"Não há risco de quem tem imóvel, de boa fé, perder", explica procurador sobre ação em Cajueiro da Praia

O procurador Fagner José da Silva Santos explicou em entrevista à TV Cidade Verde nesta quarta (24) a ação que está sendo feita pelo Estado do Piauí que visa regularizar as terras no município de Cajueiro da Praia. Segundo ele, a ação discriminatória visa fazer uma espécie de "filtragem", dentro da área do município, do que é terreno particular, do Estado e da União.

"A ação discriminatória é para qualificar debate e separar quem é proprietário, quem não é, quem prova que é realmente, quem é que está querendo ser no gogó, sem documento nenhum, quem é proprietário de matrícula que não tem origem legítima, quem é ocupante de terra sem registro nenhum, que esse pessoal vai ser submetido a um processo de regularização fundiária", explicou em entrevista ao Jornal do Piauí.

Ele explicou que a origem do conflito em Cajueiro da Praia se dá porque o Estado do Piauí nunca especificou quais são as terras devolutas - ou seja, as terras pertencentes ao Estado. O procurador explica que, por conta da especulação imobiliária motivada, sobretudo, pela expansão do turismo, pessoas tentam se 'apropriar' à força dos terrenos expulsando os moradores locais.

"A origem desse conflito é a insegurança dominial, quem é dono, quando você não define quem é dono. Quando se é dono, você define uma matrícula. Quando você não define quem é o dono, algumas pessoas tentam impor o seu domínio pela força, de má fé, através da violência, e nós temos isso onde há uma crescente valorização imobiliária, assim como no cerrado que não tinha valor e de repente com a soja explodiu o valor da terra, e aquilo começou um processo de grilagem, de expulsamento de comunidades tradicionais, porque a pessoa quer a terra. Da mesma forma, Cajueiro, Barra Grande, hoje tem um grande potencial turístico, os imóveis se valorizaram demais", explicou.

De acordo com o procurador, será feita uma triagem nos registros do cartório de Luís Correia - que é quem tem os registros de matrícula que estabelece, conforme a lei, os efetivos donos dos imóveis. Segundo ele, documentos como contrato de compra e venda não comprovam a titularidade.

"Eu delimito um território, procuro territórios particulares naquele território, e o que sobra é terra devoluta do estado. Todo esse cenário de insegurança em Cajueiro decorre disso, o Estado nunca fez a discriminatória e pessoas que estão se dizendo donos de imóveis sem ter o número de matrícula, e às vezes a pessoa tem um documento de posse que cabe em qualquer lugar da face da terra. No Cerrado a gente tinha muito isso, e às vezes, tinha até uma matrícula que cabe em qualquer lugar, se ele quisesse virar dono da Torre Eiffel, ele não tem um ponto de amarração. Hoje é feito por sistema de georreferenciamento", explicou.

Segundo ele, quem tem propriedade, mesmo que não tenha a titularidade, mas que comprove o uso, de boa fé, não corre riscos de perder o imóvel.  "Não há risco de quem tá em imóvel de boa fé, perder". Ele explicou que, atualmente, o estado, o município e a União estão em processo de regularização fundiária, mas que é preciso especificar as delimitações de cada para que o processo avance.

"Temos um processo de regularização fundiária a nível rural e também urbano, através do Prourb, com um acordo de cooperação técnica com a União e o município de Cajueiro da Praia para fazer regularização fundiária", pontuou.

Conflitos fundiários no litoral do Piauí

O conflito de terras no município de Cajueiro da Praia já foi alvo de ações da Polícia Federal, Ministério Público Federal e Defensoria Geral da União e também tem investigações da Polícia Civil do Piauí que apuram denúncias de grilagem de terra em área da União para a construção de empreendimentos, além de expulsão de pescadores e moradores de forma violenta a deixarem suas casas. 

Em novembro, duas operações da Polícia Federal cumpriram 32 mandados por grilagem de terras e venda ilegal de terrenos. À época, oito pessoas foram presas na operação que apurava crimes ambientais, invasão e loteamento de terras da União. Foram removidas cercas, destruídas edificações clandestinas e devolvidos 82 hectares de terra à União.

As investigações indicaram que as invasões de terras de propriedade da União se intensificaram em 2020, durante o período da pandemia, com a destruição de cercas e o estabelecimento de novos marcos territoriais sem o conhecimento da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), ou ainda mediante pedidos de utilização de imóvel junto a esta instituição com documentos com indícios de falsidade.

As investigações indicaram que as invasões de terras de propriedade da União se intensificaram em 2020, durante o período da pandemia, com a destruição de cercas e o estabelecimento de novos marcos territoriais sem o conhecimento da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), ou ainda mediante pedidos de utilização de imóvel junto a esta instituição com documentos com indícios de falsidade.

Em janeiro deste ano, o superintendente do Patrimônio da União (SPU) João Martins Neto já havia denunciado a formação de milícias e que estariam "acirrando" o conflito de terras em Cajueiro da Praia. Ele informou que as denúncias que chegaram à SPU foram repassadas à PF, à Justiça Federal e ao MPF.

Foto: Roberto Araújo/Cidadeverde.com

Já no mês de abril, o defensor público da União (DPU) José Rômulo Plácido Sales formalizou denúncia de que agentes do Estado, principalmente policiais, estariam cometendo o crime de formação de milícias para dar suporte à grilagem de terras no litoral piauiense à Secretaria de Segurança Pública do Piauí (SSP-PI). 

Na oportunidade o secretário Chico Lucas determinou a abertura da investigação pela Corregedoria da Polícia Militar e pelo Departamento de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) da Polícia Civil.

Segundo o relato do defensor, as principais vítimas dos milicianos seriam as populações nativas de pescadores, que estão sendo afastadas das terras que tradicionalmente ocupam em suas atividades de subsistência.

O defensor  José Rômulo exemplificou que um dos crimes ocorreu na região da Nova Barra Grande, comunidade Borogodó, que, segundo ele, registra uma forte atuação das milícias reprimindo a população. 

Cidadeverde.com esteve na comunidade e conversou com os moradores que relataram a violência que têm sofrido com a ação das milícias e a insegurança de não ter sua terra registrada. 

Confira a reportagem: 

Casas incendiadas, uso de arma e ameaças: moradores relatam ações de suposta milícia em Barra Grande

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