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A mediação como forma de solução extrajudicial de conflitos pós pandemia

Por Macela Nunes Leal[1] e Leonardo Ranieri Lima Melo[2]

Juntamente com a pandemia da Covid-19 se instalou uma grave crise econômica e financeira. Tal cenário virou campo fértil para discussões contratuais, inadimplência, desemprego, renegociação de contratos, dentre outras mudanças comportamentais. Dentre essas mudanças destacamos o aumento exponencial de demandas no Poder Judiciário. Há muito a realidade do Judiciário é de lentidão na tramitação dos processos, além de outros aspectos negativos como o custo elevado. Vivenciamos uma crise no sistema de justiça, o qual não consegue dar vazão a todo o contingente de demandas.

Nesse sentido percebemos que os efeitos dessa pandemia impactarão severamente os serviços prestados pelo Poder Judiciário. Como forma de minimizar os efeitos causados pela pandemia, bem como forma de “achatar” a curva de demandas ajuizadas entendemos que a saída é “desjudicializar”, ou seja, estimular a adoção das soluções extrajudiciais e dos meios adequados de solução de conflitos, tais como a mediação. O movimento da “desjudicialização” permite ao usuário do sistema de justiça um maior controle de suas decisões, além de maior satisfação, vez que a solução do conflito é construída pelas partes, diferentemente do que ocorre no processo judicial em que a solução é imposta por um juiz. Questões como remarcação e cancelamento de voos, revisão de contratos e até mesmo questões relativas à direitos indisponíveis, porém, transacionáveis, tais como conflitos de natureza familiar, poderão ser administradas sem a intervenção direta do Judiciário.

Dentre os meios adequados de solução de conflitos destacamos a mediação. A mediação é um método de solução de conflitos em que há a figura de um terceiro imparcial, o mediador. O mediador, através da aplicação de técnicas, facilita o diálogo entre as partes com vistas a restabelecer a comunicação entre estas. É importante esclarecer que o mediador não possui poder decisório, tampouco sugere ou propõe soluções. Na mediação as partes são as protagonistas da solução do conflito, o que proporciona maior satisfação aos envolvidos, uma vez que a solução é construída pelas partes, de acordo com os seus anseios e necessidades.

A escolha da mediação como método de solução de conflitos se revela adequada para o trato de conflitos subjetivos sobretudo nos casos em que há relacionamento entre as partes. Trata-se de um eficiente método, menos engessado se comparado ao processo judicial, mais rápido e menos custoso. É uma prática antiga, porém foi regulamentada no Brasil a partir da Lei nº 13.140 de 2015 (Lei da Mediação). Dessa forma, a mediação tem amparo legal e proporciona segurança jurídica às partes.

Por todo o exposto entendemos que diante do cenário de crise e de pandemia a adoção da mediação se revela bastante vantajosa, visto que propicia soluções criativas, customizadas, conforme as peculiaridades das partes envolvidas.

 

(Este texto não representa necessariamente a opinião da Coluna Caderno Jurídico)

 

[1] Advogada, Escritora e Membro da Comissão de Conciliação, Mediação e Arbitragem e da Comissão de Relação com o Poder Judiciário da OAB/PI.

[2] Bacharel em Direito, Mediador e Árbitro Extrajudicial formado pela ESA-PI, e Membro da Comissão de Mediação, Conciliação e Arbitragem da OAB/PI.

Os contratos precificados em dólar

Dúvida relativamente comum nos contratos em geral se dá quanto à possibilidade ou não de serem precificados em moeda estrangeira. Vimos nas semanas anteriores, por exemplo, alguns contratos de compra e venda de safra futura de soja estipulados em dólar. De saída se pode dizer que tal precificação em moeda estrangeira é válida, mas em situações excepcionais.

A regra desde a instituição do Plano Real (Lei Federal nº 9.069/1995) - de fato, mesmo anteriormente conforme o Decreto-lei nº 857/1969 -, que foi fundamental para a estabilização de preços e para o controle da inflação no Brasil, é de que as estipulações de pagamento de obrigações pecuniárias exequíveis em todo o território nacional devem ser feitas em Real (R$), por seu valor nominal (Lei Federal nº 10.192/2001, art. 1º). Caso sejam feitas em moeda estrangeira serão nulas (STJ, REsp 673468/MG), salvo em algumas hipóteses excepcionais, dentre as quais:

  • aos contratos e títulos referentes a importação ou exportação de mercadorias;
  • aos contratos de financiamento ou de prestação de garantias relativos às operações de exportação de bens e serviços vendidos a crédito para o exterior;
  • aos contratos de compra e venda de câmbio em geral;
  • aos empréstimos e quaisquer outras obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa residente e domiciliada no exterior, excetuados os contratos de locação de imóveis situados no território nacional;
  • aos contratos que tenham por objeto a cessão, transferência, delegação, assunção ou modificação das obrigações referidas no item anterior, ainda que ambas as partes contratantes sejam pessoas residentes ou domiciliadas no país;
  • quando expressamente autorizado por lei federal e nos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre pessoas residentes e domiciliadas no País, com base em captação de recursos provenientes do exterior.

Assim, de forma generalizante estritamente para fins didáticos, pode-se afirmar que excepcionalmente no Brasil são aceitos contratos precificados em moeda estrangeira – comumente em dólar – quando as obrigações pactuadas envolverem prestações a serem cumpridas parcialmente fora do território nacional, ou por pessoa domiciliada no exterior. Por ser o dólar um lastro internacional, admite-se que os preços sejam nesta moeda estipulados a fim de absorver flutuações cambiais e, dessa forma, preservar o equilíbrio econômico do contrato.

Portanto, são válidos, por exemplo, os contratos de compra e venda de safra futura de soja precificados em dólar quando envolverem a exportação da produção a compradores internacionais. Ainda que determinada mercadoria esteja cotada em bolsa internacional, isso por si só não é fundamento para a estipulação do contrato em moeda estrangeira, ainda que apenas como fato de correção monetária.

A regra, finalmente, é de que os contratos celebrados no Brasil devam ser estipulados em Real.

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.
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A revisão dos contratos (VI)

De acordo com o Código Civil (arts. 458 ao 461), são aleatórios os contratos cujo risco internalizado envolva a ocorrência ou não de coisas ou fatos futuros, ou suas quantidades. Isto é, são legítimos os contratos que prevejam, por exemplo, um intervalo de produção agrícola de determinado grão de quantas a tantas sacas por um preço total fixo; se a produção estivesse no mínimo previsto, melhor à parte vendedora, sendo mais vantajoso à parte compradora na hipótese inversa. Estando a produção dentro desse intervalo, nenhuma das partes poderia reclamar o aumento ou a diminuição do preço final pois essa variação seria o próprio risco contratado – a própria álea contratual.

Daí que classicamente se defendia não caber a revisão de contratos aleatórios, haja vista um certo desequilíbrio entre as prestações ser a sua específica função em concreto. Não se admitiria, novamente como exemplo, que alguém reclamasse a revisão do valor pago à Caixa Econômica Federal por um bilhete da Mega-Sena alegando que não teria sido premiado. Isso esvaziaria a razão de existir dessa espécie de contrato, de aposta.

Ocorre que a doutrina civil tem adotado uma outra posição nos últimos anos, admitindo a revisão de contratos aleatórios em algumas pontuais situações. Tal processo revisório teria cabimento quando o desequilíbrio das prestações se desse por conta de riscos não contratados. Isto é, desde que não se relacionasse aos específicos riscos assumidos quanto à ocorrência ou não de coisas ou fatos futuros, ou suas quantidades. Nesse sentido o teor do Enunciado 440 da V Jornada de Direito Civil: “é possível a revisão ou resolução por excessiva onerosidade em contratos aleatórios, desde que o evento superveniente, extraordinário e imprevisível não se relacione com a álea assumida no contrato”.

Portanto, naquele primeiro exemplo se poderia, em tese, pleitear a revisão do contrato de compra e venda de safra futura, estruturado de forma aleatória quanto à quantidade da produção, quando o desequilíbrio se relacionasse não à quantidade de sacas colhidas, mas a uma variação cambial superveniente e imprevisível. Isso quando pactuado em dólar, nas situações em que isso é válido no direito brasileiro, como se verá na próxima semana.

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

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A revisão dos contratos (V)

Um outro caso emblemático sobre revisão judicial dos contratos se deu no julgamento do AgInt nos EDcl no Agravo em Recurso Especial nº 784.056 - SP pelo Superior Tribunal de Justiça. A discussão central se deu quanto ao cabimento ou não do reajuste de preço a ser pago por sacas de sojas por conta do aumento do seu valor de mercado entre a contratação da compra e venda de safra futura e a colheita.

O fato:

Uma cooperativa de agricultores da região de Orlândia/SP contratou junto a dois agricultores a compra e venda de safra futura de soja pelo preço previamente acordado de US$ 9,80 (nove dólares americanos e oitenta centavos) por saca. Se à época da colheita o valor de mercado da saca estivesse abaixo disso, como os agricultores mencionaram no processo que seria o que normalmente ocorria, ainda assim teria que pagar o preço previamente acordado. Ocorre que à época da colheita, ao inverso do corriqueiro conforme afirmação feita pelos agricultores, o valor de mercado da saca de soja subiu, chegando a aproximadamente US$ 17,50 (dezessete dólares americanos e cinquenta centavos).

Por conta disso, os agricultores pleitearam a revisão judicial para o preço a ser pago pela cooperativa fosse aumentado, a fim de se alinhar mais proximamente do valor de mercado vigente à época da colheita. Afirmaram que essa subida extraordinária do preço praticado no mercado fez com que “as estimativas acerca do custo e da variação nos preços destoassem completamente das previsões iniciais”.

A decisão:

O Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão proferida no acórdão recorrido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e, assim, julgou improcedente o pedido de revisão judicial do contrato feito pelos agricultores. Foi mantida, portanto, a obrigação de venda da safra de soja pelo preço de US$ 9,80 (nove dólares americanos e oitenta centavos) por saca.

Na fundamentação, o STJ afirmou que se trava de um contrato aleatório (Código Civil, arts. 458 ao 461) por dizer respeito a fatos futuros – no caso, o preço da saca de soja à época da colheita – cujos riscos foram assumidos de parte a parte. Se o preço caísse, o preço acertado seria vantajoso aos agricultores; se subisse, vantajoso à cooperativa.

Além disso, entendeu-se que o aumento no preço da saca de soja à época da colheita não implicou no aumento dos custos da lavoura. Teria gerado, apenas, uma menor margem de lucro aos agricultores, o que estava ligado essencialmente ao próprio risco do contrato celebrado. Nesse ponto, repetiu trecho da fundamentação apresentada pelo TJSP no acórdão recorrido:

[...] vale a menção de que é perfeitamente válida e eficaz a cláusula que estabelece a entrega futura de sacas de soja pelo valor fixado no ato da contratação, pouco importando a variação do preço de mercado. Quem contrata sabe muito bem das possibilidades de variação do preço, mas pretende estabelecer um valor que lhe atenda aos interesses e traduza segurança. Assim, nenhuma relevância tem, para o caso, o fato de que a soja, em razão do mercado, ter alcançado um valor altíssimo em relação ao convencionado, até porque o inverso poderia ter ocorrido, e esse fator era perfeitamente previsível e foi levado em conta pelas partes. Não há, portanto, fundamento para falar em onerosidade excessiva, que não se confunde com margam de lucro menor, como bem destacou a sentença.

Para o encerramento desta série sobre revisão dos contratos, na próxima semana será abordado o tópico sobre a pertinência de pleitos revisionais em contratos tidos por aleatórios.

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

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A revisão dos contratos (IV)

Um caso emblemático sobre revisão judicial dos contratos se deu no julgamento do Recurso Especial nº 977.007/GO pelo Superior Tribunal de Justiça. A discussão central se deu quanto à possibilidade ou não de revisão de contratos de compra e venda de safra futura de soja, em decorrência de alegado desequilíbrio superveniente provocado pela ocorrência de praga na lavoura conhecida como “ferrugem asiática”.

O fato:

Uma empresa alimentícia e um produtor rural celebraram contratos de compra e venda de safra futura de soja, em que a empresa alimentícia pagou antecipadamente por toda a produção futura pelo preço de saca vigente no mercado à época da celebração dos contratos. Esse preço seria o suficiente para custear toda a produção e ainda entregar lucro ao produtor rural.

Ocorre que durante o cultivo da soja houve a incidência de uma praga conhecida como “ferrugem asiática”, o que ocasionou na perda de uma boa parte da lavoura. Assim, para que o vendedor pudesse adimplir o contrato entregando as quantidades de sacas de soja contratadas, teria que ir ao mercado comprar soja de outros produtores para então entregá-la à compradora.

Assim, pleiteou judicialmente a revisão daqueles contratos sob a alegação de ter ocorrido um desequilíbrio nas prestações por fato superveniente e imprevisível, “pois tal praga jamais havia se manifestado na região”.

O direito:

O Superior Tribunal de Justiça entendeu que não seria cabível a pleiteada revisão judicial dos contratos de compra e venda de safra futura de soja pois, conforme precedentes similares do próprio STJ, intempéries naturais e pragas “são circunstâncias absolutamente previsíveis na agricultura, que o produtor deve levar em consideração quando contrata a venda para entrega futura”. Disse o STJ em outro julgado semelhante, inclusive que “A ‘ferrugem asiática’ na lavoura não é fato extraordinário e imprevisível, visto que, embora reduza a produtividade, é doença que atinge as plantações de soja no Brasil desde 2001, não havendo perspectiva de erradicação a médio prazo, mas sendo possível o seu controle pelo agricultor”.

Na próxima semana veremos mais um julgado dos tribunais brasileiros sobre a revisão judicial dos contratos.

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

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A revisão dos contratos (III)

No direito privado brasileiro há três principais previsões legislativas para a revisão judicial dos contratos: arts. 317 e 480 do Código Civil, e 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor. Em que pesem as diferenças em seus regimes jurídicos, que existem, há um traço que lhes é comum, que é a busca da manutenção de um equilíbrio das prestações contratualmente assumidas.

Quando da celebração de um contrato, as partes fazem cálculos de custos e benefícios, e daí assumem determinados riscos imaginando que obterão benefícios ao longo da relação contratual. A imagem não deve ser de uma caça predatória de um contratante ao outro, mas de uma simbiose, em que necessidades emparelhadas serão supridas por comportamentos mútuos. É possível assim um “ganha-ganha”.

Ocorre que em algumas situações a ocorrência de fatos supervenientes, isto é, ocorrentes depois da formação do contrato, venham a causar desequilíbrios àquela equivalência inicial das prestações. Com isso, eventualmente pode uma relação contratual se tornar excessivamente penosa a uma das partes contratantes com extrema vantagem à outra. Assim, se esse desequilíbrio derivar da ocorrência de fatos/motivos posteriores e fossem imprevisíveis – o que é diferente de serem previsíveis, mas não previstos – à época da celebração do contrato, há uma janela legislativa para o pleito da revisão contratual. Busca-se proteger os contratantes contra surpresas futuras.

A propósito, nas relações de consumo não se exige que tais fatos/motivos fossem imprevisíveis à época da celebração do contrato, bastando que sejam posteriores. Isto é, não é necessário que a pessoa consumidora demonstra que tais fatos/motivos não eram previsíveis quando da contratação, mas deve demonstrar que não existiam à época da contratação.

Nas próximas semanas veremos algumas aplicações da revisão dos contratos na jurisprudência de tribunais brasileiros.

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

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A revisão dos contratos (II)

Os contratos exercem função de importância central nas relações civis pois se destinam a trazer segurança jurídica aos contratantes quanto às obrigações assumidas. Isso faz com que haja uma tendência de diminuição nos riscos das operações econômicas travadas, propiciando que as pessoas se sintam mais confortáveis a negociarem com mais frequência. Por conta disso, haveria maior circulação de riquezas e geração de ganhos sociais e econômicos – de modo que a execução de um contrato não interessa apenas aos contratantes, mas também à coletividade em geral, daí também dever cumprir uma função social.

A estabilidade, portanto, é tanto um pressuposto como um efeito dos contratos. É por essa razão que o ordenamento jurídico, mais especificamente no que é relativo às relações contratuais, foi construído de forma a fortalecer a segurança jurídica das contratações em geral. O cumprimento das obrigações contratualmente assumidas é a regra e o fim ótimo desta relação jurídica. O inadimplemento, não. Por isso, os mecanismos que afastam os contratantes do cumprimento integral do contrato devem ser tidos como excepcionais.

É nesse ponto em que se faz pertinente o estudo da revisão dos contratos. Rever um contrato significa alterar o conjunto de obrigações assumidas (chamado de programa contratual), seja por novo acordo de vontade entre os contratantes, seja por intervenção externa pelo Poder Judiciário. A revisão consensual, por novo acordo de vontades, é muito pouco problemática visto que provinda dos próprios contratantes. Já a revisão provinda de intervenção do Poder Judiciário é mais traumática, uma vez que externa aos contratantes – geralmente motivada pelo interesse de apenas um ou alguns dos contratantes, mas não de todos.

Assim, há de se ter bastante cautela quanto à revisão judicial dos contratos. Esse mecanismo não deve ser compreendido como adequado e pertinente em todos os contratos e em todas as hipóteses. Ao contrário, deve ser tido como estratégia excepcional, com restrita aplicação judicial. A lei, a doutrina e a jurisprudência alinham alguns critérios para tanto, que serão abordados nas próximas semanas.

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

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A revisão dos contratos (I)

É fato notório que a pandemia vivida em todo o mundo por conta do novo coronavírus (SARS-CoV-2) tem provocado grandes turbulências nas relações contratuais. Assim, no objetivo de compartilhar informações com a população em geral, nas próximas semanas escreverei sobre a revisão dos contratos no Direito Privado (Direito Civil e Empresarial). Abordarei questões legislativas, jurisprudenciais e doutrinárias. Uma série semelhante à feita em relação à recuperação judicial e extrajudicial de empresas (veja aqui, aqui, aqui, aqui e aqui).

 

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A situação dos profissionais da saúde do grupo de risco na linha de frente no combate à Covid-19

Por Blenda Lima Cunha[1] e Lorrany Pinheiro Thibes[2]

 

A Lei 13.979/2020, que trata sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do Coronavírus, foi publicada no dia 07 de fevereiro deste ano, quando sequer haviam casos confirmados no Brasil da Covid-19. Entretanto, sua necessidade foi decorrente do fato de que diversos países ao redor do mundo já se encontravam com a rápida disseminação. 

O artigo 2º da referida Lei, descreve em seu texto, o que são consideradas medidas de isolamento e quais aquelas de quarentena, sendo que ambas as medidas visam evitar maior contaminação ou a propagação do vírus. 

Mesmo com as medidas já adotas para a contenção da Covid-19, muitas pessoas serão inequivocamente afetadas, algumas apresentarão sintomas típicos de gripe, outras, porém, sofrerão consequências maiores, decorrentes da sinergia com doenças preexistentes. 

Desta forma, o governador do Estado do Piauí, no dia 16 de março de 2020, reconhecendo as declarações de emergência em saúde pública de importância nacional e internacional, estabelecera via decreto quais medidas seriam tomadas para evitar a propagação do vírus e quais serviços seriam considerados essenciais, declarando no dia 19 de março de 2020 estado de calamidade pública.

Entre as medidas adotadas pelo governador, houve a interrupção das férias dos profissionais da saúde, com o consequente retorno destes ao trabalho, tendo tais servidores suas jornadas de trabalho alteradas, devido a pandemia em que o país vive atualmente. 

Logo, todos os profissionais foram convocados pelo Estado e Município para prestarem seus serviços nas urgências decorrentes da Covid-19, inclusive aqueles que fazem parte do chamado grupo de risco.

De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), a melhor medida a ser tomada no combate a propagação do vírus é a do isolamento social. "Cada país deve isolar os doentes e colocar em quarentena seus contatos e considerar o distanciamento social - como o cancelamento de grandes reuniões ou o fechamento de escolas - para diminuir a transmissão e salvar vidas". Tal medida abrange todas as pessoas e, em especial, aquelas que foram incluídas no grupo de risco.

Ocorre que não existe nenhuma decisão de fato que resguarde o direito e proteja esses profissionais da saúde que compõe o grupo de risco. A falta de uma posição do Governo frente a necessidade de observações especiais de proteção a essa classe, somada a deficiência de condições adequadas de trabalho, a exemplo da contumaz escassez de EPIs, tornam os executores de tais atividades um dos grupos mais vulneráveis à contaminação pelo coronavírus, tendo em vista que estes possuem um contato direto com a pessoa infectada.

Diante disso, ressurge com grande intensidade o seguinte questionamento: o profissional da saúde que faz parte do grupo de risco deve estar na linha de frente no combate à pandemia?

Seguindo esta linha, e se valendo do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que é a base de todo o ordenamento jurídico pátrio, o artigo 5° da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, observa até onde o Estado pode ir, até onde o Estado pode intervir na vida de um cidadão. 

Certo que esse princípio é a base do ordenamento jurídico, também encontramos o mesmo no rol de direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição Federal e que não podem ser interpretados de maneira que desfavoreçam o cidadão, pois caso ocorra, estaria o Estado aniquilando a proteção na qual o cidadão tem direito. 

Assim, para podermos ter uma compreensão melhor acerca da dignidade da pessoa humana, precisamos ressaltar o artigo 1º da Constituição Federal, que tem como fundamento o Estado Democrático de Direito, o direito à vida. Nesse sentido, o ordenamento jurídico pátrio não protege apenas à vida no sentindo stricto sensu, mas no sentido lato sensu, garantindo uma vida digna à todos os cidadãos. 

Desta forma, ao convocar todos os profissionais da área da saúde, sem distinguir quem faz parte do grupo de risco para exercerem a sua profissão na linha de frente da pandemia, ofende o princípio da dignidade da pessoa humana, partindo do preceito de que é a vida humana o fundamento do Estado, e aquela não deve ser vista apenas no sentido stricto sensu, não se podendo salvar uma vida a qualquer custo em detrimento de tantas outras vidas colocadas em risco. 

A concepção do direito à vida expresso no texto da Constituição, transcende qualquer valor, sentimento ou juramento realizado pelos profissionais da saúde ao se formar, dentro do escopo da liberdade pessoal. Nesta linha de raciocínio, o Estado não pode decidir a vida do seu cidadão, mesmo sendo esse um profissional da saúde e estando o país em estado de calamidade pública.

Apesar de o Governo no seu decreto afirmar que os servidores da saúde pública não devem parar suas atividades, estes quando fazem parte do grupo de risco não podem ser expostos a essa pandemia de forma indiscriminada.

Ademais, diante da situação que vivemos hoje, mostra-se imprescindível que novas medidas sejam tomadas, como a contratação de mais profissionais da saúde, mesmo que temporariamente, a priorização de feitura de testes para coronavírus nos profissionais da saúde que estão no grupo de risco, a realocação destes profissionais para ambientes que ofereçam menos riscos, a liberação de mais recursos para saúde, sem olvidar da contratação imediata de médicos através do Programa Mais Médicos, e ainda, a colaboração dos estudantes de cursos da saúde que tiverem sido dispensados das aulas.

Por todo exposto, conclui-se que é sabido que o país está em crise e que estão ocorrendo mais demissões que contratações, mas também é hora de adotar uma postura mais firme no sentido de resguardar a vida destes profissionais. O direito à vida e à saúde devem ser uma prioridade para o Estado.

 

(Este texto não representa necessariamente a opinião da Coluna Caderno Jurídico)

 


[1] Advogada – OAB/PI 16.633, Pós-Graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário, Membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB/PI.

[2] Advogada – OAB/PI 15.595, Especialista em Direito e Processo do Trabalho, Especialista em Direito e Processo Civil.

Lojas varejistas e o teto de juros para crediários

Lojas dedicadas ao comércio varejista em geral não podem, na venda por crediário, estipular juros remuneratórios superiores a 1% ao mês, ou 12% ao ano. Por não se equipararem a instituições financeiras e não estarem sujeitos à fiscalização e à regulação do Conselho Monetário Nacional (CMN), esses estabelecimentos devem respeitar o limite fixado pelo Código Civil nos artigos 406 e 591. Segue vídeo institucional do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto:

 

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

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