Rio de Janeiro ainda tem longa lista de obrigações até Olimpíada 2016

No momento em que os holofotes se voltam de Londres para a próxima sede olímpica, o Rio se esforça para mostrar que as obras estão no prazo. Mas a longa lista de obrigações que a cidade tem até 2016 faz quatro anos parecerem curtos.O prefeito Eduardo Paes vem destacando que todos os projetos com prazos maiores de três anos já foram iniciados, e lista projetos que já foram entregues - como o Sambódromo, cuja reforma foi concluída para o carnaval, e o Parque dos Atletas, que ficou pronto para abrigar o último Rock in Rio.Fotos: Divulgação "As pessoas vão ver uma cidade que está fazendo o que é preciso fazer para os jogos, está com os projetos em dia e na qual os jogos significarão um grande legado e ajudarão a integrar a cidade", diz Paes à BBC.A quantidade de canteiros de obra na cidade refletem avanços em diversas áreas: no Maracanã, na região portuária, na estação de metrô que chegará até a Barra e nos BRTs, corredores de ônibus que estão sendo construídos para ampliar o transporte público na cidade.Porém algumas obras contam com prazos apertados, como a do metrô, previsto para ficar pronto no primeiro semestre de 2016.O principal projeto olímpico ainda esbarra em contratempos com os quais os prazos de conclusão não contam, e que expõem a fragilidade do planejamento.EntravesO Parque Olímpico concentrará as principais instalações para os Jogos e será construído no terreno que pertencia ao Autódromo de Jacarepaguá. A obra, que levará cerca de três anos e meio, foi inciada em julho.O projeto começa a ser tocado, entretanto, sem que haja uma resposta para duas grandes questões. A demolição do antigo autódromo é condicionada à construção de uma nova pista de corrida em Deodoro. Mas o terreno destinado para isso vinha sendo usado como um campo de instrução militar pelo Exército por décadas, como revelou-se em junho. O Ministério Público estadual está estudando a liberação da área para a construção, levando em consideração questões ambientais e de segurança na área.O Comando Militar do Leste (CML) afirmou que o uso civil da área exigirá a descontaminação prévia do terreno, onde soldados aprendiam a manusear minas e granadas de mão e de bocal.O Parque Olímpico esbarra também em uma questão social: o projeto tal como foi concebido exige a remoção da Vila Autódromo, favela com cerca de 500 famílias no terreno que está resistindo à remoção e encontrou o apoio de movimentos sociais e acadêmicos.Lá, os moradores contrariam o discurso de Eduardo Paes sobre os benefícios que as Olimpíadas vão trazer para as populações pobres do Rio. Eles dizem que os Jogos ameaçam trazer uma "grande injustiça"."Nós temos todo o direito sobre esta terra, estamos aqui há mais de 40 anos e temos os papéis para provar", diz Altair Guimarães, representante da associação de moradores local.RemoçõesGuimarães entrega jornais diariamente até as 3h e volta de madrugada para a casa onde vive há 17 anos. Ele diz que não quer ser reassentado. Em seu quintal, cria galinhas e planta abacaxi, algo que seria impossível no conjunto habitacional que está sendo proposto."As Olimpíadas não precisam significar a remoção de ninguém. É isso que o prefeito deveria fazer, para mostrar aos governos lá fora que o Brasil pode fazer as coisas de forma diferente. Eles não precisam fazer isso com a nossa comunidade."No fim desta semana, os moradores da Vila Autódromo vão entregar uma proposta ao prefeito Eduardo Paes apresentando argumentos para a permanência e urbanização da comunidade, desenvolvida com apoio de universidades."O plano evidencia que não há necessidade de remover", diz Carlos Vainer, professor titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ (IPPUR/UFRJ), que ajudou a elaborar o projeto."Há alternativas viáveis de urbanização daquela área. A remoção sai muito mais cara e só poderia ser explicada pela vontade de fazer uma limpeza social da área", afirma.Vainer é um dos apoiadores do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas, criado por movimentos sociais e grupos da sociedade civil para monitorar o andamento dos projetos relacionados aos megaeventos. Ele critica a falta de um "debate democrático" e diz que o projeto olímpico está sendo desenvolvido sem a participação da sociedade.Mas o prefeito Eduardo Paes afirma que tudo está sendo feito com transparência, conversas com a população e prestação de contas.Orçamento e exemplo do MaracanãA realização dos Jogos Olímpicos no Rio foi anunciada em outubro de 2009. A cidade ganhou a candidatura com base em um projeto com orçamento inicial estimado em R$ 28,2 bilhões.De lá para cá, os projetos passaram por modificações e foram aprimorados à medida que foram saindo do papel. Alguns ficaram também mais caros, mas a prefeitura vem postergando a divulgação de um orçamento global, que estabeleceria um parâmetro a partir do qual avaliar a evolução dos custos."Nós temos a maioria dos valores mas ainda há projetos que estão sendo desenvolvidos. Não queremos falar para a população que o Parque Olímpico vai custar determinado valor. Ainda precisaremos de algumas instalações temporárias e isso pode custar mais dinheiro", diz Paes.Muitos moradores do Rio temem que os preços dos projetos acabem disparando ou representem um desperdício de recursos públicos, como aconteceu com o Maracanã. O estádio havia sido reformado para os Jogos Panamericanos em 2007 e agora está sendo praticamente reconstruído para se adequar às exigências da Fifa. O orçamento inicial mais do que triplicou, chegando hoje a R$ 900 milhões.O Velódromo, construído também para os Panamericanos, é um caso igualmente polêmico. A construção não atende aos requisitos do Comitê Olímpico Internacional e o projeto para os Jogos 2016 previam a sua reconstrução. Após grita à demolição entre a opinião pública, o prefeito Eduardo Paes prometeu encontrar uma solução para usar a edificação existente e disse que a demolição é "inaceitável".Paes chega ao Rio nesta segunda-feira com a bandeira olímpica, depois de recebê-la na cerimônia de encerramento dos Jogos de Londres. O símbolo olímpico encontra uma cidade que enfrenta grandes de infraestrutura, sobretudo no setor de transportes, mas também de saneamento básico e no quesito habitação.A cidade teve uma amostra recente da insuficiência de sua rede hoteleira, durante a Rio+20, a Conferência da ONU para o Desenvolvimento Sustentável, em junho. Os hotéis ficaram superlotados e os preços dispararam.De acordo com a Secretaria municipal de Urbanismo, o Rio deve ganhar mais 106 hotéis até 2016, a maioria concentrada na Barra, próximos às principais instalações olímpicas.ReflexãoPara Carlos Vainer, a chegada da bandeira olímpica deve suscitar reflexão, mais do que celebração."Essa data significa que temos quatro anos para mudar radicalmente um projeto que é elitista e segregador, e implantar um projeto mais democrático", afirma Vainer.Ele critica o principal projeto de mobilidade urbana para as Olimpíadas, os BRTs, corredores de ônibus que convergem para a zona oeste.Para Vainer, o sistema não soluciona a carência de transportes para áreas de maior densidade demográfica da cidade e favorece a expansão territorial da cidade para a zona oeste, o que a seu ver alimenta a especulação imobiliária na região e vai contra a noção moderna de crescimento urbano inteligente, que prioriza a restrição da expansão da malha urbana e a densificação dos espaços urbanos.Fonte: Estadão