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DIREITO CONCORRENCIAL: a importância da Lei Antitruste no processo de fusão de empresas no Brasil

Por Gabriel Furtado e Mariana Salha

No final de janeiro deste ano, o anúncio de fusão entre as empresas do grupo Arezzo e do Grupo Soma, duas gigantes da moda no país, movimentou o debate sobre a concorrência e o acúmulo de capital no mercado brasileiro. Com a aprovação da fusão pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), a união das duas empresas forma um negócio com faturamento total de R$ 12 bilhões. Trata-se do maior conglomerado de moda do Brasil, reunindo 34 marcas e mais de duas mil lojas. A fusão entre as duas empresas foi anunciada no início de fevereiro de 2024. De acordo com o acordo firmado, os acionistas da Arezzo&Co obterão 54% de participação na nova empresa, enquanto os acionistas do Grupo Soma, que detêm marcas como Animale, Maria Filó e Hering, ficarão com os restantes 46%.

Embora inicialmente essa fusão possa gerar dúvidas sobre seu impacto na proteção do mercado e do consumidor, é fundamental ressaltar que o processo de fusão de empresas atualmente é regulamentado pela Lei nº 12.529/2011[1], que definiu critérios claros para determinar a atuação do CADE[2] na prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica.

Primeiramente, é importante pontuar que nem todos os processos de fusão precisam passar pelo CADE. Conforme a Portaria Interministerial nº 994, de 30 de maio de 2012[3], ainda em vigor, devem ser submetidos à análise do CADE os atos de concentração econômica em que, cumulativamente: (i) pelo menos uma das empresas ou grupos econômicos tenha alcançado o faturamento de R$ 750 milhões no ano anterior à operação, e; (ii) pelo menos uma das empresas ou grupos econômicos tenha atingido o faturamento de R$ 75 milhões no mesmo período.

Com base na previsão legal e no critério objetivo de notificação, a autoridade antitruste analisa se existem preocupações concorrenciais. Primeiramente há a definição dos mercados relevantes dos Grupos Econômicos envolvidos, considerando também o ponto de vista geográfico e os produtos em questão (se complementares ou substituíveis). A partir de uma compreensão detalhada do mercado, o CADE avalia se a operação pode ser aprovada integralmente, aprovada com restrições ou, eventualmente, reprovada[4]. Essa análise de mercado assegura o equilíbrio da livre concorrência e da livre iniciativa, princípios fundamentais do antitruste.

Assim, é de extrema importância que as empresas envolvidas nesse processo tenham antes de tudo a iniciativa de procurar o CADE, uma vez que a lei antitruste enfatiza a necessidade de análise prévia da operação (ex ante). Nesse sentido, as empresas não podem trocar informações sensíveis do ponto de vista concorrencial. A consumação prévia da operação configura o chamado “gun jumping”, que se refere à prática de atos de consumação da operação antes que a autoridade antitruste se manifeste pela aprovação total, aprovação com restrições ou reprovação (ocorrendo em menos de 1% dos casos).[5]

O gun jumping é uma infração processual e, quando constatada, deve ser instaurado um procedimento administrativo para apuração de ato de concentração (Apac).[6] É dentro do Apac que também se verifica a necessidade de imposição de sanção, na forma de pagamento de uma contribuição pecuniária. Nesse contexto, qualquer operação deve ser apresentada ao Cade quando as partes (ou seus grupos econômicos) cumprem com os requisitos objetivos estabelecidos na LDC. Isso se aplica à cadeia industrial e ao varejo da moda nacional, como ocorreu nos casos já analisados historicamente.

Assim, tanto a consumação de uma operação de notificação obrigatória que tenha sido notificada ao Cade (mas sem decisão final), quanto uma operação não notificada (que deveria ter sido em razão do critério de faturamento), abrem espaço para a configuração do gun jumping e imposição de uma sanção pecuniária que pode variar de R$ 60 mil até R$ 60 milhões.

Dessa forma, a fusão entre Arezzo&Co e o Grupo Soma é um exemplo claro da importância da análise antitruste em todos os desenhos societários, notificada ao Cade devido aos faturamentos das respectivas empresas/grupos econômicos. O Cade aprovou a fusão sem restrições, pois a empresa resultante representará menos de 20% do mercado de moda brasileiro, além disso, a Arezzo&Co atua principalmente no segmento de calçados, com vestuário sendo um segmento secundário, o que reduz ainda mais a concorrência. O Grupo Soma, em contraste, foca em artigos de vestuário, com menor atuação no segmento de calçados.

O parecer da Superintendência-Geral do Cade destaca que "como justificativa para a realização da operação, as requerentes explicam que a combinação de portfólios de marcas predominantemente complementares contribuirá para a sua maior resiliência em mercados altamente competitivos. Além disso, a operação traz ganhos de sinergia na gestão de canais de venda, otimização de operações industriais e possibilidade de desenvolvimento de novas linhas de negócios".

 

[1] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12529.htm

[2] https://www.gov.br/pt-br/orgaos/conselho-administrativo-de-defesa-economica

[4] DOMINGUES, Juliana Oliveira; GABAN, Eduardo Molan. Direito Antitruste. 5ª ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024

[5] https://cdn.cade.gov.br/Portal/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/cartilha-do-cade.pdf

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