País caminha para a consolidação democrática, avalia cientista político

Por Hérlon Moraes - Cidadeverde.com herlonmoraes@cidadeverde.com 

As manifestações ocorridas em várias cidades brasileiras no último domingo, 15 de março, dividiram opiniões de norte a sul do país. Uns acham que o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) e a intervenção militar seriam a solução para os problemas vividos pela nação, como a corrupção, por exemplo. Já outros preferem apostar na reforma política como a “salvação” do Brasil. Para o cientista político Ricardo Arraes, as manifestações são um indicador importante de que o país caminha para sua consolidação democrática.

Foto: Wilson Filho/Cidade Verde

“As manifestações ocorreram numa data deveras importante para o processo democrático brasileiro. Ocorreram no dia em que há 30 anos, o país empossava o primeiro presidente civil após 21 anos de regime militar. O presidente eleito foi Tancredo Neves ainda pela via indireta não pode assumir em virtude de problemas de saúde que tiraram a sua vida. Assumiu José Sarney naquele ano de 1985. Então passaram-se 30 anos e o eleitorado brasileiro retornou à Praça dos Três Poderes em Brasília assim como em todo o Brasil. Independentemente das motivações que cada um dos milhões que foram às ruas, o fato de estar nas ruas, nas praças públicas de todo o país já são um indicador importante de que o país caminha para sua consolidação democrática. Nesse sentido, as manifestações são importantes enquanto ferramenta de crítica e enquanto exercício democrático, elementos essenciais ao Estado de direito”, afirma o professor de História da Universidade Federal do Piauí (UFPI).

Ao contrário de 2013 onde os movimentos, segundo Ricardo Arraes, possuíam reivindicações difusas, este ano a população não abordou simplesmente questões pontuais. “Em que pese o profundo sentimento de exaltação contrária à elite política nacional, o sentido difuso das reivindicações, ou seja, havia muitas bandeiras de luta, muitas palavras de ordem, e a ausência de partidos e políticos, elementos que igualam os dois movimentos de massa, o movimento de domingo passado ganhou destaque pelo tom de crítica ácida ao governo central e a cobrança de mais ação dos órgãos de controle e fiscalização dos poderes – o MP, a PF e o STF. Não se abordava mais simplesmente questões pontuais, mas atacava-se no espaço macro. Questões nacionais e não paroquiais. Dessa forma, a crítica atingia não apenas o governo da presidente Dilma, mas todo o espectro político nacional. O recado era para todos os poderes constituídos, atingia a todos os atores que, de uma forma ou de outra, detém o poder”, analisa.

"Os direitos civis e políticos estão garantidos e exercidos em sua plenitude e, por isso, não faz sentido intervenção militar"

Sobre impechment e intervenção militar, bandeiras levantadas no último domingo, Arraes afirma que o país passa por um momento de normalidade em sua vida política, portanto, sem sustentação jurídica.

“Estes dois pontos não tem sustentação jurídica para suas concretizações num momento de plena “normalidade” da vida política. Ou seja, os direitos civis e políticos estão garantidos e exercidos em sua plenitude e por isso não faz sentido intervenção militar. Até porque não há qualquer tipo de animosidade bélica do país com qualquer vizinho. Com relação ao impeachment, nenhuma das investigações já realizadas até o momento e nem as delações premiadas ligam diretamente a pessoa da presidente às práticas dos corruptos ou corruptores. É claro, que ela esteve junto a eles em algum momento deste processo uma vez que ela fazia parte do conselho da Petrobrás, e várias pessoas próximas a ela estejam envolvidas nos esquemas de corrupção, ela ainda está blindada, o nome dela não foi atingido pelas denúncias e, portanto, não recai sobre ela a mácula que poderia, do ponto de vista jurídico, suscitar tal investida de impedimento. Isso já ocorreu no passado com o ex-presidente Collor de Melo.

Apesar da grande quantidade de gente na rua, Ricardo Arraes acredita que um dos problemas destes movimentos de massa é que eles não se mantêm por muito tempo, são intermitentes. Para ele, a falta de foco determinado, a ausência de líderes políticos e de figuras de relevo que pudessem conduzir e dar mais visibilidade e encampar as reivindicações em qualquer movimento de massas, tende a levar à dissolução de sua continuidade e a seu enfraquecimento. 

“Essa visão teórica e elitista de poder que exige líderes a guiar as massas infelizmente tende a se tornar concreta, especialmente se tomarmos como exemplos os movimentos de rua ocorridos no Brasil nos últimos 30 anos. Do movimento Diretas-Já, Fora Collor, ao movimento de 2013, vimos que apenas no segundo caso, os movimentos atingiram seus objetivos. Entretanto, os resultados do ponto de vista eleitoral, não se concretizaram em formação de massa crítica que pudesse modificar sensivelmente o quadro das elites no país. Os resultados neste sentido do movimento de 2013 podem ser considerados pífios. Até porque suas lideranças praticamente o abandonaram após conseguirem o que mais urgente e caro lhes era atingia: a redução do preço das passagens. É claro, as reivindicações contra PEC número 37 que cerceava atribuições e prerrogativas do MP foi vitoriosa uma vez que foi rejeitada. Com base no movimento histórico de “despertar sazonal” do eleitorado brasileiro que costuma passar muito tempo “adormecido”, então cabe então esperar os desdobramentos dos acontecimentos. Nada garante que eles ocorreram na mesma intensidade e com a mesma pauta. Entretanto, o povo nas ruas e praças são indicadores do amadurecimento democrático no país, garantido na forma da lei e exercido com liberdade e de maneira pacífica", afirmou.

"Com relação às promessas de pacotes contra a corrupção, penso que seja necessário algo mais do que a tinta sobre o papel"

Passada a euforia das ruas, Ricardo Arraes avaliou que a resposta do governo não poderia ser de outra forma: defensiva. Para ele, o governo encontra-se demasiadamente fragilizado em sua base de sustentação e corroído por dentro em face das denúncias diárias que atingem seus apoiadores de todos os quilates. 

“Dessa forma, não teria como partir para o ataque porque é escassa a munição assim como seu exército de escudeiros com condições e envergadura para imprimir um contra-ataque de grandes proporções. Por outro lado, o governo enfim resolveu reconhecer erros e que “o desenho do modelo econômico, tributário e fiscal esgotou”. Enfim, não é que esgotou, mas que era equivocado. O Brasil “passeava”, mas estava na contramão da história. O país praticava taxas de juros, concedia subsídios, controlava preços, etc., quando ninguém mais fazia isso no resto do mundo. A despeito de manter empregos e turbinar consumo o Brasil o arquétipo da “marolinha” não se sustentava. O mundo surreal não poderia se manter com a reversão lenta e paulatina dos outros mercados eu tem-se recuperado. O paradoxo exemplar é o do preço da gasolina que subiu aqui, quando o petróleo despencou nos mercados produtores. Como tudo ainda poderia piorar, ao cenário dos horrores juntaram-se os escândalos da Petrobrás e a crise hídrica no sudeste. Mais paradoxos: aumento das tarifas de água e energia quando todos consumem menos. E nem era por uma nova concepção racional de uso, mas pela própria falta do produto e dos serviços”, disse o professor.

Para Arraes, a abertura ao diálogo não é novidade. Sobre o pacote anticorrupção que a presidente lançou nesta quarta-feira (18) é necessário algo mais do que a tinta sobre o papel. “Isto já fazia parte do discurso de posse e com relação às promessas de pacotes contra a corrupção, penso que seja necessário algo mais do que a tinta sobre o papel: urge duas coisas que embora não seja a mesma coisa, são vistas comumente como significados, ética e moral exatamente nos três atores diretamente questionados nas manifestações de sexta-feira, 13, e de domingo, 15, a saber, o Executivo, o Judiciário e o Legislativo. Mudanças desse quilate infelizmente não se contornam por decretos e pacotes”, avalia.

De acordo com Ricardo Arraes, são necessárias mudanças muito mais profundas e de longo prazo que tem a ver com o comportamento moral de elites dirigentes. “Ora, se isso é regulado pelo “costume”, e tanto a moral como ethos, o “costume”, são coisas humanas e que não se mudam de um dia para o outro, me vejo atingido em cheio por um realismo matizado por pessimismo. Ainda veremos esse “filme triste” por algum tempo”, finaliza.