STF: cotas raciais são aprovadas por 10 X 0

Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou nesta quinta-feira (26) as universidades públicas brasileiras a adotar políticas de reserva de vagas para garantir o acesso de negros ao ensino superior. O tribunal decidiu que as políticas de cotas raciais em instituições de ensino superior estão de acordo com a Constituição e são necessárias para corrigir o histórico de discriminação racial no Brasil.Em dois dias de julgamento, o tribunal discutiu a validade da política de cotas raciais adotada pela Universidade de Brasília (UnB), em 2004, que reserva por dez anos 20% das vagas do vestibular exclusivamente para negros e um número anual de vagas para índios independentemente de vestibular. O DEM, autor da ação contra as cotas raciais, acusou o sistema adotado pela instituição de ensino, no qual uma banca analisa se o candidato é ou não negro, de criar uma espécie de “tribunal racial”.Atualizada às 18hCom o voto do ministro Gilmar Mendes, a maioria do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestou a favor da política de cotas raciais na Universidade de Brasília. Caso esse entendimento seja mantido - os ministros ainda podem mudar o voto até o fim do julgamento -, o Supremo vai validar o sistema de reserva de vagas em instituições de ensino superior para negros e indígenas. Dos dez ministros que analisam o tema, sete votaram a favor da legalidade das cotas raciais. O relator Ricardo Lewandowski foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso. Aindão vão votar Gilmar Mendes, Celso de Mello, Marco Aurélio e o presidente da corte, Ayres Britto. Dias Toffoli não participa do julgamento porque elaborou parecer a favor das cotas quando era advogado-geral da União.De acordo com dados da Advocacia-Geral da União (AGU), 13 universidades brasileiras possuem políticas de cotas raciais e outras 20 combinam o critério de raça com a questão social para fazer a seleção dos candidatos. A decisão do STF não proíbe outras ações em relação a cotas para ingresso no ensino superior, porque as universidades têm autonomia para definir suas políticas.O julgamento foi iniciado nesta quarta-feira (25) com as manifestações dos advogados das partes e de representantes de entidades interessadas no assunto. No início da noite a sessão foi interrompida e retomada nesta quarta. Estão na pauta outras duas ações que abordam cotas raciais combinadas com o critério de o estudante vir de escola pública.A maioria dos ministros da Corte acompanhou o voto do relator da ação, ministro Ricardo Lewandowski, pela validade dos sistemas de reserva de vagas com base em critérios de raça.Para o relator, a política de cotas da UnB "não se mostra desproporcional ou irrazoável e é compatível com a Constituição". Ele afirmou que o sistema utilizado, que têm período de vigência de 10 anos, pode ser usado como "modelo" para outras universidades.O modelo que o Supremo tenta estabelecer, se o meu voto for prevalente, é esse modelo de que não é uma benesse que se concede de forma permanente, mas apenas uma ação estatal que visa superar alguma desigualdade histórica enquanto ela perdurar", destacou o relator após o julgamento.Nesta quinta, o julgamento recomeçou com o voto do ministro Luiz Fux, que a Constituição contempla a imposição do critério de raça para admissão em universidade pública. Para ele, o país precisa fazer mais do que vedar a discriminação, implementando políticas que levem à integração social dos negros.“A construção de uma sociedade justa e solidária impõe a toda coletividade a reparação de danos pretéritos perpetrados por nossos antepassados adimplindo obrigações jurídicas”, disse Fux.O voto do ministro foi interrompido por um manifestante indígena da etnia guarani que precisou ser expulso do plenário pelos seguranças do STF. O índio Araju Sepeti queria que os indígenas fossem citados pelo ministro Fux em seu voto. A política de cotas da UnB, que é tema do julgamento, inclui a reserva de 20 vagas anuais a indígenas, que não precisam fazer o vestibular tradicional.Foto: Andre Dusek/Agência Estado “Vocês violam os direitos de todos e não respeitam a Constituição. O Brasil é composto de três raças: raça indígena, raça branca e raça negra", disse Sepeti ao ser contido por seguranças do Supremo que o levaram para fora das grades que separam a sede do tribunal da Praça dos Três Poderes, em Brasília.Único ministro negro do STFJoaquim Barbosa, único ministro negro do STF, acompanhou o voto do relator e ressaltou a importância das ações afirmativas para viabilizar “harmonia e paz social”. Ele citou exemplo dos Estados Unidos que se tornaram “o país líder do mundo livre”, após derrubar a política de segregação racial.“Ações afirmativas se definem como políticas publicas voltadas a concretização do princípios constitucional da igualdade material a neutralização dos efeitos perversos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem”, disse Barbosa.Também acompanharam o voto do relator os ministros Cezar Peluso, Cármen Lúcia e Rosa Weber.Contra e a favor das cotasNo primeiro dia do julgamento, a advogada do DEM, Roberta Kauffman, apresentou argumentos contra o sistema de cotas da UnB. Para ela, a seleção de quem teria direito às cotas na UnB é feitas com base em “critérios mágicos e místicos” e lembrou o caso dos irmãos gêmeos univitelinos, Alex e Alan Teixeira da Cunha. Eles se inscreveram no vestibular, em 2007, e, depois de analisadas fotos dos dois, Alan foi aceito na seleção das cotas e Alex não. Depois, a UnB voltou atrás.“A imposição de um modelo de estado racializado, por óbvio, traz consequências perversas para formação da identidade de uma nação. [...] Não existe racismo bom. Não existe racismo politicamente correto. Todo o racismo é perverso e precisa ser evitado”, disse a advogada.A defesa da UnB argumentou que o sistema de cotas raciais busca corrigir a falta de acesso dos negros à universidade. Segundo a advogada Indira Quaresma, que representou a instituição, os negros foram “alijados” de riquezas econômicas e intelectuais ao longo da história. Para ela, a ausência de negros nas universidade reforça a segregação racial.“A UnB tira-nos, nós negros, dos campos de concentração da exclusão e coloca-nos nas universidades. [...] Sistema de cotas é belo, necessário, distributivo, pois objetiva repartir no presente a possibilidade de um futuro melhor”, afirmou a advogada da UnB.A validade das cotas raciais como política afirmativa de inclusão dos negros foi defendida também pelo advogado-geral da União, Luís Inácio de Lucena Adams e pela vice-procuradora-geral, Deborah Duprat. Para eles, o racismo é um traço presente na cultura brasileira e que precisa ser enfrentado.Além dos representantes da UnB, do DEM e da União, outros 10 advogados ocuparam a tribuna do STF para defender suas posições contra ou a favor das políticas de reserva de vagas em universidades tendo a raça como critério.A maioria das entidades participou de audiência pública realizadas pelo Supremo, em março de 2010, para discutir o tema. As opiniões se dividem entre os que defendem e criticam a adoção da questão racial como critério em detrimento de outros fatores, como a renda do candidato.Fonte: G1