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Progressividade tributária, uma questão de justiça (fiscal)

Por Luís Guilherme Tavares Santos[i]

Ante o vínculo de certas ideias, separá-las significa um esvaziamento, por vezes indiferente, por vezes perigoso, mas nunca útil. Tanto quanto a teoria afastada da prática se torna utópica, o direito sem a justiça se torna um tecnicismo sem direção.

 

Cercados por fontes de informações em abundância, a limitação do tempo e do foco que dispomos nos obriga a selecionar ao que devemos direcionar nossa atenção. Assim, filtra-se o relevante do trivial. Mas nem sempre essa informação importante vem própria para o consumo daqueles cujas vidas serão por ela afetadas, já que quando se discute a fixação de alíquotas, cuja incidência majora a carga tributária, resultando em um sistema de tributação regressiva, o teórico se desprende do real e se esvazia para aquele que na prática, deveria compreendê-lo.

Em um período – não mais contado em meses, mas em décadas – no qual se discute a reforma do modelo de tributação no Brasil, a compreensão se torna ferramenta do debate, e o conhecimento difundido é condição para tanto. Antes de decidir o valor de cada imposto, ou o nome a ser dado para um determinada contribuição, cabe os objetivos e valores dessa reforma. Dito simples, que reforma tributária se quer implementar.

Portanto, importante entender o peso de conceitos como a progressividade tributária e a necessidade de que qualquer modelo de reforma debatido a tenha como princípio e fim. Dizer que determinado sistema tributário é progressivo ou regressivo significa um juízo sobre a capacidade do poder público de exigir uma contribuição que respeite a capacidade real dos contribuintes, ou seja, que não haja apenas uma ideia de justiça formal mas um verdadeiro equilíbrio material.[ii]

Essa afirmação de uma avaliação da capacidade contributiva encontra respaldo na Constituição de República[iii], prevendo esta que se deve observar a isonomia na cobrança dos tributos, proibindo que se exija de modo distinto de pessoas em mesma situação ou com base em critérios discriminatórios, mas também em um comando de que o ônus de arrecadação seja dividido pelos cidadãos de acordo com o que possuem e/ou produzem.

Ilustrando, a predominância de tributos incidentes sobre bens de consumo (e.g. alimentos, vestuário) é regressiva pois atinge todos que adquirem estes produtos independentemente de sua capacidade financeira. Diferente seria de uma taxação concentrada no ganho de capitais, cujo montante tributado progressivamente corresponderia ao aumento financeiro.

O cenário brasileiro, além de exigir do contribuinte um esforço adicional para compreende-lo, acaba se revestindo de uma falsa neutralidade, visto que aquilo que parece justo – todos que compram uma caixa de suco pagam o mesmo imposto sobre o valor daquele produto – revela uma verdadeira injustiça fiscal.

Essa inequidade se dá em razão de que ao se buscar a neutralidade na tributação, opta-se por uma igualdade teórica/formal, que em realidade torna a carga tributária maior e mais onerosa para aqueles já vulneráveis em razão da sua capacidade financeira. Mesmo que duas pessoas paguem 25% de tributos sobre um certo bem de consumo, o peso da tributação sobre aquela que menos recebe é maior, visto que entrega maior porcentagem da sua renda para o poder público[iv].

Esse problema, na medida que influi na capacidade dos contribuintes de adquirirem os bens necessários para o seu desenvolvimento, acaba por agravar o desequilíbrio econômico e social presente no Brasil. Discutir o modo como nossa tributação deve ser realizada, e os objetivos dessa arrecadação, não é mais uma simples questão financeira, reverberando em todo um sistema de direitos e garantias subsidiados por esse dever contributivo.

Em trabalho recente sobre a temática, Thiago Álvares Feital questiona se a tributação regressiva, na medida em que se torna verdadeira discriminação (indireta), afeta a esfera dos direitos humanos. Concluindo positivamente, o autor nos deixa com dois questionamentos para refletirmos sobre a regressividade da tributação: “o sistema tributário produz um impacto desproporcional em certos grupos por critérios indevidos?” “a posição daqueles em pior situação é agravada após a tributação?”[v]

Ao responder positivamente para ambas as questões, duas conclusões surgem, a primeira é reconhecer que a progressividade tributária ainda é teoria, distante da prática, a despeito das previsões legais. A segunda é que entendendo a quem o sistema atinge gravemente com reformas alheias à realidade, podemos compreender e formular não um simples modelo contábil adequado, mas uma reforma cujos fins se mostrem – fiscalmente - justos.

Afinal, tributação e isonomia são ideias que não deveriam estar apartadas.

 


[i] Graduado em Direito pela Universidade Federal do Piauí. Membro do escritório Gabriel Furtado Advocacia, atuando nas áreas de Direito Civil, Empresarial e Tributário (OAB/PI nº 20.224). Membro do Grupo de Pesquisa Direito Civil XXI (UFPI) e do Conselho Editorial da Revista Inverbis (UFRN).

[ii]PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. Leandro Paulsen. – 12. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021. 

[iii] Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

[iv] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. Paulo de Barros Carvalho. – 27. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2016.

[v] FEITAL, Thiago Álvares. Tax regressivity as indirect discrimination: an analysis of the Brazilian tax system in light of the principle of non-discrimination. Revista de Informação Legislativa: RIL, Brasília, DF, v. 58, n. 230, p. 219-243, abr./jun. 2021.

Tempo e História: Luiz Gama

Luís Gonzaga Pinto da Gama nasceu em 1830 e era filho da africana Luiza Mahin e de um fidalgo de origem portuguesa, de uma rica família baiana. Aos 10 anos, Luiz Gama foi vendido como escravo pelo próprio pai para pagar dívidas de jogo. Autodidata, conseguiu provar sua liberdade aos 17 anos. Aprofundando seus estudos em São Paulo, se tornou a primeira pessoa escravizada a atuar como advogado no Brasil. Mais tarde, Luiz Gama se tornaria um dos maiores líderes da causa abolicionista e conseguiu libertar centenas de pessoas escravizadas ilegalmente.

Em 2015, a OAB, em homenagem póstuma, concedeu à Luiz Gama o título de advogado, reconhecendo sua contribuição histórica para a advocacia brasileira. Saiba mais sobre o legado desse jurista no seguinte episódio do programa “Tempo e História” da TV Justiça:

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

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Exposição Virtual sobre Luiz Gama

Luiz Gama, reconhecido como advogado postumamente pela OAB em 2015, teve papel de alta relevância no movimento abolicionista no Brasil. A Biblioteca Nacional faz a seguinte apresentação sobre si:

Luiz Gama nasceu na Bahia livre, era filho de uma africana livre e de um fidalgo de origem portuguesa, cujo pai o nome ele nunca revelou. Aos 10 anos, seu pai o vendeu como escravo e foi para São Paulo. No cativeiro, aprendeu a ler e escrever e reconquistou a sua liberdade após provar que havia nascido livre. Daí em diante, sua paixão pelas letras e seu espírito aguerrido não pararam de crescer. Publicou, em 1859, uma coletânea de poemas satíricos, “Primeiras Trovas Burlescas”, onde faz uma crítica social e política da sociedade brasileira, denunciando as questões raciais do ponto de vista negro, na primeira pessoa.

Ativista da causa republicana e abolicionista, colaborou com a sua pena em diversos jornais: Diabo Coxo, Cabrião, Correio Paulistano, A Província de São Paulo, Radical Paulistano, A Gazeta da Corte, onde atuou junto com outros abolicionistas negros como Ferreira de Menezes, André Rebouças e José do Patrocínio. O Radical Paulistano era o órgão de comunicação do Partido Liberal Radical, abolicionista e republicano. Neste jornal, Luiz Gama denunciava violações das leis por parte dos representantes dos senhores. Denunciava sentenças e apontava os erros cometidos por juízes e advogados.

Na sua missão de libertar e garantir o direito dos escravizados, Luiz Gama valeu-se de uma “brecha” no próprio sistema escravista: a lei de 7 de novembro de 1831 que extinguiu o tráfico negreiro. Por esta lei, aqueles  trazidos para o Brasil depois desta data seriam considerados livres. Luiz Gama dedicou-se com afinco e gratuitamente a libertar pessoas escravizadas de várias províncias do Brasil.

Mesmo não sendo “diplomado”, era advogado autodidata com grande cultura jurídica. Luiz Gama possuía uma provisão, documento que autorizava a prática do direito, dada pelo Poder Judiciário do Império. No século XIX, só existiam duas Faculdades de Direito: a de Olinda e São Paulo, de forma que era comum a existência de profissionais do direito provisionados ou rábulas. A formação prática de profissionais ocorria nas mais diversas funções, como engenheiros, dentistas, médicos, entre outras.

A figura do advogado provisionado existiu até a década de 1960, quando o exercício da advocacia passou a ser prerrogativa exclusiva dos bacharéis em direito. Em 2015, a Ordem dos Advogados do Brasil concedeu o título de advogado a Luiz Gama, reconhecendo a sua importância como jurista. Em 2018 recebeu o título de Patrono da Abolição da Escravidão no Brasil e teve seu nome inscrito no livro dos heróis da pátria. Justa homenagem para o advogado da liberdade.

Para manter viva a memória coletiva sobre Luiz Gama, o Tribunal de Justiça de São Paulo lançou uma interessante Exposição Virtual, que pode ser acessada clicando aqui.

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.
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Promessa de compra e venda de imóvel e mora do comprador

O Superior Tribunal de Justiça proferiu recentemente uma decisão relevante em que reconheceu a plena eficácia de cláusula resolutiva expressa presente em contrato de promessa de compra e venda de imóvel. A tese firmada foi a de que, em havendo a mora do comprador como previsto em cláusula resolutiva expressa, não é necessário que o vendedor ajuíze previamente uma ação de resolução contratual para só então manejar uma ação possessória para a retomada do bem. Já pode fazê-lo diretamente, por conta da eficácia de pleno direito daquela cláusula, como previsto no artigo 474 do Código Civil.

Foi esse o destaque da tese firmada: “é possível o manejo de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessário o ajuizamento de ação para resolução do contrato”.

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.
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Condômino Antissocial

O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio é chamado pelo Código Civil de antissocial. Neste vídeo há uma apresentação introdutória sobre seu conceito e seu regime jurídico, com requisitos e consequências gerais:

 

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.
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Contrato imobiliário “built to suit”

Uma modalidade relativamente nova de contrato imobiliário é o built to suit. Neste, em muito apertado resumo, a pessoa proprietária de um bem imóvel nele constrói ou faz uma reforma já em conformidade com as especificações passadas pela pessoa que o alugará. Segue um vídeo introdutório sobre o tema:

 

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.
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Entrevista com Zygmunt Bauman

Zygmunt Bauman, filósofo polonês, reflete sobre a individualização da sociedade contemporânea em entrevista exclusiva concedida a Fernando Schüler e Mário Mazzilli na Inglaterra. Democracia, laços sociais, comunidade, rede, pós-modernidade, dentre outros tópicos analisados por uma das grandes mentes da contemporaneidade. Conferencista do Fronteiras do Pensamento 2011. Segue:

 

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

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Recusa indevida de cobertura por plano de saúde

Plano de saúde deverá indenizar paciente por recusa indevida de cobertura de transplante de fígado. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que condenou um plano de saúde a reembolsar em R$ 87 mil um paciente que, após a recusa da operadora, precisou realizar o transplante de fígado por conta própria.

Para o colegiado, a condenação da operadora de saúde pelos danos materiais causados ao paciente teve embasamento tanto na recusa imotivada da cobertura quanto no descumprimento de sentença proferida em outra ação, a qual já havia determinado ao plano o pagamento do transplante. Veja a reportagem:

 

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

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As perdas e danos na entrega de imóvel comprado “na planta”

Prevê a Lei de Incorporações Imobiliárias que a incorporadora deve responder civilmente, indenizando os adquirentes, por todos os danos ocasionados por atrasos na obra e na entrega do imóvel contratado (art. 43, II). Paralelamente a isso, dispõe o Código Civil que, diante da mora da parte devedora, pode a parte credora – alternativamente – aguardar a entrega da obra ou extinguir o contrato e receber de volta os valores pagos. Em um caso e no outro, com o complemento de indenização por perdas e danos (arts. 395, parágrafo único; e 475).

No caso de a parte compradora optar por aguardar a entrega do imóvel, pode pleitear, por exemplo, uma indenização relativa ao proporcional de aluguéis que teve que pagar a mais pelo retardo na mudança para a nova residência (ou sede, no aso hipotético de ser um imóvel com fins comerciais). Já no caso de optar pela extinção do contrato, tem direito a receber de volta integralmente todos os valores pagos, atualizados monetariamente.

Todavia, nesta última hipótese, o total da indenização a ser paga pela incorporadora não deve englobar a (potencial) valorização do imóvel, uma vez a sua apropriação é cabível apenas na outra alternativa, do aguardo da entrega do imóvel, que lhe é excludente. Não é possível, portanto, a escolha por uma combinação dos melhores efeitos de cada uma das duas alternativas dadas pela lei civil. A parte compradora, ao escolher uma delas, deve ter ciência de estar desistindo dos efeitos benefícios decorrentes da outra.

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

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A incidência de PIS/Cofins no haircut nas renegociações em recuperações judiciais

Manoela Frazão Diógenes[1]

 

Em virtude dos impactos econômicos causados pela pandemia, diversas empresas, como a Livraria Cultura,[2] encontraram dificuldades em cumprir o plano de recuperação judicial que havia sido elaborado antes da atual crise econômica e, se esquivando de uma iminente convolação em falência, têm pedido a aprovação de aditivo ao seu plano de recuperação judicial.

Como é sabido, em se tratando de recuperação judicial, tem-se como objetivo principal a manutenção da atividade daquela empresa que se encontra em situação de dificuldade para cumprir com seu passivo, além de intentar diminuir o impacto econômico às empresas que com ela mantêm obrigações.

Nesse sentido, molda-se a dívida da empresa inadimplente à sua “capacidade econômica”, de maneira que seja viável tanto à recuperanda quanto aos seus credores. Essa “modulação” da dívida é feita através de descontos concedidos pelos credores, o que também é conhecido por “haircut”.

No caso mencionado, da Livraria Cultura, que ganhou visibilidade na mídia, aumentaram os deságios que os credores terão no pagamento dos seus créditos. Em algumas categorias, o haircut chega a 80% do valor de face da dívida. O que por um lado parece desobrigar a recuperanda de grande parte da sua dívida, viabilizando a sua manutenção no mercado, por outro, pode ensejar o nascimento de uma nova obrigação: a tributária.

Na edição da Lei 14.112/20, o Executivo vetou o texto legislativo aprovado pelo Congresso, que previa a não incidência de PIS, Cofins, Imposto de Renda e CSLL às receitas obtidas com a renegociação de dívidas da empresa que passa por recuperação judicial, abrindo margem, a partir daí, para a consideração da incidência destes tributos a esse “proveito econômico”.

A Receita Federal, partindo do conceito contábil de receita, concluiu pela incidência de contribuição ao PIS e de Cofins sobre o valor correspondente à dívida perdoada, pois, de acordo com a Solução de Consulta Cosit 176/2018, “a redução do Passivo sem uma contrapartida do Ativo, em razão de remissão parcial de dívida, aumenta o patrimônio da pessoa jurídica e, como tal, representa receita operacional sujeita à incidência do PIS e da Cofins, independentemente da denominação da operação que proporcionou o ganho”.

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF, corroborando com o entendimento da RFB, decidiu recentemente que seria tributável a receita advinda da redução do passivo sem contrapartida do ativo (Acórdão 9303-008.341). Porém, nem mesmo no CARF este posicionamento é pacífico. Em outro julgamento, a 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara entendeu, por maioria, que a redução do passivo em razão de adesão a parcelamento, não obstante acarrete um reconhecimento contábil de receita, não se sujeita à incidência de contribuição ao PIS e de Cofins (Acórdão 9303008.341).

Nas palavras de Maria Carolina Kraljevic: “O efeito vinculante da Solução de Consulta Cosit para toda a administração tributária, somada ao julgamento da Câmara Superior do CARF, que reflete o posicionamento final do órgão sobre o tema, é fonte de insegurança jurídica para os contribuintes – em que pese haver posicionamentos favoráveis nas câmaras baixas do CARF. Isso porque de tal cenário decorrem (i) a obrigatoriedade de autuação do contribuinte que deixa de tratar como receita tributável os benefícios da baixa do passivo; (ii) a instauração de um contencioso administrativo em torno do tema; e (iii) o provável deslinde desfavorável aos contribuintes em eventual discussão perante o CARF”.[3]

Esta insegurança jurídica, por sua vez, é fruto da adoção equivocada do conceito contábil de receita em detrimento do conceito jurídico. Como bem ensina o Ricardo Mariz de Oliveira: “(...) quando os fatos a serem contabilizados são fatos jurídicos, devem ser interpretados pelos contabilistas exatamente segundo o que o direito prescreve para eles. E, como todas as receitas são derivadas de disciplina jurídica, a contabilidade também está adstrita a enxergá-las com os olhos dos direitos”.

Carlos Augusto Daniel Neto e Fábio Piovesan Bozza demonstram que a evolução legislativa, iniciada com a promulgação da CF/1988, delimita o conceito de receita tributável ao ingresso financeiro vinculado à “consecução de atividades pela pessoa jurídica, por quaisquer meios de produção.” Complementado com o conceito doutrinário de Ricardo Mariz de Oliveira receita tributável pressuporia “ingresso financeiro novo e positivo para a mutação patrimonial, sem reservas ou condições”.

Neste mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal, sob o rito da repercussão geral, dos Recursos Extraordinário nº 606.107 e nº 574.706 entendeu que o conceito tributário de receita bruta não se confunde com o conceito contábil, para fins de apuração da base de cálculo do PIS e da COFINS, “uma vez que aquele deve corresponder ao efetivo ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo”.

É nítido que não deveria prosperar a tributação incidente ao haircut. A uma porque tal “proveito econômico” não se enquadra no conceito jurídico de receita tributável. Ou seja, considerar tributável, significaria uma ampliação irrestrita do conceito constitucional, o que, como demonstrado, não possui amparo legal.

A duas porque, por tratar-se de recuperação judicial, em que se intenta adequar as dívidas da empresa à sua capacidade econômica, não seria possível, sem o haircut, a manutenção da atividade, não sendo esta “dívida descontada” um rendimento positivo e disponível à empresa, estando vinculado aos ditames estabelecidos pelo plano de recuperação. Isto é: na concessão deste desconto não há expressão do signo presuntivo de capacidade contributiva que tivesse o condão de ensejar a incidência destes tributos.

BIBLIOGRAFIA

KRALJEVIC, Maria Carolina Maldonado Mendonça. Tributação da receita: parâmetros, limites constitucionais e aspectos controversos. p. 154-158

DANIEL NETO, Carlos Augusto; BOZZA, Fábio Piovesan. Um tributo ao Perdão – a incidência de PIS/COFINS sobre remissão de dívidas. Revista de Direito Tributário Atual, São Paulo, n. 41.

OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Cofins: conceito de receita e faturamento.

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/politicas-tributarias/tributacao-do-perdao-de-divida-na-transacao-tributaria-21052021?amp=1

 


[1] Acadêmica de Direito (UFPI)

[2]https://veja.abril.com.br/economia/com-novo-plano-de-recuperacao-livraria-cultura-sonha-com-retomada/

[3] KRALJEVIC, Maria Carolina Maldonado Mendonça. Tributação da receita: parâmetros, limites constitucionais e aspectos controversos. p. 154-158

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