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Combustível Sustentável para Aviação: inovação e sustentabilidade no setor aéreo

O mundo enfrenta desafios ambientais crescentes, e a busca por soluções sustentáveis tornou-se uma prioridade global. No setor de aviação, uma das inovações mais promissoras é o Combustível Sustentável para Aviação, conhecido como SAF (Sustainable Aviation Fuel). Esse biocombustível apresenta características químicas e físicas muito similares ao querosene de aviação derivado do petróleo, mas com a vantagem de ser produzido a partir de matérias-primas renováveis, reduzindo significativamente as emissões de carbono.

O que é o SAF?

O SAF é um combustível desenvolvido especificamente para o setor aéreo, que se destaca por sua sustentabilidade. Ele é produzido a partir de uma variedade de matérias-primas, incluindo biomassa, óleo de cozinha usado, resíduos urbanos, gases residuais e captura direta de CO₂ da atmosfera. No Brasil, as principais matérias-primas utilizadas são a cana-de-açúcar, a soja e o eucalipto.

Quimicamente, o SAF é composto por hidrocarbonetos semelhantes aos encontrados no querosene convencional. Um dos componentes mais importantes na produção do SAF é o hidrogênio, que reage com o dióxido de carbono para gerar os hidrocarbonetos necessários. Além disso, uma das grandes vantagens do SAF é a sua compatibilidade com os sistemas de armazenamento, transporte e abastecimento de aeronaves existentes, tornando-se um "drop-in fuel", ou seja, um combustível que pode ser utilizado sem grandes adaptações nos equipamentos atuais.

Relevância do SAF

A aviação é responsável por cerca de 3,5% das emissões globais de CO₂, um percentual significativo considerando o impacto ambiental. De acordo com estudos, a utilização do SAF pode reduzir as emissões de carbono entre 70% e 90% em comparação com o querosene tradicional. Além da redução de CO₂, o SAF também diminui a emissão de outros poluentes, como o enxofre, colaborando para a melhoria da qualidade do ar e a desaceleração do aquecimento global.

Ao ser produzido a partir de resíduos agrícolas e óleo de cozinha usado, o SAF também promove a economia circular, reduzindo o desperdício e dando uma nova utilidade a materiais que seriam descartados. Isso não apenas beneficia o meio ambiente, mas também oferece uma estabilidade de preços maior do que o querosene convencional, que está sujeito a flutuações de mercado.

Impactos do SAF no setor aéreo

Organizações como a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) estimam que o SAF pode contribuir com cerca de 65% da redução das emissões necessárias para que a aviação alcance emissões líquidas zero de CO₂ até 2050. A implementação de novas tecnologias, como aviões elétricos e a hidrogênio, bem como melhorias na infraestrutura e operações, também serão fundamentais, mas o SAF se destaca como a principal solução de curto a médio prazo.

Exemplos práticos do uso do SAF já estão em andamento. A companhia aérea holandesa KLM, por exemplo, adiciona 1% de SAF, feito de óleo de cozinha usado, no abastecimento de cada voo que sai do Aeroporto Schiphol, em Amsterdã, com a meta de chegar a 10% até 2030. Contudo, ainda há um longo caminho a percorrer, pois, em 2023, os SAFs representaram apenas 0,2% dos combustíveis utilizados pela aviação mundial.

O Brasil e o SAF

No Brasil, a legislação está acompanhando essa tendência sustentável. O Projeto de Lei 528/2020, já aprovado pela Câmara dos Deputados e atualmente em tramitação no Senado Federal, institui o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (PROBIOQAV). Esse programa prevê a obrigatoriedade para as empresas de transporte aéreo de introduzir o SAF como combustível em suas aeronaves a partir de 2027.

Conclusão

O Combustível Sustentável para Aviação (SAF) representa uma solução viável e eficiente para reduzir as emissões de carbono no setor aéreo, promovendo a sustentabilidade e a economia circular. Com o avanço da legislação brasileira, o futuro da aviação sustentável está cada vez mais próximo. Investir no SAF é um passo crucial para garantir um meio ambiente mais saudável e um setor aéreo mais sustentável para as futuras gerações.

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Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

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Planejamento Sucessório: possíveis impactos e perspectivas diante da reforma do Código Civil

Por Gabriel Furtado e Victória Emannuelle

O planejamento sucessório pode ser conceituado como uma medida preventiva adotada pelo titular que o permite escolher, conforme a sua vontade, ainda em vida a forma como deve ocorrer a transmissão dos seus bens aos seus sucessores, tendo como finalidade evitar conflitos futuros que poderão gerar a perda ou deterioração dos seus bens[1]. Contudo, a forma como o planejamento é analisado, bem como os limites que o cercam, sofrerão sensíveis mudanças com a reforma do Código Civil.

Embora a proposta de reforma do Código Civil, atualmente em tramitação no Senado Federal, preveja muitas alterações no direito sucessório, quatro mudanças merecem maior destaque[2]: (i) a possibilidade de participação dos cônjuges como sócios da mesma sociedade empresária independente do regime de bens; (ii) a retirada do cônjuge do rol de herdeiros necessários; (iii) a permissão para o testador indicar e deliberar sobre a partilha dos quinhões hereditários; (iv) a possibilidade de qualquer pessoa poder fazer a partilha em vida dos seus bens.

A primeira alteração mencionada tem a finalidade de alterar o atual art. 977, do CC[3], que dispõe sobre a faculdade de cônjuges “contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória”, ou seja, que veda a constituição de sociedade entre cônjuges casados sob o regime de comunhão universal ou separação obrigatória de bens. A mudança pode ser considerada como um marco positivo no planejamento sucessório das famílias, proporcionando ao casal, criador do patrimônio familiar, a liberdade de escolher o regime a ser adotado, sem obstáculos no planejamento de seus bens.

A segunda mudança referente à retirada do cônjuge do rol de herdeiros necessários objetiva a reforma do art. 1.845, do CC, que prevê em sua versão atual os herdeiros necessários como sendo os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. A exclusão do cônjuge do referido rol pode trazer repercussões importantes no planejamento sucessório.

Por fim, a reforma prevê ainda alterações quanto à partilha, em especial quanto a pontos que se revelam atualmente como limitantes para o planejamento sucessório, sobretudo o vigente art. 426, do CC o qual dispõe que “não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”. Nesse ponto, a nova redação tem o intuito de prever que[4]  “o testador possa indicar e deliberar sobre a partilha dos quinhões hereditários, inclusive dos bens que compõe a legítima dos herdeiros necessários” e mais, permitir a partilha em vida ao dispor que “não só o ascendente, qualquer pessoa pode fazer a partilha em vida da totalidade ou de parte de seus bens”[5].

É indiscutível que caso essas mudanças sejam de fato aprovadas haverá muitas repercussões no direito sucessório brasileiro, devendo ser analisadas com bastante cautela antes de serem aplicadas, sob pena de gerar nulidades e colocar em risco o planejamento patrimonial idealizado pelo titular.

Diante disso, conclui-se que no cenário atual, de fato, o arcabouço normativo vigente para a sucessão é ultrapassado e insuficiente para as relações jurídicas da contemporaneidade, o que resulta em um sistema moroso, caro e burocrático, incitando o embate entre as partes. Por essa razão, o planejamento sucessório se revela muito útil para as pessoas em geral. No entanto, com as possíveis alterações estimadas com a reforma do Código Civil, toda a dinâmica de organização patrimonial sucessória sofrerá sensíveis modificações, importando ainda mais na necessidade de um planejamento adequado e eficaz.

 

[1] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: sucessões. 4 ed. Salvador: Juspodivm, 2018. P.86.

[2]Fontes: i) https://www.conjur.com.br/2024-jun-23/possiveis-efeitos-no-planejamento-patrimonial-na-reforma-do-codigo-civil/; ii) https://www.conjur.com.br/2024-abr-16/o-direito-das-sucessoes-na-reforma-do-codigo-civil/.

[3] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm.

[4] Trecho extraído do artigo publicado por Maria Berenice Dias no site CONJUR, acessado em https://conjur.com.br/2024-abr-16/o-direito-das-sucessoes-na-reforma-do-codigo-civil/.

[5] Trecho extraído do site https://www.conjur.com.br/2024-abr-16/o-direito-das-sucessoes-na-reforma-do-codigo-civil/

Herança Digital: conflitos e perspectivas

Por Gabriel Furtado e Lara Kronenberger

O Direito das Sucessões consiste no conjunto de normas que disciplinam a herança, entendida como o conglomerado de bens, direitos e obrigações que integram o patrimônio de alguém, depois de sua morte, e que se transfere aos herdeiros em virtude de lei ou testamento. Tal agrupamento normativo encontra fundamento na própria Constituição da República ao enumerar, em seu artigo 5º, inciso XXX, o direito de herança como parte dos direitos fundamentais.[i]

Entre os seus princípios norteadores, destacam-se o respeito à vontade do finado, respaldado na autonomia da vontade, e o princípio da Saisine, exarado no artigo 1.784 do Código Civil, o qual determina que, no momento da morte (abertura da sucessão), é imediata a transferência da herança aos herdeiros legítimos (descendentes, ascendentes, cônjuge/companheiro, colaterais) e testamentários, respeitando-se a premissa de que inexiste bem sem o respectivo titular.[ii]

Quanto aos bens que integram o patrimônio a ser transferido, são conceituados como “coisas que proporcionam ao homem alguma utilidade, sendo suscetível de apropriação”.[iii] Nesse cenário, a mudança nas relações sociais ocasionada pelo avanço da tecnologia fez surgir uma nova categoria de “utilidade” para além do ambiente tangível e analógico tradicionalmente regulamentado pela legislação brasileira: os bens digitais. 

O objeto desse tipo de legado são bens imateriais, incorpóreos e intangíveis armazenados em dispositivos telemáticos ou em serviços de nuvem, abarcando fotos, músicas, vídeos, redes sociais, sítios eletrônicos, contas de streaming, documentos e dados em geral.

Surgem, então, novas problemáticas sucessórias, tendo em vista que a transmissibilidade de tais bens como herança é indefinida no ordenamento jurídico brasileiro. Diante disso, mostra-se a necessidade de preencher as lacunas por meio de construções doutrinárias e jurisprudenciais que, em sua maioria, buscam partir da classificação dos bens digitais, que se dividem em patrimoniais e existenciais. 

Os bens digitais patrimoniais representam aqueles que são conversíveis em pecúnia, tais como as milhas, os criptoativos (ativos virtuais protegidos por criptografia, como NFT´s, bitcoin e demais moedas virtuais) e os perfis monetizados (que geram receita) em redes sociais. Em relação a esse tipo de ativo digital, a doutrina especializada converge para a possibilidade de sua transmissão, seja por ato inter vivos ou mortis causa, uma vez que representam objetos de valor econômico que integram esta nova noção de patrimônio. 

No que tange aos bens digitais existenciais, que consistem nas contas estritamente pessoais, sem finalidade lucrativa, a controvérsia se intensifica, uma vez que o direito de herança vai de encontro com a proteção dos direitos de personalidade e da privacidade do usuário. À vista disso, a sua transmissão aos herdeiros ainda é objeto de grande discussão no mundo jurídico.

De um lado, entende-se pela inviabilização da transmissibilidade, tendo como fundamento a proteção da privacidade, intimidade, reputação e a esfera privada do indivíduo. De outro, acredita-se que a solução do conflito esteja na ampliação do conceito de herança já existente no Código Civil, capaz de abarcar a herança digital. Logo, de acordo com a segunda vertente, devem imperar os tradicionais princípios sucessórios da autonomia privada e da Saisine, garantindo a automática transmissão dos bens do falecido aos seus herdeiros legítimos, a menos que, em vida, haja expressa manifestação pessoal em sentido contrário. Portanto, sugere-se que eventual desrespeito, abuso ou exposição que venham a ser praticados pelos herdeiros em propriedade dos bens digitais do de cujus devem ser resolvidos na esfera patrimonial, por meio de sanções indenizatórias.

Apesar da controvérsia doutrinária e da pequena quantidade de casos concretos judicializados atualmente sobre o tema, as pesquisas sobre os julgados em tribunais do país identificam que a própria jurisprudência já aponta algumas lacunas que podem ser sanadas pela reforma do Código Civil, quais sejam: (i) diferenciação entre conteúdo econômico e não econômico da herança digital; (ii) classificação dos bens digitais; e (iii) relação da herança digital com a privacidade do de cujus e de terceiros.

Assim, conclui-se pela necessidade de que a nova legislação alcance o equilíbrio entre a efetivação do direito de herança aos bens digitais e a proteção de seu conteúdo após a transmissão aos herdeiros. Para isso, deve-se concentrar na categorização dos bens digitais, reconhecendo a urgência de uma regulação específica para lidar com os desafios da vida digital após a morte do usuário. Apenas uma abordagem moderna e adaptável às complexidades do contexto brasileiro atual garantirá a efetivação e longevidade dos direitos de herança digital.

DIREITO CONCORRENCIAL: a importância da Lei Antitruste no processo de fusão de empresas no Brasil

Por Gabriel Furtado e Mariana Salha

No final de janeiro deste ano, o anúncio de fusão entre as empresas do grupo Arezzo e do Grupo Soma, duas gigantes da moda no país, movimentou o debate sobre a concorrência e o acúmulo de capital no mercado brasileiro. Com a aprovação da fusão pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), a união das duas empresas forma um negócio com faturamento total de R$ 12 bilhões. Trata-se do maior conglomerado de moda do Brasil, reunindo 34 marcas e mais de duas mil lojas. A fusão entre as duas empresas foi anunciada no início de fevereiro de 2024. De acordo com o acordo firmado, os acionistas da Arezzo&Co obterão 54% de participação na nova empresa, enquanto os acionistas do Grupo Soma, que detêm marcas como Animale, Maria Filó e Hering, ficarão com os restantes 46%.

Embora inicialmente essa fusão possa gerar dúvidas sobre seu impacto na proteção do mercado e do consumidor, é fundamental ressaltar que o processo de fusão de empresas atualmente é regulamentado pela Lei nº 12.529/2011[1], que definiu critérios claros para determinar a atuação do CADE[2] na prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica.

Primeiramente, é importante pontuar que nem todos os processos de fusão precisam passar pelo CADE. Conforme a Portaria Interministerial nº 994, de 30 de maio de 2012[3], ainda em vigor, devem ser submetidos à análise do CADE os atos de concentração econômica em que, cumulativamente: (i) pelo menos uma das empresas ou grupos econômicos tenha alcançado o faturamento de R$ 750 milhões no ano anterior à operação, e; (ii) pelo menos uma das empresas ou grupos econômicos tenha atingido o faturamento de R$ 75 milhões no mesmo período.

Com base na previsão legal e no critério objetivo de notificação, a autoridade antitruste analisa se existem preocupações concorrenciais. Primeiramente há a definição dos mercados relevantes dos Grupos Econômicos envolvidos, considerando também o ponto de vista geográfico e os produtos em questão (se complementares ou substituíveis). A partir de uma compreensão detalhada do mercado, o CADE avalia se a operação pode ser aprovada integralmente, aprovada com restrições ou, eventualmente, reprovada[4]. Essa análise de mercado assegura o equilíbrio da livre concorrência e da livre iniciativa, princípios fundamentais do antitruste.

Assim, é de extrema importância que as empresas envolvidas nesse processo tenham antes de tudo a iniciativa de procurar o CADE, uma vez que a lei antitruste enfatiza a necessidade de análise prévia da operação (ex ante). Nesse sentido, as empresas não podem trocar informações sensíveis do ponto de vista concorrencial. A consumação prévia da operação configura o chamado “gun jumping”, que se refere à prática de atos de consumação da operação antes que a autoridade antitruste se manifeste pela aprovação total, aprovação com restrições ou reprovação (ocorrendo em menos de 1% dos casos).[5]

O gun jumping é uma infração processual e, quando constatada, deve ser instaurado um procedimento administrativo para apuração de ato de concentração (Apac).[6] É dentro do Apac que também se verifica a necessidade de imposição de sanção, na forma de pagamento de uma contribuição pecuniária. Nesse contexto, qualquer operação deve ser apresentada ao Cade quando as partes (ou seus grupos econômicos) cumprem com os requisitos objetivos estabelecidos na LDC. Isso se aplica à cadeia industrial e ao varejo da moda nacional, como ocorreu nos casos já analisados historicamente.

Assim, tanto a consumação de uma operação de notificação obrigatória que tenha sido notificada ao Cade (mas sem decisão final), quanto uma operação não notificada (que deveria ter sido em razão do critério de faturamento), abrem espaço para a configuração do gun jumping e imposição de uma sanção pecuniária que pode variar de R$ 60 mil até R$ 60 milhões.

Dessa forma, a fusão entre Arezzo&Co e o Grupo Soma é um exemplo claro da importância da análise antitruste em todos os desenhos societários, notificada ao Cade devido aos faturamentos das respectivas empresas/grupos econômicos. O Cade aprovou a fusão sem restrições, pois a empresa resultante representará menos de 20% do mercado de moda brasileiro, além disso, a Arezzo&Co atua principalmente no segmento de calçados, com vestuário sendo um segmento secundário, o que reduz ainda mais a concorrência. O Grupo Soma, em contraste, foca em artigos de vestuário, com menor atuação no segmento de calçados.

O parecer da Superintendência-Geral do Cade destaca que "como justificativa para a realização da operação, as requerentes explicam que a combinação de portfólios de marcas predominantemente complementares contribuirá para a sua maior resiliência em mercados altamente competitivos. Além disso, a operação traz ganhos de sinergia na gestão de canais de venda, otimização de operações industriais e possibilidade de desenvolvimento de novas linhas de negócios".

 

[1] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12529.htm

[2] https://www.gov.br/pt-br/orgaos/conselho-administrativo-de-defesa-economica

[4] DOMINGUES, Juliana Oliveira; GABAN, Eduardo Molan. Direito Antitruste. 5ª ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024

[5] https://cdn.cade.gov.br/Portal/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/cartilha-do-cade.pdf

HIDROGÊNIO VERDE: a urgência dos protagonistas e a consolidação do marco legal

Por Gabriel Furtado e Luís Guilherme Tavares

“Não adianta se dizer protagonista sem a construção de um marco legal apropriado de um protagonista”. Foi com esse alerta que a CEO da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIHV), Fernanda Salgado[i], encerrou sua participação no painel sobre a importância da regulamentação do Hidrogênio para o Brasil na Conferência Internacional de Tecnologias das Energias Renováveis (CITER), realizado esta semana em Teresina–PI.[ii]

Essa mensagem sintetiza bem um debate que acompanha as discussões sobre a implementação de um hidrogênio ambientalmente sustentável — verde — na matriz energética brasileira: o tempo. A construção de mercados futuros depende das decisões de investimentos feitas agora, de modo que o Brasil precisa urgentemente apresentar suas credenciais para atrair os recursos destinados a esse campo da economia verde.

A maneira mais objetiva de assegurar esses investimentos é proporcionando aos players do setor a segurança jurídica necessária para que possam planejar as etapas de implementação comercial com a previsibilidade do regime legal a ser observado. Há aqui, contudo, um descompasso entre o tempo da política e o tempo dos investimentos, que a despeito de interconexões constantes, trabalham em ritmos diversos.

O agravamento das mudanças climáticas, as crises geopolíticas no setor de combustíveis, as vantagens competitivas brasileiras e a proatividade de alguns Estados (e.g. Piauí, Ceará) exigem um ritmo que não tem sido acompanhado pela atividade legislativa nacional.

O Brasil ainda carece de um Marco Legal para o Hidrogênio de Baixo Carbono, o que pode ser percebido nas diversas terminologias utilizada nesta coluna, que o permita traçar as escolhas comerciais e financiamento que já estão sendo objeto de debate em outros países (i.e. Chile, França, Alemanha).

Essa lacuna reforça a atenção destinada ao acompanhamento dos projetos legislativos atualmente em trâmite no Congresso Nacional sobre o tema — PL n.º 5.816/2023; e PL n.º 2.308/2023.[iii] Sobre este último há expectativa de que o Relatório apresentado pelo Senador Otto Alencar (PSD/BA) seja aprovado na votação prevista para a próxima semana na comissão especial responsável.[iv]

Ainda que existam pontos da redação que necessitam de um aprimoramento técnico, como em qualquer, o debate que impede a aprovação parece ser bem reduzido se comparado aos consensos já existentes, de modo que se renova a pergunta quanto ao tempo a ser seguido: a urgência dos investimentos ou as maratonas de debate político?

A experiência brasileira nos conta que janelas de oportunidade são perdidas quando os tecnicismos desproporcionais e o apego ao debate se sobrepõe à urgência das necessidades; aprendizado que deve servir para a criação do Marco Legal do Hidrogênio (Verde), sob pena de ver esperança se transformar em arrependimento.

 

[i] CEO da ABIHV; Professora da FGV e da UFRJ; Conselheira da ACRJ; Fundadora do Sim, Elas Existem e do programa de mentoria feminina EMPODEREC; Possui colunas sobre energia no Broadcast do Jornal Estadão e na epbr; Ativista de Equidade de Gênero.

[ii] Conferir: https://www.citer.com.br/

MINERAÇÃO: dispensa de títulos minerários

Por Gabriel Furtado e Mariana Salha

Na última terça-feira (14/05/2024), a Agência Nacional de Mineração (ANM), frente à enorme tragédia que o Rio Grande do Sul vem enfrentando, anunciou que dará prioridade para pedidos de Dispensa de Título Minerário (DDTM) para materiais que serão usados em obras emergenciais no estado. Essa medida se baseia na Portaria DNPM n°155/2016 que define os pré-requisitos para a obtenção da declaração de dispensa de título minerário. A ação da ANM traz à tona a importância da dispensa de título, ao adequar as diretrizes estaduais às novas exigências socioeconômicas e ambientais e facilitar o desenvolvimento de obras de infraestrutura sem comprometer a sustentabilidade e a legalidade das operações.

A dispensa de título minerário permite a movimentação de terras e o desmonte de materiais in natura sem a necessidade de um título formal de mineração. Tal dispensa é crucial para a execução de obras públicas e civis, mas a comercialização dos materiais extraídos não é permitida, sendo seu uso restrito à própria obra.

Nesse sentido, a aplicação da dispensa de título minerário é relevante em diversas situações, especialmente em jazidas de empréstimo para uso de materiais em obras públicas, como rodovias, barragens e outras infraestruturas civis. Também se aplica à movimentação de terras para obras civis em geral, como terraplenagem necessária para edificações e infraestrutura. Nessas situações, é imperativo que o material excedente seja disposto conforme o projeto aprovado e as licenças ambientais pertinentes, evitando qualquer forma de comercialização.

Ademais, a DDTM é outorgada quando a viabilidade da obra depende da movimentação de terras e desmonte de materiais, com a vedação da comercialização das substâncias retiradas. Assim, a Resolução ANM nº 92/2022 permite que a DDTM seja emitida para obras emergenciais de reparo, executadas por órgãos da administração direta e autárquica da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. O requerimento deve ser instruído apenas com o Decreto de Calamidade Pública ou Estado de Emergência expedido pela autoridade competente, dispensando outros documentos.

O processo de solicitação da DDTM à ANM é realizado por meio de protocolo digital e requer uma série de documentos específicos. Estes incluem uma justificativa detalhada demonstrando a necessidade dos trabalhos de movimentação de terras ou desmonte de materiais, e a vedação de sua comercialização. Adicionalmente, é necessário fornecer plantas georreferenciadas das áreas de interesse, juntamente com memoriais descritivos no Datum SIRGAS 2000, além de informações sobre a destinação dos materiais resultantes.

Além disso, em casos de obras federais, é necessária uma declaração do órgão contratante sobre a inviabilidade econômica de alternativas. A DDTM terá vigência de três meses a partir de sua publicação no Diário Oficial da União, ao final dos quais o requerente deve apresentar um Relatório de Movimentação contendo a poligonal da área movimentada, identificação e cálculo de volume das substâncias minerais extraídas e o período da atividade.

Dentre os benefícios da dispensa de título minerário, está sua isenção da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), conforme estipulado pelo art. 3º, § 1º, do Código de Mineração. Essa isenção é condicionada à observância estrita das normas de não comercialização dos materiais e sua utilização exclusiva na obra em questão. Além disso, a validade da dispensa está atrelada ao prazo da licença ambiental correspondente, podendo ser prorrogada com a devida justificativa, desde que não exceda a conclusão efetiva da obra.

Assim, a dispensa de títulos minerários se revela uma ferramenta vital para a execução de obras essenciais, permitindo maior agilidade e redução de burocracia sem comprometer a sustentabilidade e a legalidade. A correta aplicação das normas e procedimentos estabelecidos garante que as atividades minerárias sejam conduzidas de maneira responsável e em conformidade com as diretrizes ambientais e econômicas. Este equilíbrio entre desenvolvimento e preservação ambiental é fundamental para o progresso sustentável do setor de infraestrutura no Brasil.

 

Referências:

https://www.gov.br/anm/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/dispensa-de-titulo

https://app.anm.gov.br/servicospdanm/servico?IDAssunto=218

https://anmlegis.datalegis.net/action/ActionDatalegis.php?acao=abrirTextoAto&link=S&tipo=RES&numeroAto=00000092&seqAto=000&valorAno=2022&orgao=ANM/MME&codTipo=&desItem=&desItemFim=&cod_modulo=351&cod_menu=7909

 

INOVAÇÃO: o Marco Legal da Inteligência Artificial

Por Gabriel Furtado e Lara Kronenberger

O desenvolvimento e a popularização das tecnologias de inteligência artificial têm revolucionado diversas áreas da atividade humana. As previsões apontam que a inteligência artificial (IA) provocará mudanças econômicas e sociais ainda mais profundas num futuro próximo.

Reconhecendo a relevância dessa questão, a Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial (CTIA) recentemente apresentou o Projeto de Lei nº 2338/2023, que dispõe sobre o uso da IA no Brasil.

O projeto, conhecido como Marco Legal da Inteligência Artificial, busca estabelecer as normas gerais de caráter nacional para o desenvolvimento, implementação e uso responsável de sistemas de inteligência artificial (IA), com o objetivo de proteger os direitos fundamentais e garantir a prática de sistemas que sejam seguros e confiáveis, em benefício da pessoa humana, do regime democrático e do desenvolvimento científico e tecnológico (Art. 1º).

Para isso, o Marco Legal prevê os fundamentos e princípios que nortearão esse desenvolvimento, entre os quais se destacam (i) a centralidade da pessoa humana que, como desenvolvedora e usuária da inteligência artificial, deve garantir que as tecnologias respeitem os direitos fundamentais e valores democráticos, (ii) a proteção ao meio ambiente e desenvolvimento sustentável ao considerar a sustentabilidade ambiental e o impacto das tecnologias de IA na natureza e (iii) o estímulo ao desenvolvimento da tecnologia e inovação, já que permite o sandbox regulatório, ou seja, um ambiente controlado e experimental no qual empresas, startups e outras entidades podem testar inovações ou modelos de negócios sob supervisão regulatória flexível. Esse conceito visa fomentar a inovação ao permitir que as organizações testem novas ideias em um ambiente seguro, com regras adaptadas e acompanhamento regulatório específico (Art. 2º, 3º e 38).

Nesse cenário, a proteção dos dados pessoais destaca-se como uma preocupação central do projeto de lei ao buscar garantir a privacidade e a segurança das informações dos usuários no contexto da inteligência artificial. A legitimação do tratamento de dados, a adoção de parâmetros satisfatórios para a sua e organização e a implementação de medidas de segurança visando protegê-los contra acessos não autorizados ou vazamentos demonstram o compromisso do projeto em garantir a confidencialidade e a integridade dos dados pessoais, promovendo a confiança dos usuários no ambiente digital (Art. 19).

O projeto ainda assegura o direito à não discriminação e à correção de vieses discriminatórios ao estabelecer que os vieses cognitivos humanos passíveis de afetação da coleta de dados e capazes de gerar preconceitos sociais estruturais a serem perpetuados pela tecnologia, precisam ser cautelosamente avaliados com medidas apropriadas de controle. (Art. 20). Assim, a legislação pretende assegurar que a inteligência artificial seja utilizada de forma responsável e em respeito os direitos fundamentais dos indivíduos, promovendo um ambiente de igualdade, confiança e proteção no uso dessa tecnologia.

Com a implementação dessas diretrizes, espera-se um impacto significativo no desenvolvimento da inteligência artificial no Brasil. A previsibilidade jurídica proporcionada pelo Projeto de Lei nº 2338/2023 contribuirá para fomentar a inovação e o investimento em tecnologias de IA, impulsionando o crescimento do setor e estimulando a criação de soluções mais seguras, eficientes e éticas.

 

FONTES:
https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/157233
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/04/24/ia-relator-apresenta-proposta-alinhada-com-regulamentos-da-europa-e-dos-eua
https://www.jota.info/legislativo/marco-legal-da-ia-entenda-os-principais-pontos-do-texto-preliminar-08052024?non-beta=1

INFRAESTRUTURA: seguro-garantia na nova Lei de Licitações

Por Gabriel Furtado e Victória Emannuelle

O seguro-garantia[1] é um instrumento empregado na celebração do contrato administrativo para garantir que tanto o licitante vencedor quanto o contratado cumpram suas obrigações perante a administração pública. Essa ferramenta desempenha um papel de alta relevância na mitigação dos riscos e na garantia da segurança das partes, visando assegurar o cumprimento das cláusulas contratuais em caso de descumprimento, além de cobrir o pagamento de multas, prejuízos e possíveis indenizações.

A nova Lei de Licitações (Lei Federal nº 14.133/2021) introduziu importantes mudanças quanto ao seguro-garantia, em vigor desde o dia 30 de dezembro de 2023, tornando-o obrigatório para contratos de obras e serviços de engenharia de grande vulto, isto é, aqueles com valor igual ou superior a R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais). Porém, a não obrigatoriedade para as obras de menor porte não implica que o seguro-garantia seja dispensado nessas situações, pois sua utilização continua sendo um importante meio de segurança na contratação.

Entretanto, a modificação mais significativa introduzida por aquela lei quanto ao seguro-garantia diz respeito ao percentual da garantia, o qual, para obras de grande porte, pode chegar a 30% (trinta por cento) do valor inicial do contrato.[2] Além disso, a lei autorizou a inclusão de uma cláusula contratual de retomada, conforme estipulado no art. 102,[3] impondo à seguradora a responsabilidade de assumir a execução do contrato para garantir sua conclusão no caso de inadimplência por parte do contratado.

No cenário contratual da infraestrutura brasileira, as modificações introduzidas pela nova lei de licitações mostram-se particularmente vantajosas ao considerar os projetos de infraestrutura, que geralmente são caracterizados por sua complexidade, custos elevados e longa duração, estando sujeitos a uma variedade de riscos que frequentemente resultam em atrasos na conclusão.

Com a entrada em vigor da lei, os contratos administrativos do setor de infraestrutura poderão ter uma maior proteção tanto para a administração pública quanto para as empresas contratadas, de modo a assegurar o cumprimento das obrigações contratuais no caso de inadimplemento, assim como o pagamento das multas, prejuízos ou eventuais indenizações.

Em suma, o seguro-garantia emerge como um elemento muito eficaz no panorama dos contratos administrativos de infraestrutura, garantindo o cumprimento das obrigações contratuais e a proteção tanto para a administração pública quanto para os particulares, com uma maior segurança e mitigação de riscos nos contratos administrativos.

 

[1] Atualmente regulamentado pela Circular SUSEP nº 662/2022.

[2] Art. 99. Nas contratações de obras e serviços de engenharia de grande vulto, poderá ser exigida a prestação de garantia, na modalidade seguro-garantia, com cláusula de retomada prevista no art. 102 desta Lei, em percentual equivalente a até 30% (trinta por cento) do valor inicial do contrato.

[3] Art. 102. Na contratação de obras e serviços de engenharia, o edital poderá exigir a prestação da garantia na modalidade seguro-garantia e prever a obrigação de a seguradora, em caso de inadimplemento pelo contratado, assumir a execução e concluir o objeto do contrato, hipótese em que: I - a seguradora deverá firmar o contrato, inclusive os aditivos, como interveniente anuente e poderá: a) ter livre acesso às instalações em que for executado o contrato principal; b) acompanhar a execução do contrato principal; c) ter acesso a auditoria técnica e contábil; d) requerer esclarecimentos ao responsável técnico pela obra ou pelo fornecimento; II - a emissão de empenho em nome da seguradora, ou a quem ela indicar para a conclusão do contrato, será autorizada desde que demonstrada sua regularidade fiscal; III - a seguradora poderá subcontratar a conclusão do contrato, total ou parcialmente. Parágrafo único. Na hipótese de inadimplemento do contratado, serão observadas as seguintes disposições: I - caso a seguradora execute e conclua o objeto do contrato, estará isenta da obrigação de pagar a importância segurada indicada na apólice; II - caso a seguradora não assuma a execução do contrato, pagará a integralidade da importância segurada indicada na apólice.

ENERGIA: Aprovação do Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten) (PL 327/2021) pela Câmara dos Deputados e a criação do “Fundo Verde”

Por Gabriel Furtado e Luís Guilherme Tavares

No dia 20/03/2024, a Câmara dos Deputados aprovou o texto base do Projeto de Lei nº 327-C/2021, um substitutivo aos PL’s 327/2021 e 5.174/2023, que criou o “Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten)”, como parte do fortalecimento legislativo dos projetos de desenvolvimento sustentável.[1]

Em sua redação, o PL 327-C/2021 destaca os objetivos de “fomentar o financiamento de projetos de desenvolvimento sustentável, aproximar instituições financiadoras de empresas interessadas, permitir a utilização de créditos detidos perante a União e promover a geração de energia de baixo carbono” (art. 2º).

Umas das novidades deste PL que causou maior repercussão foi a criação do “Fundo Verde”, mecanismo econômico destinado a viabilizar a utilização dos créditos que as empresas possuem junto à União – estimado em cerca de R$ 700 bilhões[2] – como garantia para financiamento de projetos relacionados à transição energética, sob administração do BNDES. Assim, as pessoas jurídicas com projetos de desenvolvimento sustentável aprovados poderão integralizar ao Fundo Verde os créditos que detêm junto à União, como os precatórios, direitos creditórios advindos de decisões judiciais e créditos tributários, utilizando-os como garantia para as operações de financiamento.

Essa estrutura de financiamento serve como alternativa aos subsídios[3], visto que não demanda o aporte de recursos públicos, mas sim faz uso de créditos privados pré-existentes das empresas participantes junto à União. Contribuirá, portanto, para enfrentamento de uma das maiores vulnerabilidades dos projetos da transição energética, o alto custo de capital.

Dentre os projetos que poderão ser beneficiados por esse novo mecanismo de garantia estão as iniciativas ligadas à infraestrutura sustentável (expansão ou implantação de parques de produção de energia de matriz renovável), à pesquisa tecnológica voltada à sustentabilidade, aos combustíveis renováveis e de baixo carbono (e.g. etanol, hidrogênio de baixa emissão de carbono, bioquerosene de aviação, biodiesel), à capacitação técnica na área de energia sustentável, à substituição de fontes de energia poluentes e aos projetos de recuperação e valorização energética de resíduos (art. 3º).

O potencial do Paten e do “Fundo Verde” por ele criado fica evidente quando analisado pelo prisma de uma das principais apostas da transição energética brasileira, o hidrogênio “verde ou de baixa emissão de carbono”, já que servirá de catalisador para atração de investimentos para essa indústria, fazendo-o de um modo adequado à realidade brasileira, ou seja, utilizando-se de “estoque de créditos que se encontram estoque de créditos que se encontram disponíveis, mas paralisados por questões jurídicas e por ineficiência do sistema tributário, o Paten busca se interpor entre as vantagens em recursos naturais do país e seus desafios em financiamento”.[4]

Agora o texto segue para análise do Senado Federal, passando a compor o acervo dos grandes projetos legislativos de transição energética a serem acompanhados neste ano, como o “PL dos Combustíveis do Futuro” (PL 528-A/2020) e o Marco regulatório do Hidrogênio Renovável (PL nº 2308/2023 e PL nº 5816/2023). A atenção que eles despertam é proporcional ao impacto na missão de sustentabilidade brasileira, com o país às vésperas de descobrir se a preocupação ambiental é capaz de sair dos discursos às propostas e das propostas à lei.

 

Material base:

https://www.camara.leg.br/noticias/1045082-DEPUTADOS-APROVAM-TEXTO-BASE-DE-PROJETO-QUE-CRIA-O-PROGRAMA-DE-ACELERACAO-DA-TRANSICAO-ENERGETICA

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2399261 

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/paten-acelera-a-transicao-energetica-02042024

https://epbr.com.br/fundo-verde-aprovado-na-camara-e-alternativa-a-subsidios-para-hidrogenio-diz-abhic/

https://epbr.com.br/politicas-brasileiras-para-a-transicao-energetica-e-o-hidrogenio-verde/

MINERAÇÃO: os títulos minerários como garantia real

Por Gabriel Furtado e Mariana Salha

Em 2 de março de 2022, entrou em vigor a Resolução da Agência Nacional de Mineração (ANM) nº 90, de 21 de dezembro de 2021[1], que estabeleceu as hipóteses de oferecimento de direitos minerários como garantia em operações de captação de recursos para o financiamento da mineração. A medida regulamentou os arts. 43 e 44 do Decreto Federal nº 9.406/2018[2], incluindo a possibilidade de oferecer títulos minerários como garantia, uma inovação trazida pela reforma do Regulamento do Código de Mineração (RCM). O decreto abriu espaço para o oferecimento da concessão de lavra para fins de financiamento, deixando para as resoluções da ANM a definição das hipóteses para esse exercício.

Diante disso, a resolução da ANM definiu que a concessão de lavra e o manifesto de mina podem ser oferecidos por seus respectivos titulares como garantias em operações de financiamento. Como mencionado no último texto sobre títulos minerários na coluna[3], a concessão de lavra é o ápice do processo mineral, conferindo ao minerador o direito de explorar e aproveitar o bem mineral após cumprir todas as etapas necessárias. Por outro lado, o manifesto de mina representa a propriedade de uma jazida reconhecida sob a legislação mineral. Essa garantia abrange operações de captação de recursos para o financiamento de empreendimentos minerários em suas diversas modalidades, incluindo operações de crédito pelo sistema financeiro nacional e outras operações estruturadas de financiamento de projetos.

A amplitude dos procedimentos previstos na norma, entretanto, fica restrita às operações relacionadas diretamente aos empreendimentos minerários, como instalação, expansão ou regularização. A resolução não abrange situações em que os direitos minerários são utilizados para garantir projetos ou operações de natureza distinta da mineração. Essa delimitação levanta questões sobre a flexibilidade da aplicação desses mecanismos em contextos mais amplos.[4]

Embora a resolução não especifique a forma da garantia sobre os direitos minerários, ela oferece liberdade aos agentes de mercado para escolherem o instrumento mais adequado, como contrato de penhor ou alienação fiduciária[5]. Contudo, é necessário atentar para os requisitos legais de cada forma de garantia escolhida, garantindo sua eficácia e conformidade com a legislação vigente.

Ademais, o artigo 5º da resolução estabelece mecanismos de proteção ao credor durante o período entre a constituição da garantia e sua baixa. Destaca-se o inciso VI[6], que permite à instituição financiadora realizar atos para evitar a perda do direito minerário dado em garantia. Essa disposição é crucial para proteger os interesses do credor e garantir a efetividade da garantia.

A possibilidade do uso dos títulos minerários como garantia se revela como um impulso significativo para os pequenos e médios mineradores, que muitas vezes enfrentam dificuldades para obter financiamento. Ao possibilitar a utilização dos direitos minerários como garantia real, a resolução abre novas oportunidades de acesso a recursos financeiros.

Nesse contexto, a resolução da ANM inova ao agregar liberalidades tanto para o devedor quanto para o credor, possibilitando intervenções excepcionais visando a preservação dos direitos minerários oferecidos como garantia. Além disso, permite a disposição do bem dado em garantia, como o contrato de arrendamento, desde que com a anuência do credor, ampliando as possibilidades de uso desses direitos.

Tal resolução representa um avanço significativo para o setor minerário, promovendo o acesso a recursos financeiros e incentivando investimentos em uma atividade estratégica para o desenvolvimento econômico do país. A resolução da ANM abre caminho para uma maior segurança jurídica e para a expansão das operações no mercado de mineração.

 

Fontes:

https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/25406081/do1-2018-06-13-decreto-n-9-406-de-12-de-junho-de-2018-2540592

https://in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-anm-n-90-de-22-de-dezembro-de-2021-370065123

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm

https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/11889/3/Radar_n72_Art1_Direitos_minerarios.pdf

 


[1] BRASIL. Resolução ANM no 90, de 22 de dezembro de 2021. Regulamenta os arts. 43 e 44 do Decreto no 9.406, de 12 de junho de 2018, estabelecendo as hipóteses de oferecimento de direitos minerários como garantia em operações de captação de recursos para o financiamento da mineração, bem como os requisitos e condições para que ocorra a transferência da titularidade de tais direitos. Diário Oficial da União, Brasília, v. 242, p. 194, 24 dez. 2021. Seção 1. Disponível em: . Acesso em: 7 nov. 2022.

[2] Art. 43. A concessão da lavra poderá ser oferecida em garantia para fins de financiamento.
   Art. 44. A ANM estabelecerá em Resolução as hipóteses de oneração de direitos minerários e os requisitos e os procedimentos para a averbação de cessões, transferências e onerações de direitos minerários.

[3] https://cidadeverde.com/cadernojuridico/125592/minerios-desafios-e-perspectivas-para-a-regularizacao-da-atividade-mineraria

[4] SOUZA, P. A.; HERRMAN, H. Avaliação econômica dos direitos minerários. Avulso n. 4. Brasília: DNPM, 1980.

[5] VALE, E. Fluxo de fundos para exploração mineral: relatório de pesquisa. Ipea, dez. 2021. 66 p

[6] VI - admite-se a prática, em caráter excepcional, pela instituição financiadora, de atos processuais que visem a evitar o perecimento do direito minerário dado em garantia.

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