Cidadeverde.com
Contabilidade - José Corsino

Subordinação por algoritmo e o direito do trabalho

 

Subordinação por algoritmo e o direito do trabalho

Por Cláudio Manoel do Monte Feitosa*

Advogado Cláudio Feitosa alerta para o impacto da decisão

É certo que a evolução da tecnologia tem provocado muito reflexo na vida contemporânea, com evidentes mudanças nas relações pessoais, produzindo também efeito no campo do contrato de trabalho, posto que muitos serviços estão sendo prestados a partir do uso de novas ferramentas tecnológicas, e, neste contexto, se enquadram os casos de labor no sistema ‘uber’, ‘uber eats’ , ‘ifood’, e etc.

O destaque deste tema é a reflexão sobre subordinação ao algoritmo e seus efeitos ao trabalhador, pois este aqui se sujeita às regras do aplicativo. Uma vez ligado à ferramenta, o obreiro passa a ter o serviço controlado pelo programa (algoritmo). O superior agora é o aplicativo.

É certo que as relações citadas, executadas por aplicativos, reflete aparente flexibilidade da atuação do trabalhador, dando a ideia de haver autonomia e independência do prestador de serviço, enquadrando-o como autônomo, sendo que isto nem sempre pode corresponder à realidade, e é o grande desafio para a tutela do Direito do Trabalho.

As normas legais, os Juristas e os Tribunais devem aquilatar, detidamente, os reflexos jurídicos desta relação eletrônica, firmada por aplicativo, para evitar a precarização das relações laborais.

Fixando-se no exemplo o ‘uber’, que é o mais popular aplicativo, tão comum na sociedade moderna, que controla tanto o cliente quanto o prestador de serviço, pois a ferramenta (algoritmo) escolhe qual cliente o prestador de serviço (motorista) vai atender e vice-versa, o destino, fixa o preço do serviço de acordo com a procura, além de definir pontuações mútuas para ambos (prestador e passageiro). Ressalta-se que o motorista, uma vez inserido nesta aplicativo, teria uma aparente liberdade de ajustar o horário de execução do serviço, porém, a forma de fixação da nota do motorista, e sua exibição aos clientes, não poderia ser interpretado com controle/subordinação do dito aplicativo sobre a atividade do trabalhador motorista? A pergunta é salutar pois se demonstrada a subordinação do trabalhador, resta configurada a relação de empregado, com o reflexo na concessão ao obreiro de direitos contidos na CLT (Consolidação das Relações de Trabalho); sendo que, em sentido contrário, se houver o entendimento de que o serviço do citado aplicativo é autônomo, o trabalhador não teria direito às parcelas previstas na CLT: como salário-mínimo, férias, FGTS, salário natalino, assinatura de carteira de trabalho, entre outros.

A Justiça Brasileira vem analisando o assunto, sendo que algumas decisões de Vara do Trabalho e até de Tribunal Regional do Trabalho têm dado ganho de causa ao trabalhador. Entretanto, o TST - Tribunal Superior do Trabalho, ao apreciar recursos sobre o tema, não reconheceu ao prestador de serviço a condição de empregado. Destaca-se que, em fevereiro de 2021, o Ministro Ives Gandra Martins Filho, do TST, considerou que o motorista parceiro que utiliza a plataforma da ‘uber’ tem autonomia e flexibilidade, e que isto seria incompatível com o vínculo, pontuando o julgado o seguinte: “... a autonomia ampla do motorista para escolher dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber".

As decisões do TST ainda não pacificaram a matéria, e somente o STF – Supremo Tribunal Federal, ao analisar eventual recurso da matéria em questão, caberia tomar posição definitiva sobre o assunto e, ainda, com efeito vinculante aos demais órgãos jurisdicionais brasileiros.

Na seara internacional, destaca-se que a Suprema Corte Inglesa reconheceu o motorista de ‘uber’ como empregado, gerando grande encargo ao aplicativo. Já o Estado da Califórnia, integrante dos Estados Unidos, aprovou lei local, em 2019, reconhecendo o vínculo de empregado em prol do motorista da ‘uber’. Isto tem sido motivo de acalorada batalha judicial naquele país, em que o aplicativo tenta reverter tal norma local.

Claro que cada caso é um caso, mas interpretar toda e qualquer relação de trabalho como vínculo de emprego, de certa forma, interfere na autonomia da vontade das partes, podendo obstaculizar o surgimento de novas formas de prestações de serviços e de fontes de renda e, consequentemente, interpretado como trava ao crescimento econômico.

Diante do vácuo legislativo no Brasil e da falta de consenso judicial sobre o assunto, a sociedade precisa analisar com cautela a prestação de serviço por aplicativo, esmiuçando todos os aspectos envolvidos, de forma proporcional e razoável, para que não haja injustiça ou precarização das relações laborais, sendo que muitos aguardam ansiosos a definição da matéria, se há ou não a subordinação laboral nas relações de aplicativos, sendo este tema um dos grandes desafios da sociedade moderna.

*Cláudio Manoel do Monte Feitosa é Advogado especialista em Direito Empresarial e Trabalhista.

Você pode receber direto no seu WhatsApp as principais notícias do CidadeVerde.com
Siga nas redes sociais