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A situação dos profissionais da saúde do grupo de risco na linha de frente no combate à Covid-19

Por Blenda Lima Cunha[1] e Lorrany Pinheiro Thibes[2]

 

A Lei 13.979/2020, que trata sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do Coronavírus, foi publicada no dia 07 de fevereiro deste ano, quando sequer haviam casos confirmados no Brasil da Covid-19. Entretanto, sua necessidade foi decorrente do fato de que diversos países ao redor do mundo já se encontravam com a rápida disseminação. 

O artigo 2º da referida Lei, descreve em seu texto, o que são consideradas medidas de isolamento e quais aquelas de quarentena, sendo que ambas as medidas visam evitar maior contaminação ou a propagação do vírus. 

Mesmo com as medidas já adotas para a contenção da Covid-19, muitas pessoas serão inequivocamente afetadas, algumas apresentarão sintomas típicos de gripe, outras, porém, sofrerão consequências maiores, decorrentes da sinergia com doenças preexistentes. 

Desta forma, o governador do Estado do Piauí, no dia 16 de março de 2020, reconhecendo as declarações de emergência em saúde pública de importância nacional e internacional, estabelecera via decreto quais medidas seriam tomadas para evitar a propagação do vírus e quais serviços seriam considerados essenciais, declarando no dia 19 de março de 2020 estado de calamidade pública.

Entre as medidas adotadas pelo governador, houve a interrupção das férias dos profissionais da saúde, com o consequente retorno destes ao trabalho, tendo tais servidores suas jornadas de trabalho alteradas, devido a pandemia em que o país vive atualmente. 

Logo, todos os profissionais foram convocados pelo Estado e Município para prestarem seus serviços nas urgências decorrentes da Covid-19, inclusive aqueles que fazem parte do chamado grupo de risco.

De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), a melhor medida a ser tomada no combate a propagação do vírus é a do isolamento social. "Cada país deve isolar os doentes e colocar em quarentena seus contatos e considerar o distanciamento social - como o cancelamento de grandes reuniões ou o fechamento de escolas - para diminuir a transmissão e salvar vidas". Tal medida abrange todas as pessoas e, em especial, aquelas que foram incluídas no grupo de risco.

Ocorre que não existe nenhuma decisão de fato que resguarde o direito e proteja esses profissionais da saúde que compõe o grupo de risco. A falta de uma posição do Governo frente a necessidade de observações especiais de proteção a essa classe, somada a deficiência de condições adequadas de trabalho, a exemplo da contumaz escassez de EPIs, tornam os executores de tais atividades um dos grupos mais vulneráveis à contaminação pelo coronavírus, tendo em vista que estes possuem um contato direto com a pessoa infectada.

Diante disso, ressurge com grande intensidade o seguinte questionamento: o profissional da saúde que faz parte do grupo de risco deve estar na linha de frente no combate à pandemia?

Seguindo esta linha, e se valendo do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que é a base de todo o ordenamento jurídico pátrio, o artigo 5° da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, observa até onde o Estado pode ir, até onde o Estado pode intervir na vida de um cidadão. 

Certo que esse princípio é a base do ordenamento jurídico, também encontramos o mesmo no rol de direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição Federal e que não podem ser interpretados de maneira que desfavoreçam o cidadão, pois caso ocorra, estaria o Estado aniquilando a proteção na qual o cidadão tem direito. 

Assim, para podermos ter uma compreensão melhor acerca da dignidade da pessoa humana, precisamos ressaltar o artigo 1º da Constituição Federal, que tem como fundamento o Estado Democrático de Direito, o direito à vida. Nesse sentido, o ordenamento jurídico pátrio não protege apenas à vida no sentindo stricto sensu, mas no sentido lato sensu, garantindo uma vida digna à todos os cidadãos. 

Desta forma, ao convocar todos os profissionais da área da saúde, sem distinguir quem faz parte do grupo de risco para exercerem a sua profissão na linha de frente da pandemia, ofende o princípio da dignidade da pessoa humana, partindo do preceito de que é a vida humana o fundamento do Estado, e aquela não deve ser vista apenas no sentido stricto sensu, não se podendo salvar uma vida a qualquer custo em detrimento de tantas outras vidas colocadas em risco. 

A concepção do direito à vida expresso no texto da Constituição, transcende qualquer valor, sentimento ou juramento realizado pelos profissionais da saúde ao se formar, dentro do escopo da liberdade pessoal. Nesta linha de raciocínio, o Estado não pode decidir a vida do seu cidadão, mesmo sendo esse um profissional da saúde e estando o país em estado de calamidade pública.

Apesar de o Governo no seu decreto afirmar que os servidores da saúde pública não devem parar suas atividades, estes quando fazem parte do grupo de risco não podem ser expostos a essa pandemia de forma indiscriminada.

Ademais, diante da situação que vivemos hoje, mostra-se imprescindível que novas medidas sejam tomadas, como a contratação de mais profissionais da saúde, mesmo que temporariamente, a priorização de feitura de testes para coronavírus nos profissionais da saúde que estão no grupo de risco, a realocação destes profissionais para ambientes que ofereçam menos riscos, a liberação de mais recursos para saúde, sem olvidar da contratação imediata de médicos através do Programa Mais Médicos, e ainda, a colaboração dos estudantes de cursos da saúde que tiverem sido dispensados das aulas.

Por todo exposto, conclui-se que é sabido que o país está em crise e que estão ocorrendo mais demissões que contratações, mas também é hora de adotar uma postura mais firme no sentido de resguardar a vida destes profissionais. O direito à vida e à saúde devem ser uma prioridade para o Estado.

 

(Este texto não representa necessariamente a opinião da Coluna Caderno Jurídico)

 


[1] Advogada – OAB/PI 16.633, Pós-Graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário, Membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB/PI.

[2] Advogada – OAB/PI 15.595, Especialista em Direito e Processo do Trabalho, Especialista em Direito e Processo Civil.

Lojas varejistas e o teto de juros para crediários

Lojas dedicadas ao comércio varejista em geral não podem, na venda por crediário, estipular juros remuneratórios superiores a 1% ao mês, ou 12% ao ano. Por não se equipararem a instituições financeiras e não estarem sujeitos à fiscalização e à regulação do Conselho Monetário Nacional (CMN), esses estabelecimentos devem respeitar o limite fixado pelo Código Civil nos artigos 406 e 591. Segue vídeo institucional do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto:

 

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

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O papel do Direito no combate à crise do Covid-19

O Direito possui funções essenciais diante de uma crise como a pandemia do novo coronavírus. Uma delas é apresentar os princípios fundamentais que devem orientar todas as ações do Estado. Assista no FGV - Impactos do COVID-19:

 

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

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Devagar com o andor: coronavírus e contratos

Devagar com o andor: coronavírus e contratos - Importância da boa-fé e do dever de renegociar antes de cogitar de qualquer medida terminativa ou revisional

Por Anderson Schreiber

Multiplicam-se, nos últimos dias, artigos jurídicos sobre o impacto do coronavírus nas relações contratuais. A maioria dos textos qualifica a pandemia como "caso fortuito ou força maior", concluindo, a partir daí, que os contratantes não estão mais obrigados a cumprir seus contratos, nos termos expressos do artigo 393 do Código Civil brasileiro1. Outros preferem qualificar o espantoso avanço do novo coronavírus como "fato imprevisível e extraordinário", invocando o artigo 478 do Código Civil2 para deixar ao contratante a opção de extinguir o contrato ou exigir sua revisão judicial.

Há, nos dois casos, um erro metodológico grave, que se tornou comum no meio jurídico brasileiro: classificar os acontecimentos em abstrato como "inevitáveis", "imprevisíveis", "extraordinários" para, a partir daí, extrair seus efeitos para os contratos em geral. Nosso sistema jurídico não admite esse tipo de abstração. O ponto de partida deve ser sempre cada relação contratual em sua individualidade. É preciso, antes de se qualificar acontecimentos em teoria, compreender o que aconteceu em cada contrato: houve efetivamente impossibilidade de cumprimento da prestação pelo devedor? Ou – hipótese que será necessariamente diversa – houve excessiva onerosidade para o cumprimento da prestação? Ou houve, ainda, algum impacto diverso sobre a relação contratual (como a frustração do fim contratual, o inadimplemento antecipado etc.)? Ou não houve, como é possível, impacto algum? São situações completamente distintas que somente podem ser aferidas à luz de cada contrato e é somente após a verificação do que ocorreu em cada relação contratual que se deve perquirir a causa (ou as causas) de tal ocorrência.

Em outras palavras: é somente à luz da impossibilidade da prestação específica de um contrato que se pode cogitar, tecnicamente, de caso fortuito ou força maior para fins de liberação do devedor. E o mesmo vale para acontecimentos ditos extraordinários ou imprevisíveis, noção que somente faz sentido juridicamente diante da aferição específica de excessiva onerosidade para o cumprimento de um determinado contrato3. Não se pode classificar acontecimentos – nem aqueles gravíssimos, como uma pandemia – de forma teórica e genérica para, de uma tacada só, declarar que, pronto, de agora em diante, todos os contratos podem ser extintos ou devem ser revistos.

Aliás, mesmo nos casos concretos em que houver impossibilidade ou excessiva onerosidade, não será necessariamente a pandemia em si o evento que afeta o contrato. Em muitos casos, o impacto nos contratos está sendo gerado por restrições adotadas pela Administração Pública – fato do príncipe, na expressão consagrada na tradição publicista – em virtude da pandemia. São essas restrições e sua influência sobre cada contrato que precisam ser analisadas individualmente. E mais: mesmo quando se estiver diante de situações de impossibilidade do cumprimento da prestação ou de excessiva onerosidade para o seu cumprimento, como ocorre, por exemplo, com contratos de transporte diante de fechamento de fronteiras e outras restrições à circulação de pessoas, é preciso ter muito cuidado com fórmulas generalizantes ou soluções em abstrato, especialmente aquelas que podem ser invocadas para embasar o descumprimento de contratos em meio a um cenário de crise.

Como diz o sábio provérbio, surgido nas procissões religiosas realizadas no interior do Brasil: "devagar com o andor que o santo é de barro". A queda acentuada das bolsas de valores, associada à baixa dos preços do petróleo, e outros tantos fatores negativos que se associaram naquilo que muitos já consideram uma "tempestade perfeita", pode tornar desinteressante a preservação de muitos contratos já firmados. Nem por isso se terá aí fundamento jurídico para rompimento ou mesmo para revisão do contrato, se não houver impacto econômico direto sobre as prestações devidas. Não custa lembrar que, para a economia em geral e para a própria preservação das relações sociais, é imprescindível que a maior parte dos contratos já firmados seja mantida e que as prestações devidas sejam cumpridas. O adequado abastecimento dos centros urbanos, para ficar em apenas um exemplo, depende fundamentalmente disso. O velho pacta sunt servanda não merece ataques desnecessários nesse momento.

A propósito, convém registrar que, mesmo no âmbito daqueles contratos cujas prestações sejam economicamente afetadas pelas restrições a todos impostas neste momento, antes de qualquer pleito revisional deve-se recorrer à boa-fé objetiva e ao dever de renegociar. Soluções alternativas podem e devem ser encontradas pelos próprios contratantes para preservar o cumprimento de seus contratos, tanto mais na situação que estamos vivendo, em que o Poder Judiciário, em funcionamento restrito, deve ser acionado apenas para situações realmente urgentes. Extinção de vínculos contratuais e revisão judicial de contratos são remédios extremos que as partes têm o dever de evitar sempre que possível, diante do imperativo de mútua cooperação e lealdade que deriva do artigo 422 do Código Civil brasileiro e do princípio constitucional da solidariedade social (art. 3º, I).

A pandemia já está exigindo de todos nós – e promete exigir ainda mais – sacrifícios pessoais e econômicos. É hora de suportarmos todos, na medida das nossas forças, esses sacrifícios. À ciência jurídica compete servir de instrumento para soluções que preservem, tanto quanto possível, os direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros e as bases econômicas necessárias para que esses direitos sejam exercidos em sua máxima intensidade. Para isso, é importantíssimo preservar tanto quanto possível os contratos já celebrados, evitando o risco real de que, em um cenário de crise, os instrumentos jurídicos sejam manipulados de modo oportunista por aqueles que não têm real necessidade de aplicá-los.

__________

1 "Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir".

2 "Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação". A revisão judicial do contrato encontra, por sua vez, amparo no artigo 317 do Código Civil, consoante interpretação amplamente majoritária na doutrina brasileira.

Fonte: Migalhas Contratuais

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

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Recuperação judicial de empresas (V)

Novo episódio da série, dessa vez tratando sobre a assembleia-geral de credores e corolários:

 

 

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Recuperação judicial de empresas (IV)

Novo episódio da série, dessa vez tratando sobre o plano de recuperação judicial de empresa:

 

 

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Recuperação judicial de empresas (III)

Novo episódio da série, dessa vez tratando sobre a prorrogação do prazo de suspensão de execuções relativas ao processo de recuperação judicial de empresas:

 

 

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Recuperação judicial de empresas (II)

Novo episódio da série “Direito Civil em pílulas”, desta vez sobre a recuperação judicial de empresas:

 

 

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Recuperação judicial de empresas (I)

Novo episódio da série “Direito Civil em pílulas”, desta vez sobre a recuperação judicial de empresas:

 

 

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A Nova Lei de Franquias (IV)

Por fim, a nova Lei de Franquias disciplinou algumas questões relativas à sublocação de ponto comercial pela franqueadora à franqueada. Isto é, a possibilidade de a franqueadora locar um ponto comercial de terceiro e, então, sublocá-lo à franqueada. Nessa situação, a lei trouxe duas disposições especialmente relevantes:

 

  • Tanto a franqueadora quanto a franqueada terão legitimidade para propor a renovação do contrato de locação do imóvel ao terceiro, sendo vedada a exclusão de uma ou de outra na ocasião da renovação ou prorrogação contratual (salvo nos casos de inadimplência dos respectivos contratos ou do contrato de franquia); e
  • A franqueadora pode obter lucro específico com essa sublocação, cobrando da franqueada um valor superior ao pago ao terceiro locador, desde que (i) essa possibilidade esteja expressa e clara na Circular de Oferta de Franquia e no contrato, e (ii) o valor pago a maior ao franqueador na sublocação não implique excessiva onerosidade ao franqueado, garantida a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da sublocação na vigência do contrato de franquia.

 

Quanto às condições gerais do contrato de locação, pontuam-se as seguintes previsões em especial:

 

  • Os contratos de franquia serão escritos em língua portuguesa e regidos pela legislação brasileira, excetuando-se os de franquia internacional que toquem mais de um sistema jurídico (que ainda assim deverão ser redigidos em língua portuguesa ou para ela traduzidos de forma certificada); e
  • As partes contratantes poderão optar pela arbitragem como meio de solução de eventuais litígios contratuais; e
  • A relação jurídica de franquia observará o disposto na legislação de propriedade intelectual vigente no Brasil.

 

A nova Lei de Franquia entra em vigência no próximo dia 27 de março de 2020.

 

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