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O impacto da cobrança do ICMS sobre um serviço essencial

* Por Rafael Victor Rocha Furtado

Advogado. Especialista em Direito Tributário (IEMP).

 

O imposto incidente sobre a circulação de mercadorias e serviços (ICMS) é comumente associado apenas às transações que envolvem bens materiais. Além desse caso geral, também é fato gerador de ICMS a prestação de serviços relacionados à telecomunicação e ao fornecimento de energia elétrica.

Razoável imaginar que todas as pessoas/famílias são potenciais contribuintes de ICMS no caso do serviço de telecomunicações, o que, na verdade, vem se tornando praticamente uma certeza devido à consideração de que o acesso à internet é um direito humano[1]. Se a internet e a telecomunicação já são atualmente consideradas serviços praticamente essenciais à vida das pessoas, o acesso à energia elétrica é ainda mais importante, podendo ser considerado, com algumas ressalvas e algum exagero, tão importante quanto o acesso a água potável.

Retornando ao ICMS, há grande relação desse importante tributo com uma diretriz determinada pela Constituição Federal ao determinar que o referido tributo “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”. Ora, a previsão constitucional tem profundo impacto, quando observada, na vida dos consumidores. Isso porque o ICMS é um dos tributos de maior influência no preço final do produto, chegando a incidir com alíquota de 25% em alguns casos. Utilizando a lógica definida pela Constituição Federal, o quilo de arroz deve ter a incidência de uma alíquota inferior de ICMS quando comparado a um litro de bebida alcoólica. Assim deveria funcionar: quanto mais essencial é o produto para a vida humana, menor deve ser a alíquota incidente sobre o seu preço para que um maior número de pessoas possa ter acesso a ele.

Nesse sentido, retomando à questão do serviço de energia elétrica, certo seria que sobre o valor do consumo de energia elétrica na conta mensal incidisse um percentual bastante reduzido de ICMS, já que, conforme anteriormente destacado, o acesso a energia elétrica é essencial para que as pessoas tenham, nos padrões atuais, vidas dignas.

No caso do Estado do Piauí, que aplica a alíquota média (no sentido de “na maioria dos casos”) de 18%, esperar-se-ia uma alíquota de 10% ou menos em relação ao consumo de energia elétrica. Porém, para a surpresa de muitos (principalmente dos leitores que vão verificar suas contas de energia logo após esta leitura), é muito provável que a alíquota cobrada seja de 25%, fora a COSIP, que é uma contribuição. Essa cobrança, em percentual praticamente máximo, não é uma peculiaridade do Estado do Piauí. É prática que se repete em vários outros Estados pelo Brasil, indicando um grosseiro desrespeito à diretriz constitucional da seletividade do tributo em razão da essencialidade do produto ou serviço.

Além dessa problemática, que já indica uma gigantesca arrecadação para os cofres do Estado, há ainda outra tão grave quanto, senão ainda mais grave em razão da inobservância do fato gerador do referido tributo.

Vários imóveis, principalmente ligados a pessoas jurídicas que precisam de um fornecimento estável de energia elétrica, contratam um serviço que pode ser assimilado a uma “garantia” de fornecimento. Assim, por exemplo, um hospital precisa, além do fornecimento de energia, contratar uma quantidade “garantida” (comumente conhecido como “demanda contratada”) de energia elétrica para que os seus aparelhos não sofram com eventuais variações na rede. Assim, o valor da fatura de energia dessas unidades contratantes serve como uma única base de cálculo para a incidência dos 25% (ou outra alíquota, a depender do Estado), que incide sobre o que foi efetivamente consumido e a “demanda contratada”. Isso, porém, está errado!

Dessa forma funciona o Estado, atuando em sua função de arrecadador de tributos. Resta ao contribuinte buscar seus meios de defesa e, provando eventual cobrança indevida de tributo, requerer seu ressarcimento pelo indébito pago. Especialmente no caso dessas unidades (imóveis, pessoas físicas, contratantes, etc) que necessitam da “demanda contratada”, deve haver redução da base de cálculo do ICMS cobrado. Dessa forma, muito provavelmente o Estado, que sempre atuou apenas como um ferrenho arrecadador, vai se tornar um devedor dos consumidores que por tanto tempo pagaram um grande valor de ICMS de forma indevida.

A quem tenha "demanda contratada" de energia elétrica, é adequado consultar uma equipe de advocacia tributária que conheça o assunto, para verificação de eventual direito à obtenção de ressarcimento pelo excesso pago de ICMS.

 

A tese da prescrição no processo de execução fiscal

* Por Rafael Victor Rocha Furtado

Advogado. Especialista em Direito Tributário (IEMP).

 

O prazo para a cobrança por via judicial de uma dívida fiscal corre contra a Fazenda Pública que, em termos gerais, tem cinco anos para ajuizar a execução fiscal. Para o contribuinte, um ponto importante é saber em que momento é interrompido o prazo da contagem dos cinco anos para que, a partir daí, possa saber se o seu débito fiscal está prescrito ou não.

Inicialmente regido pelo Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66), o processo judicial da cobrança da dívida fiscal determinava que apenas a efetiva citação pessoal (primeira comunicação sobre o processo) seria capaz de interromper o prazo de prescrição.

Com essa determinação legal, no entanto, não demorou para que fosse percebida a desvantagem da Fazenda Pública em comparação ao devedor executado. A explicação é simples: caso o devedor conseguisse evitar ao máximo a sua efetiva citação pessoal, por meio de mandado judicial via oficial de justiça, maior a probabilidade de, ao fim, a sua dívida já estar prescrita.

Assim, conseguindo tal feito, ao devedor bastaria argumentar a prescrição por meio de exceção de pré-executividade e, então, aguardar a extinção de seu débito por meio da própria execução fiscal.

Posterior vigência da Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/80) trouxe, no entanto, importante mudança em relação a esse ponto. Ao tratar sobre o mesmo tema, a LEF determinou que bastaria o juiz despachar a expedição do mandado de citação para que o prazo interrompesse. Então, de nada adiantaria o devedor atrasar sua efetiva citação pessoal, já que para interromper a prescrição bastava que o juiz realizasse o despacho inicial na execução ordenando a citação.

Porém, a norma posterior (LEF), apesar de tratar da mesma situação, não revogou o que estava disposto no CTN, resultando em uma grande dúvida para o judiciário que, por incontáveis vezes, tinha que decidir sem definição legal exata sobre a ocorrência ou não da prescrição. À época, a jurisprudência dominante definiu que o Código Tributário Nacional deveria ter prevalência em relação à LEF, e assim ocorreu: o devedor ainda poderia atrasar ao máximo a sua citação para tentar que a prescrição ocorresse.

Tal imbróglio veio a ser resolvido por meio da Lei Complementar nº 118/05, a qual alterou o CTN de forma a equiparar este à LEF: restou definido que o despacho do juiz que ordenasse a citação do devedor já era suficiente para interromper a prescrição. Para modular os efeitos dessa mudança, a jurisprudência pátria também definiu que a vigência da LC nº 118/05 seria o divisor de águas para a aplicação do termo de interrupção: processos anteriores à LC obedeceriam à revogada norma do CTN (citação pessoal) e os posteriores à nova determinação legal (despacho do juiz que ordenar a citação).

A desvantagem que existia contra a Fazenda Pública agora passara a ocorrer contra o devedor. Ora, ainda que muito antigos, bastava que débitos fiscais fossem executados e que fosse ordenada a citação para que o Poder Público pudesse se despreocupar com eventual prescrição de seu crédito fiscal.

Porém, não apenas a prescrição originária é aplicável ao caso, como também a intercorrente, que ocorre quando esse mesmo prazo de cinco anos transcorre durante a tramitação do processo por algum “descaso” da Fazenda Pública no bom andamento da execução fiscal. Em outros termos, pode ocorrer a prescrição intercorrente quando o interessado (credor) deixa de atender a um requerimento de ofício do juiz ou permite que o processo transcorra sem qualquer atividade, demonstrando um desinteresse em sua resolução.

Um dos momentos de maior debate sobre a ocorrência da prescrição intercorrente nos processos de execução fiscal ocorria quando, em razão de não encontrar bens do devedor para garantir o valor da execução, o processo era suspenso pelo prazo de até um ano, também sendo suspenso o prazo da prescrição (art. 40, LEF).

Mais especificamente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu em Recurso Especial Repetitivo sobre a necessidade ou não da intimação da Fazenda Pública para requerer o que entendesse após o término do prazo de um ano. Assim, por vezes ocorria do juiz não determinar a intimação da Fazenda Pública e, passado o prazo da suspensão do processo por um ano, voltava a transcorrer (do início) o prazo prescricional. Posteriormente, provavelmente em razão do grande número de processos em que o ente federado é parte, não era feita qualquer manifestação por vários anos, resultando na prescrição intercorrente.

A decisão do Superior Tribunal de Justiça em Recurso Repetitivo[1], que afetará mais de 27 (vinte e sete) milhões de processos em todo o Brasil, é direta ao expressar que “Nem o Juiz e nem a Procuradoria da Fazenda Pública são os senhores do termo inicial do prazo de 1 (um) ano de suspensão previsto no caput, do art. 40, da LEF, somente a lei o é (...)”.

Resumidamente, determinou o STJ que a Fazenda Pública não precisa ser intimada para se manifestar após o decurso do prazo de suspensão do processo, sendo dado início ao prazo de prescrição (intercorrente) logo após o término da suspensão determinada pelo art. 40 da LEF; suspensão esta aplicada de forma automática.

Portanto, há incontáveis processos de execução fiscal que, mesmo com vários anos de existência, têm grande probabilidade de serem extintos em razão da ocorrência da prescrição intercorrente. Mais que isso, quanto mais antigos forem, maior será a probabilidade de sua ocorrência.

 

Direito Civil em pílulas

Estreei no meu canal do YouTube uma nova série, chamada “Direito Civil em pílulas”. Em cada episódio haverá iniciais e rápidas explicações sobre variados institutos jurídicos de direito civil. O objetivo é de que em curtas apresentações as noções conceituais daqueles institutos sejam apresentadas, e de que as dúvidas mais superficiais sejam sanadas.

O primeiro episódio tratou sobre a cláusula penal:

 

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

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Férias

O colunista está em um breve período de descanso. A coluna retorna à sua programação normal (novas publicações sempre às terças) no dia 06/08/2019.

Regularização fundiária

Entrevista com o advogado Renato Goes, especializado em regularizações fundiárias. O tema é pouco conhecido e tratado no Brasil e recentemente teve seu marco regulatório aprovado pela Lei Federal nº 13.465/2017. Conheça um pouco mais sobre a regularização fundiária!

 

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

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A primeira Ministra do STJ

Um pouco da história de Eliana Calmon, a primeira Ministra da história do STJ:

 

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

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A relação entre Direito e Economia

Qual a relação entre direito e economia? Silvio Luiz de Almeida, jurista e doutor em filosofia, conversa sobre o pensamento jurídico e a separação radical que realizam destes dois temas:

 

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

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As tecnologias e a renovação do Direito Civil

Por Gustavo Tepedino

O saudoso professor Stefano Rodotà observou, em síntese tornada célebre, que a tecnologia salvou o Direito Civil assim como a ética salvara, no passado, a filosofia. Anunciava, com isso, que as grandes questões do Direito contemporâneo integram a agenda atual do Direito Civil. Responsável pela dogmática fundamental da ciência jurídica, o Direito Civil permaneceu por muito tempo com o estigma de ramo antigo, histórico e estático. Esse estereótipo equivocado afastava muitos jovens do Direito Civil, associado, com bem-humorado sarcasmo, a figuras em desuso, como a anticrese e o compasto; ou herméticas, como os bens imóveis por acessões intelectuais; ou a europeísmos, como os conflitos relacionados com maçãs prematuramente tombadas da árvore limítrofe, entre propriedades vizinhas...  

De fato, a revolução tecnológica suscitou uma multidão de controvérsias no âmbito do Direito Civil. Bastaria lembrar, nos últimos 20 anos, o impacto da engenheira genética e do surgimento do exame de DNA no Direito de Família e Sucessório; ou o potencial danoso extraordinário aportado pelos meios de transporte e de comunicação de massa. A tais transformações sociais acresça-se, para nós, advogados, a repercussão profunda, ainda não de todo dimensionada, causada por dois fenômenos. O primeiro deles é a circulação de dados pessoais, cuja indispensável proteção foi objeto da recente Lei 13.709/2018, a Lei Geral de Proteção de Dados.

A cada dia, uma infinidade de dados é extraída, de forma incalculável, por agentes econômicos. A utilização de cartões de crédito, andróides, tablets, computadores e redes sociais fornecem, voluntária ou involuntariamente, nossos dados pessoais a destinatários anônimos, públicos e privados, sem que possamos controlar a finalidade de sua utilização. Dados genéticos, preferências culturais, estéticas e de consumo, orientações política, religiosa, sexual, tudo é coletado em tempo real. Tais informações dizem respeito à privacidade, intimidade, honra, integridade psicofísica e identidade pessoal; direitos da personalidade cuja gestão deve ser atribuída ao próprio titular. O Direito Civil ocupa-se, assim, com aspectos preventivos, tutelando a autonomia dos interessados para decidir quanto à disponibilidade desses dados; e com aspectos de sua patologia, no âmbito da responsabilidade civil e de medidas reparatórias. 

Do ponto de vista do legislador, a preocupação maior volta-se para a divulgação, vazamento ou circulação de dados sensíveis, isto é, dados que diretamente revelam a origem étnica, as convicções religiosas ou políticas, ou relativas à orientação sexual. Dito diversamente, sensíveis são considerados os dados que propiciem a prática de preconceito ou discriminação de qualquer natureza. Entretanto, em se tratando de informações pessoais, haverá algum dado não sensível? A propósito, conta-se que, nos Estados Unidos, deu-se forte reação contra possível discriminação racial na negativa de concessão de crédito para pessoas cujos nomes seriam, estatisticamente, os mais recorrentes na comunidade afrodescendente norte-americana. É dizer: o simples prenome poderia, nesta direção, ser considerado dado altamente sensível para fins de tutela da igualdade social.  

Tais questões tornaram-se ainda mais intrincadas com o surgimento da inteligência artificial, que traz consigo numerosos desafios para o Direito privado, notadamente no que tange à identificação dos responsáveis pelos atos praticados por robôs, à imputação do dever de indenizar. Além disso, ao contrário do que ocorre nas relações intersubjetivas, no caso da inteligência artificial há uma aparente neutralidade da máquina, que dificulta a identificação da fonte da lesão a direitos humanos, tornando ainda mais complexa a intervenção equalizadora. Tome-se de exemplo o ocorrido com gigante multinacional do setor de alimentação que, para coibir preconceitos, entregou o recrutamento de pessoal à inteligência artificial. A experiência em pouco tempo fracassou. O robô apreendeu os hábitos culturais reiterados, reações e elementos cognitivos incorporados pelos usuários. Por isso mesmo, na busca das soluções estatisticamente mais acertadas, o sistema acabou por reproduzir exatamente os mesmos preconceitos e soluções discriminatórias, com resultados semelhantes aos que, pela lei das probabilidades, seriam adotados pelos agentes econômicos destinatários.

A tudo isso o Direito Civil é chamado a disciplinar. Considerado “a mais grave disciplina jurídica”, torna-se assim a mais instigante, dinâmica e sedutora de todas as matérias do curso de Direito. Vem a lume, nessa esteira, o segundo fenômeno, acima aludido, que repercutiu de modo marcante nas relações privadas. Caracteriza-se pela introdução, na Constituição de 1988, de princípios aplicáveis não somente para a tutela do cidadão em face do Estado, mas também entre particulares. Os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da igualdade substancial, dentre outros, vinculam toda a sociedade, incidindo também nos espaços privados da família, da propriedade, dos contratos, das relações empresariais e associativas. Não seria possível lidar com tantas e tão velozes inovações com base exclusivamente em regras codificadas ou estabelecidas em leis especiais. Isto porque a técnica regulamentar, por mais detalhada que seja, mostra-se insuficiente para solucionar problemas que, a cada dia, desafiam a imaginação do legislador e do magistrado. 

Daí a importância das cláusulas gerais e dos princípios que, de modo mais abrangente, permitem ao intérprete estabelecer padrões de comportamento coerentes com a tábua de valores do ordenamento. Esse processo de unificação do sistema jurídico só é possível mediante a aplicação direta das normas constitucionais. Somente estas, por sua posição hierarquicamente superior a todas as demais leis, conseguem exercer o papel de centralidade para a harmonização das fontes normativas, oferecendo segurança jurídica e preservando a unidade sistemática que caracteriza a própria noção de ordenamento.

Tal atividade interpretativa não é simples nem linear, sendo dificultada pelas sucessivas crises econômicas, éticas e políticas que acirram idiossincrasias e ideologias, ameaçando a atuação jurisprudencial genuinamente técnica, comprometida exclusivamente (não com os valores subjetivos de cada julgador, mas) com os valores constitucionais. De todo modo, há formidável esforço da doutrina, dos advogados e da magistratura no aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. Afinal, conforme resumiu antigo autor, “a visão do patíbulo aguça a mente”. Que a sucessão de crises e maniqueísmos sejam definitivamente superadas pela persistente construção de um direito civil renovado e à altura dos desafios que as tecnologias e a sociedade contemporânea submetem diuturnamente à legalidade constitucional.

Fonte: OAB-RJ

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

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O profissional do futuro

Nessa Ted Talk Michelle fala sobre o profissional do futuro. Ela aborda a evolução do mercado de trabalho nos últimos anos e as mudanças que a tecnologia trouxe e ainda vai trazer nos próximos anos. Em um futuro em que as máquinas irão substituir metade da força global de trabalho, como os profissionais vão conseguir se diferenciar das máquinas e permanecerem humanos dentro de um mundo tão digital. Michelle é publicitária, dj, maratonista e atua hoje como Head de Educação no LinkedIn Brasil.  Apaixonada por tecnologia, depois de algumas viagens para o Vale do Silício onde visitou as universidades mais inovadoras de lá, acabou se apaixonando também pelo mundo da Educação.

 

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

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O empenho da Justiça para evitar os danos da alienação parental

A alienação parental, segundo a legislação brasileira, consiste no conjunto de práticas promovidas ou induzidas por um dos pais ou por quem tenha adolescente ou criança sob sua autoridade, guarda ou vigilância, com o objetivo de levá-lo a repudiar o outro genitor ou impedir, dificultar ou destruir os vínculos entre ambos.

A expressão “alienação parental” foi proposta nos anos 1980 pelo psiquiatra americano Richard Gardner. Ele defendia que a prática fosse definida como uma síndrome – a chamada Síndrome da Alienação Parental (SAP). Para Gardner, a SAP, quando não identificada e devidamente tratada, pode trazer graves consequências psíquicas e comportamentais para a criança.

A teoria do psiquiatra americano, apesar de muito respeitada, é bastante controversa entre os estudiosos da área, que sustentam principalmente não ser adequado tratar a alienação parental como doença, o que poderia, inclusive, levar à prescrição de medicamentos de forma precipitada. Em virtude dessa discordância, em junho do ano passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a existência apenas do termo “alienação parental” e não da “síndrome da alienação parental”.

Avanço e controvérsias

Em 2010, foi sancionada a Lei da Alienação Parental (Lei 12.318), que passou a prever multa, a ser definida pelo juiz, acompanhamento psicológico ou perda da guarda da criança como punição para o genitor que comete ato de alienação parental.

A norma foi entendida como um avanço, em especial pelos profissionais do direito de família, já que são frequentes no Poder Judiciário as disputas pela custódia dos filhos depois da separação dos pais.

Após quase nove anos de sua promulgação, a Lei da Alienação Parental divide opiniões. Dessa vez, o que está em debate é sua eficácia. Em audiência pública realizada em abril deste ano, na Câmara dos Deputados, discutiu-se se a lei consegue proteger de forma eficaz as crianças ou se as denúncias de alienação parental podem servir para acobertar casos de abuso sexual e violência doméstica. Já existe, inclusive, projeto para alterar a Lei 12.318/2010.

Em meio a esse cenário, o Poder Judiciário tem julgado de forma a tentar combater as práticas comprovadas de alienação parental. No STJ, os órgãos julgadores trabalham pela interpretação uniforme da legislação federal relacionada à matéria e para que os processos sejam resolvidos sempre tendo em vista o princípio do melhor interesse da criança.

Caso inaugural

O primeiro caso relacionado à alienação parental julgado pelo STJ foi um conflito de competência envolvendo os juízos de Paraíba do Sul (RJ) e Goiânia (GO).

Em Goiânia, local inicial de residência dos pais e das crianças, diversas ações relacionadas ao divórcio do casal e à guarda dos filhos tramitavam. Em uma delas, a mãe pedia o afastamento dos filhos da convivência paterna sob a alegação de que o pai seria violento e teria abusado sexualmente de uma das crianças, motivo que a fez, como o apoio do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita), mudar-se para o Rio de Janeiro.

O pai, em outra ação, alegou que a ex-esposa sofria da SAP e que isso a levou a fazer as acusações, induzindo um sentimento contra ele nos filhos.

O juízo fluminense considerou ser competente para julgar a ação ajuizada pela mãe, em observância ao artigo 147, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), segundo o qual a competência será determinada pelo domicílio dos pais ou responsáveis, ou, na falta destes, pelo lugar onde se encontre a criança ou o adolescente.

Já o tribunal goiano fundamentou que deveria ser observado o artigo 87 do Código de Processo Civil (CPC) de 1973, que determina que a competência é definida no momento da proposição da ação.

Memórias falsas

Nenhuma das acusações contra o pai foi comprovada, e a perícia identificou a Síndrome da Alienação Parental na mãe das crianças. Segundo os responsáveis pela avaliação psicológica, ela implantava memórias falsas nas crianças, como de violência e de abuso sexual, além de ter se mudado repentinamente e propositalmente para o Rio de Janeiro após a sentença que julgou improcedente a ação que moveu com o objetivo de privar o pai do convívio com os filhos.

Em seu voto, o ministro relator do conflito de competência, Aldir Passarinho Junior, destacou que as atitudes da mãe contrariavam o princípio do melhor interesse da criança, pois, mesmo diante da separação ou divórcio, seria importante manter um ambiente semelhante àquele a que os filhos estavam acostumados – isto é, a permanência na mesma casa e na mesma escola era recomendável.

Em relação à competência, o magistrado decidiu pela aplicação da regra do artigo 87 do CPC/1973 por melhor resguardar o interesse das crianças, as quais, se voltassem a morar em Goiânia, poderiam com mais facilidade retomar o convívio com o pai e os avós, também residentes naquela cidade.

Recurso cabível

Em 2014, ainda sob a vigência do CPC/1973, a Terceira Turma do STJ decidiu que é o agravo de instrumento, e não a apelação, o recurso cabível contra a decisão proferida em incidente de alienação parental instaurado no curso de ação de reconhecimento e dissolução de união estável.

A decisão veio após a interposição de recurso especial por uma mãe contra acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) que, por intempestividade, negou provimento ao seu agravo de instrumento. A mulher havia inicialmente interposto apelação contra a decisão do juízo de primeiro grau que reconheceu a existência da alienação parental, porém o recurso não foi recebido por ser considerado incabível para o caso.

No STJ, a genitora alegou que a Lei 12.318/2010 não diz qual o recurso adequado contra o ato judicial que decide sobre a prática da alienação parental. Sustentou que a decisão nesse caso, embora de forma incidental, tem natureza de sentença, segundo o parágrafo 1º do artigo 162 do CPC, e requereu a aplicação do princípio da fungibilidade.

Função processual  

Em seu voto, a ministra relatora, Nancy Andrighi, lembrou que não se pode identificar uma sentença apenas pelo conteúdo e que, além disso, é preciso observar a função que ela exerce, de encerrar o processo na primeira instância – o que não ocorreu no processo em julgamento.

“Esse ato judicial, porque resolve questão incidentalmente ao processo principal, tem natureza de decisão interlocutória (parágrafo 2º do artigo 162 do CPC); em consequência, o recurso cabível, em hipóteses como essa, é o agravo (artigo 522 do CPC).”

Quanto à aplicação do princípio da fungibilidade, a magistrada não acolheu as alegações da genitora e destacou que, se “fundada dúvida havia, até mesmo para afastar qualquer indício de má-fé, a opção deveria ser pelo agravo, cujo prazo para interposição é menor que o da apelação, e que não tem, em regra, efeito suspensivo”.

Guarda compartilhada

A Terceira Turma, em julgamento de grande repercussão ocorrido em 2017, reconheceu a possibilidade de guarda compartilhada mesmo no caso de haver graves desavenças entre o ex-casal. A decisão foi uma forma de manter ativos os laços entre pais e filhos após a separação do casal e evitar possíveis casos de alienação parental.

Segundo os autos, o ex-cônjuge agrediu fisicamente a mãe de suas filhas e, por esse motivo, ficou proibido de se aproximar dela e de entrar em contato, por qualquer meio de comunicação, com a ex-mulher ou seus familiares, o que o impediu também de conviver com os filhos.

Em sua defesa, o pai sustentou que estaria havendo alienação parental, que nunca houve violência contra as crianças e que seus desentendimentos com a mãe não o tornavam inapto para exercer o poder familiar. Além disso, alegou que o estudo social realizado indicou a guarda compartilhada.  

Melhor interesse  

Em voto-vista, o ministro Villas Bôas Cueva afirmou que, ao analisar os casos relativos à disputa por guarda dos filhos, o magistrado deve buscar compatibilizar as normas existentes no ordenamento jurídico, a partir dos princípios e valores constitucionais, para que assim, após a ponderação do caso concreto, chegue a um resultado justo à luz do melhor interesse da criança.

No caso analisado, o ministro ressaltou que o pai tinha plenas condições de participar da criação das filhas, já que a violência doméstica cometida contra a ex-esposa não envolveu as crianças em momento algum – ao contrário, em todos os laudos presentes nos autos, elas demostraram amor pelo genitor.

“A medida protetiva fixada com base na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), imposta judicialmente, não abrangeu as crianças, visto inexistir risco potencial ou efetivo. Saliente-se, por sua vez, que se deve evitar que a mencionada lei sirva como instrumento de retaliação a um dos pais por meio dos filhos”, declarou o ministro.

Poder familiar

O magistrado destacou ainda – concordando no resultado, mas divergindo nos fundamentos com a relatora, ministra Nancy Andrighi – que não é necessária a destituição ou suspensão do poder familiar de um dos genitores como requisito para afastar-se a guarda compartilhada.

“Salvo melhor juízo, um genitor inapto para exercer a guarda compartilhada, seja por questões geográficas, seja por impedimento insuperável, não pode ser alijado do poder familiar, condição que lhe é própria. Aliás, é também um direito do filho conviver com seu pais, ainda que a guarda fique sob a exclusividade de apenas um deles, poder que não cede à guarda unilateral.”

Perícia psicossocial

Outro caso envolvendo o tema foi julgado na Sexta Turma, sob a relatoria do ministro Sebastião Reis Júnior. Um homem foi acusado de ter constrangido sua filha de 6 anos à prática de atos sexuais, sendo condenado à pena de 14 anos de reclusão em regime inicial fechado.

O pai alegou que o tribunal de origem, ao manter a condenação a ele imposta na primeira instância, violou o princípio do contraditório e da ampla defesa, bem como a Lei 12.318/2010, visto que ignorou a falta da perícia psicossocial requisitada pela defesa. Sustentou também a invalidade do laudo psicológico, por inaptidão da perita.

Além disso, afirmou que as declarações da filha eram falsas, fruto de alienação parental praticada pela genitora contra a criança, e que esse aspecto não foi avaliado pelo tribunal local.

Meios de prova

Em seu voto, o relator apontou a impossibilidade de reavaliação do acórdão recorrido com a finalidade de comprovação da existência da alienação parental – sob pena de incorrer na vedação imposta pela Súmula 7/STJ. Quanto à alegação de nulidade pela inexistência do laudo psicossocial, o ministro ressaltou que, se o objetivo do exame pericial pedido pela defesa já houver sido atingido por meio de outra prova, não há que se falar em ilegalidade.

“Sucede que, nesse aspecto, não diviso nenhuma ilegalidade, pois, se objetivo do exame pericial (psicossocial) indeferido pelo juízo processante, qual seja, avaliar a existência de eventual alienação parental, foi alcançado mediante outro meio de prova (laudo psicológico), não há se falar em prejuízo à defesa, consequentemente, inviável pronunciar a nulidade na hipótese”, afirmou o relator.

Os números dos processos não são divulgados em razão de segredo judicial.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

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