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Letícia Sabatella faz 45 anos no Dia da Mulher: 'Liberdade de ser o que sou'

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O dia 8 de março tem mais de um motivo para ser comemorado por Letícia Sabatella: além de seu aniversário, é também o Dia Internacional da Mulher. Aos 45 anos, a atriz acumula mais de duas décadas de carreira e experiência de sobra em quase todos os veículos: além da TV, do cinema e do teatro, Letícia também se aventura pela música com os shows da Caravana Tonteria, grupo musical do qual faz parte.

Nesses 20 anos, a atriz viajou por todos os cantos do Brasil - subiu o morro, passou por tribos indígenas, vilas ribeirinhas e até comunidades quilombolas. "Sempre procurei uma missão. Não no sentido messiânico, de me endeusar, mas de ser algo que desse sentido profundo à minha existência no mundo. Meu processo de autoconhecimento sempre foi para que eu me tornasse uma pessoa melhor, mais compassiva, com o olhar menos restrito às minhas próprias opressões e que pudesse contribuir para a existência de outras pessoas", diz ela.

Bem-resolvida e consciente de si, Letícia é uma das personagens da série "Mulheres Empoderadas", do EGO, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher. Na entrevista, a atriz fala sobre o panorama político do Brasil, critica a busca desenfreada pela beleza e defende o movimento feminista.

Você está completando 45 anos. Como se sente em comparação à Letícia de 20 anos?

A palavra que está dentro de mim é liberdade. Não é uma liberdade individualista ou egoísta, mas é a liberdade de ser o que eu sou. Tenho uma crença na minha capacidade de transformação e superação de tudo que já experimentei, que esses 45 anos me deram de experiência, de desafios que venci e cumpri. É um estado de maturidade, de uma sede por mais aquisições, mas com cada vez mais coragem e segurança. Não tem um estado só. É muito dinâmico, eu oscilo, sou uma água fluindo.

Pode explicar melhor?
Me sinto muito livre. Não me sinto destrutível. Não há algo de fora que possa me destruir, sabe? Eu morro muitas vezes. Acabei de morrer na última lua cheia, por exemplo, mas estou aqui viva, falando com você. Morro de sensibilidade, de dor, de tudo que está acontecendo... A lua cheia mexe demais comigo, todos os sentimentos vão para a superfície. O ser humano é água. Junta a TPM com a lua cheia então...

O que mudou na forma como você encara a vida e seu corpo após os 40?
Você aprende a enxergar a beleza do impermanente, daquilo que é carcomido pelo tempo, do que se oxida. Da mesma forma que a ferrugem vai transformando o ferro, as rugas transformam a nossa expressão, carregando a história. Claro que me cuido, me alimento bem e cuido da minha saúde, do meu bem-estar e do meu corpo como um todo, mas tenho uma tranquilidade com as mudanças que estão vindo por aí. É um olhar amoroso para o espelho. Por exemplo, um broto é lindo, mas uma árvore velha é lindíssima. Vejo beleza nesse processo de envelhecimento.

Você nasceu no Dia da Mulher. Como você enxerga o papel e a posição das mulheres hoje na sociedade?
Há um movimento autoritário de abafar, de calar, de tentar vencer e dizer, 'ah, mulher não presta'. É só olhar um cara como o Trump chegar onde chegou. Ou mesmo o Temer, que tem a mesma postura em relação à mulher. É só olhar o ministério que ele montou. Isso tudo é inadmissível, não temos mais como aceitar. Parece que a opressão e o machismo, de repente, saíram do armário. Vide o que foi a morte da D. Marisa (mulher do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva) e a reação absolutamente hedionda que houve, aquilo me deprimiu, foi uma derrocada. Basta comparar a diferença no tratamento entre a Dilma e o Temer. Nosso consciente está completamente adoecido pelo ódio, pela polarização e pela ignorância.

Quais os avanços que você enxerga nessa luta?
Vejo muita esperança nos jovens. Nas meninas, e nos meninos que também estão comprando esse feminismo que busca a igualdade de direitos, esse feminismo legítimo e legal em si, que não é 'ismo' por ser doença ou desequilíbrio, mas, ao contrário, por querer equilibrar. Vejo meninas nas escolas dizendo 'sou feminista' e vejo meninos falando, 'eu luto pelo direito das meninas também'. Isso é muito emocionante.

Mas ainda há muitos problemas...
Meu lema tem sido, 'não está fácil, não está favorável'. A questão começa com a educação das escolas, que muitas vezes é contrária ao senso crítico, à discussão, de se pensar o outro lado, que não permite uma discussão de gênero efetiva. A homofobia, a misoginia, tudo isso são formas de ferir o que é feminino, em todos os sentidos. No Brasil, transexuais são assassinadas e fica por isso mesmo, a polícia nem investiga. Precisamos falar sobre isso. Precisamos falar sobre a cultura do estupro, essa coisa de se acobertar comportamentos que são agressivos e ofensivos com as mulheres, que diminuem a condição da mulher o tempo inteiro, que menosprezam e minimizam os nossos dramas e dificuldades reais, como se fosse um vitimismo.

Mesmo entre as próprias mulheres, há as que criticam o movimento feminista. Você acha que há menos união entre o sexo feminino?
A gente tem muita essa competitividade histórica e arcaica. É só olhar o Alcorão, por exemplo, que mostra um homem e quatro mulheres. Nunca uma mulher e quatro maridos. É a dinâmica do patriarcado, que representa a mulher sempre em torno de um homem, o Sol. Uma vez que Deus é representado pelo masculino, inconscientemente a gente inverte essa questão, então o homem vira Deus e isso fica arraigado no inconsciente.

De que forma isso se reflete?
Na condição de Cinderela, Branca de Neve, na necessidade do príncipe encantado... Na condição de que a mulher não pode abrir as pernas, não pode se comportar de outra maneira. Uma mulher que fala alto, que comanda uma situação, é muito mais criticada que um homem que faça o mesmo de uma maneira até mais histérica. As mulheres precisam se unir também e acabar com isso. Esse empoderamento é como se fosse a descoberta de um profundo amor que estava adormecido, quando você descobre que o amor verdadeiro se dá assim, entre mãe e filha, entre avó e filha, entre amiga e amiga, entre aquela que vê a outra sofrendo e consegue entender porque já passou por esse tipo de coisa. Isso é lindo porque é de uma gratuidade e nada mais verdadeiro que um amor gratuito. É uma evolução, eu sinto. Em tempos de selfie, de individualismo, é muito libertador esse movimento.

Você é casada com o ator Fernando Alves Pinto. Qual a importância dos homens nesse processo de empoderamento feminino?
O Nando é um superparceiro, ele é a pessoa menos machista com quem já me relacionei. É uma relação madura, dos 40 anos, sabe? De quem já viveu, já experimentou... É uma escolha lúcida. O Fernando é meu segundo casamento e me relaciono de um jeito muito mais saudável hoje em dia. Como mulher, eu tinha comportamentos machistas também no meu primeiro casamento. De conceder mais do que me expressar, de reivindicar, de delimitar. Eu tinha medo de ferir a estrutura familiar, então isso me oprimia muito. Consegui finalmente me separar e perceber que não estava rompendo nada sagrado foi quando ouvi da minha mãe e das minhas avós, 'olha, hoje em dia a mulher não precisa se sujeitar a tanta coisa'. É curioso que por mais que a gente tenha uma cabeça pensante, defenda outras mulheres, muitas vezes você repete o padrão, sabe? É inexplicável, é inconsciente. Acredito que existe uma força que pode nos determinar e que, se a gente não se cuida, acaba sendo determinado por ela.

Como você enxerga o momento político atual no Brasil?
Ilegítimo, irreconhecível e inadmissível. Sempre deixei claro minha posição. Acho que, no momento, o mais importante é manter a luta por todos os direitos que estão sendo perdidos. Me preocupo com os movimentos sociais, as condições dos trabalhadores rurais, a condição dos índios mais ainda... As nossas matrizes energéticas e nosso patrimônio ambiental estão mais do que nunca ameaçados. São as mesmas lutas de sempre, só que a gente sofreu um retrocesso absurdo. Tenho esperança porque acredito e, ao mesmo tempo, vejo muita gente reagindo a isso tudo com muito afeto, com muito amor. Vejo as pessoas se fortalecendo e isso me dá esperança.

Fonte: Ego 

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