 de fevereiro.

A ideia é que a capitalização substitua gradualmente o atual sistema de repartição. Atualmente quem trabalha paga o benefício dos inativos. Para o Governo Federal esse modelo não se sustentaria mais devido o aumento do número dos inativos com relação ao dos trabalhadores ativos.  Mas o que é este modelo de capitalização? E quais são os riscos para o futuro do trabalhador? Assim como os outros temas envolvendo a previdência, a capitalização também divide a opinião dos especialistas.

De acordo com a advogada previdenciária, Raimunda Abreu, esse regime funcionaria como uma reserva que o próprio trabalhador terá que fazer visando se aposentar no futuro. 

“O regime que está sendo ventilado é o regime de capitalização. Basicamente é uma reserva que o próprio trabalhador faz para assegurar a sua aposentadoria no futuro.  Esse regime de capitalização tem dois tipos: que é a capitalização coletiva e a capitalização individual. A capitalização falada pelo ministro  Paulo Guedes é a capitalização individual, que consiste em que cada pessoa tenha uma conta separada em que se deposita valores do próprio desconto do INSS. Funciona mais ou menos como o FGTS de agora em que se tem um contribuição e uma conta. Um dia quando achar que tem dinheiro suficiente e decidir que não quer mais trabalhar, o trabalhador começa a retirar o dinheiro. Para retirar o dinheiro da conta foi plantadas diferentes formas em cada pais, que esse regime já existe. Entre as várias formas, existe a que você pode “comprar” no próprio sistema uma renda vitalícia em que pode receber uma quantia mensal, que acredito que será essa que o Paulo Guedes irá propor. Ou pode recebe tudo de uma única vez. Normalmente no ultimo caso é de pessoas com planejamento futuro de longo prazo. Essa geração terá que acumular na capitalização a própria aposentaria”, explica. 

A mudança de sistema deve trazer altos custos. “Alguns especialista avaliam que essa mudança do sistema, o custo da transição,  pode custar até dois Produto Interno Bruto (PIB) brasileiros. Isso equivaleria a R$ 4,1 trilhões de dólares ao bolso do contribuinte. Isso irá causar mais impostos, além de ser uma mudança arriscada porque depende de outras variáveis da economia. Essa geração terá que acumular na capitalização a própria aposentadoria. E através do governo continuará pagando para os aposentados como um todo. Muitos especialistas chamam de geração sanduíche porque acumula as duas funções. Será uma dupla carga. Esse é um dos problemas. A transição levaria de 20 a 30 anos”, afirma.  

O especialista em finanças, Antônio Cláudio Silva, defende a proposta apresentada por Paulo Guedes.  “O modelo previdenciário brasileiro está falido. Não temos mais como continuar com esse modelo. A ideia do Paulo Guedes de criar uma Previdência baseada em regime de capitalização é excepcional. Esse modelo é hoje utilizado pelas entidades fechadas e abertas de previdência. Ou seja, cada um vai aposentar com aquilo que acumulou durante seu período laboral, o período que trabalhou a vida inteira”

Do outro lado, Marcos Steiner afirma que o modelo proposto por Paulo Guedes deve ser prejudicial ao país, principalmente, para o trabalhador. Segundo ele, o modelo de capitalização deve representar o fim da previdência pública. 

“Seria interessante o próprio ministro da Economia entender o sistema previdenciário. Esse sistema tem um viés social e solidário. É um viés de manter o mínimo possível de dignidade das pessoas. Ao se passar para o sistema capitalizado, esse viés social é perdido. Quem ganha mais e quer ter uma aposentadoria melhor pode ir para o mercado, pode fazer outros investimentos. Mas tem que se ter a base social. Se essa base se perder, se deixa de existir a previdência no país. O discurso não é que terá uma previdência capitalizada, mas que deixará de existir uma previdência pública. O discurso é esse. A capitalização é o fim da previdência pública. Parece que o ministro deseja jogar todos no mercado ao invés de se ter o amparo do mercado. A constitucionalidade dessa medida deve ser discutida”, afirma. 

Lídia Brito
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