Quem tem TDAH possui direito à consulta na hora da prova? entenda

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O TDAH — Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade — afeta o funcionamento, principalmente, do córtex pré-frontal, área do cérebro responsável pelo controle de impulso. Entre outras coisas, é caracterizado por dificuldades de concentração, o que tem feito algumas pessoas questionarem na internet se quem tem o transtorno poderia ter alguns direitos específicos, como poder fazer prova com consulta na faculdade ou ter mais tempo para fazer exames como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), por exemplo. Existe alguma legislação brasileira que garante esse benefício?

A resposta é não. De acordo com a presidente da Comissão de Direito das Pessoas com Deficiência da OAB-SP, Camila Varella, apesar de não haver nenhuma legislação específica que garanta esse direito para quem tenha o transtorno, é possível entrar com processo na Vara Civil de Justiça. Mas a especialista avalia que é "irresponsável" dizer que todo mundo que diga que tenha TDAH possa ter o direito assegurado, já que não é simplesmente "chegar e dizer que tem TDAH" para conseguir.

"Na lei, ainda não temos um critério estabelecido para definir qual adaptação na hora da prova a pessoa vai precisar. O que vem acontecendo é que pontualmente, pessoas com TDAH, autismo, por exemplo, vão pedir na Justiça essas adaptações que julgam necessárias na hora da prova", explica.

No caso de obter mais tempo em provas como o Enem, segundo ela, a banca avaliadora do exame vem aceitando laudos assinados até mesmo por médicos que não sejam psiquiatras, neurologistas ou neuropediatras — profissionais oficialmente associadas ao diagnóstico correto do transtorno, para evitar a judicialização dos casos.

O direito é assegurado pela apresentação de um atestado médico, via processo administrativo no ato da inscrição, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela organização da prova.

"O problema de a gente não ter a regulamentação ainda é que muitas pessoas com condições de fazer a prova normal estão utilizando o benefício incorretamente. Ao mesmo tempo, tem pessoas com barreiras sem a adaptação necessária", ressalta.

No entanto, a especialista ressalta que um grupo de trabalho criado em 2023, com a participação de médicos e profissionais especializados, sob supervisão do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, está elaborando um modelo de avalição biopsicossocial da deficiência ou transtornos, que também irá contemplar casos de TDAH.

As orientações, segundo ela, preveem a avaliação dos direitos de pessoas com deficiência ou diagnosticadas com algum tipo de transtorno, de forma a identificar, individualmente, se a dificuldade do individuo desabilita ou prejudica a autonomia plena na vida cotidiana e profissional, para identificar se a pessoa precisa de um acompanhamento especializado — além de ter uma visão mais detalhada de quais direitos cada um deve ter na hora de fazer provas, vestibulares ou participar de concursos.

Para Arthur Caye, psiquiatra especializado em TDAH, a iniciativa é interessante, mas ele avalia que a proposta pode ser desafiadora, visto que pretende unificar as diferenças entre os diagnósticos em um documento só. Segundo ele, o Brasil precisa, de fato, avançar "muito mais" em estabelecer critérios de elegibilidade mais justos que assegurem o benefício.

"Quais são os critérios para entrada? Basta ter um diagnóstico? Não. Por exemplo, um paciente tratado, muitas vezes, pode ter um funcionamento praticamente normal e não ter dificuldades na hora de realizar a prova", analisa Caye. Ele participou de um estudo que analisou dez universidades no mundo (nenhuma delas é brasileira) e todas exigem ou um teste neuropsicológico que, segundo ele, é mais objetivo quanto às necessidades do paciente com TDAH, ou uma avaliação individualizada de um profissional especializado no transtorno, atestando se o aluno está apto ou não a ter algum benefício, como tempo a mais de prova. No entanto, ele desconhece a possibilidade de alunos com TDAH fazerem provas com consulta.

Pensando nessa questão, Caye ajudou a fundar o Instituto Matiz, que se propõe a ajudar universidades e instituições de ensino privadas para definir critérios baseados em diretrizes mais justas.

TDAH começa quando?

De acordo com o Hospital Albert Einstein, o TDAH começa na infância e pode persistir na vida adulta. No entanto, em alguns casos, o quadro sintomático pode se tornar mais prevalente apenas na fase adulta.

Sob a ótica da psicanálise, a psicóloga Elsa Oliveira Dias afirma que além dos fatores neurobiológicos e genéticos, o TDAH se manifesta também pelos aspectos inconscientes. De acordo com o Instituto Brasileiro de Psicanálise, o inconsciente abrange lembranças, memórias e experiências que não estão ao alcance da consciência, ou seja, tudo o que não conseguimos perceber em nós mesmos imediatamente. Duas formas de expressão são os sonhos e os atos falhos (quando a pessoa deixa escapar alguma fala sem perceber, por exemplo).

Sintomas

De acordo com o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), os 18 sintomas de desatenção e hiperatividade são:

Desatenção Não prestar atenção a detalhes ou cometer erros por descuido na escola ou no trabalho; Ter dificuldade de manter a atenção em tarefas nas atividades escolares, jogos ou reuniões; Não parecer prestar atenção quando abordado diretamente; Não acompanhar instruções e não completar tarefas; Ter dificuldade para organizar tarefas e atividades; Evitar, não gostar ou ser relutante no envolvimento em tarefas que requerem manutenção do esforço mental durante longo período de tempo; Perder objetos necessários para tarefas ou atividades escolares e do trabalho com frequência; Ficar distraído com facilidade; Ser esquecido nas atividades diárias. Hiperatividade Movimentar-se ou torcer mãos e pés com frequência; Frequentemente levantar-se da cadeira em situações em que deveria ficar sentado; Correr e fazer escaladas com frequência excessiva quando esse tipo de atividade é inapropriado; Ter dificuldades de brincar ou trabalhar tranquilamente; Frequentemente movimentar-se e agir como se estivesse "ligada na tomada"; Possuir o hábito de falar demais; Frequentemente responder às perguntas de modo abrupto, antes mesmo que elas sejam completadas; Frequentemente ter dificuldade de aguardar sua vez para falar; Frequentemente interromper os outros ou acaba se intrometendo em assuntos alheios. Caye pontua que, apesar de não estar na lista de sintomas do Manual de Diagnóstico, a procrastinação (ato de adiar ou atrasar algo que deve ser feito) tem sido uma queixa frequente em seu consultório e pode ser um sinal de atenção.

Como diagnosticar?

Apesar da prevalência dos sintomas na população em geral, o que importa na hora do diagnóstico não é só a combinação de sintomas, como também dos prejuízos que causam na vida das pessoas, ressalta o especialista.

"Se a pessoa perdeu um guarda-chuva. Ok, isso pode acontecer com todo mundo. Mas se a pessoa perde o crachá todos os dias, o cartão de crédito seis vezes ao ano, ou se todos os dias passa uma hora procurando as coisas que não encontra e é 'conhecido' por perder coisas, pode ser um sinal de atenção", explica Caye. Da lista do DSM-5, no caso das crianças e adolescentes, é necessária uma combinação de pelo menos cinco sintomas. Já para os adultos, é preciso que haja seis.

Caye ressalta que o processo de diagnóstico ideal é feito por conversas especializadas e presenciais com o paciente, para entender como os sintomas estão afetando sua vida. Em alguns casos, exames neuropsicológicos podem ser bastante úteis.

Outro fator que o especialista destaca é que a causa do quadro sintomático desempenha um papel fundamental no momento do diagnóstico, já que alguns sintomas de TDAH podem ser confundidos com os de depressão e de ansiedade, por exemplo. Dois ou mais transtornos também podem coexistir.

"Se a causa da desatenção é uma tristeza, por exemplo, o quadro pode se caracterizar por uma depressão em vez de TDAH", complementa.

Em caso de suspeita, o primeiro passo para procurar ajuda pelo SUS (Sistema Único de Saúde) é a atenção primária de saúde em UBSs (Unidade Básicas de Saúde), Equipe de Saúde da Família (ESF) e no Núcleo de Apoio à Saúde da Família.

Como tratar?

Caye explica que as diretrizes internacionais apontam para um tratamento "primordialmente farmacológico". Isso significa que, em todos os casos com prejuízo moderado para a vida do paciente, é recomendada a introdução de medicamentos.

Segundo o especialista, a primeira linha de tratamento, ou seja, a que tem mais evidências científicas, inclui os psicoestimulantes. No Brasil, há duas substâncias disponíveis: o metilfenidato (Ritalina) e a lisdexanfetamina (Venvanse). Apesar de os dois pertencerem à mesma classe de medicamentos, agem em receptores diferentes do cérebro. Seu uso necessita de prescrição médica.

Segundo Caye, a psicoterapia com mais estudos relacionados é a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC). Nessa modalidade, o paciente passa por treinos que visam a facilitar sua convivência com os sintomas.

No entanto, as pesquisas sobre o uso da psicanálise vêm aumentando. O tratamento nessa linha teria como objetivo "aliviar as angústias dos pacientes e possibilitar que a criatividade pessoal possa alavancar novas formas de existência", de acordo com o artigo "Contribuições psicanalíticas para o Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade: uma revisão da literatura".