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Contabilidade - José Corsino

Afastamento da gestante no período da pandemia

 
 

Por Cláudio Manoel do Monte Feitosa*

Advogado Cláudio Feitosa alerta para o impacto da decisão

 
Inicialmente, aponta-se que a situação de pandemia decorrente da COVID-19, com alcance nefasto, produziu efeitos também negativos em toda a órbita dos direitos individuais, sendo que, neste momento, encontra-se em vigência a Lei nº 14.151/21, promulgada em 12.05.21, que estabeleceu que durante “a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.”, sendo que tmbém consta na norma que a grávida deverá exercer as atividades laborais “em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância”.
É inquestionável que a norma é absolutamente correta, pois toda forma possível de preservação da vida, ou de sua geração, está a serviço da humanidade e da manutenção da raça humana, sendo que tal garantia também se encontra cristalizada no texto da vigente Constituição Federal, onde a proteção à maternidade é um corolário do fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da garantia à inviolabilidade da vida (art. 5º, caput), e encontra-se especificamente resguardado no art. 6º, caput e no art. 7º, XVIII, todos da Carta Maior.
O problema decorre da responsabilidade financeira em relação ao pagamento da remuneração às empregadas gestantes por força de citada lei quando é impossível o serviço remoto, citando-se, como exemplo, os serviços de zeladoria, de atendimento de enfermagem, de atendimento comercial no varejo, serviços de salão de beleza, serviços domésticos e outros nesta mesma linha. Ou seja, a lei citada não evidenciou claramente os efeitos decorrentes do afastamento, o que, certamente, tem reflexo direito nos custos do empregador, já que, além de manter a obrigação de concessão do salário regular, ainda tem que recolher os encargos sociais daí decorrentes, como seja, as contribuições previdenciárias (cotas patronal e laboral) e FGTS, entre outros.
Apesar do risco da atividade econômica ser do empregador, a realidade legal apresentada, nos casos de impossibilidade de serviço remoto, produz-lhe encargo excessivo, especialmente quando se vislumbra, nos casos, por exemplo, do pequeno empregador ou o empregador doméstico, o dever de pagar salário e encargos sem que efetivamente seja, o serviço, prestado, principalmente em face do vigente cenário de pandemia, marcado por dificuldade econômica generalizada do setor produtivo.
A Constituição Federal também protege a livre iniciativa e assegura como regra a restrição à intromissão do setor público na iniciativa privada (art. 1º, IV e art. 174 da Carta Magna).
Então, nesse momento se tem a dificuldade de compatibilizar um preceito legal razoável de afastamento de gestantes, durante a pandemia, ante a também razoável necessidade de sobrevivência econômica do empreendimento.   
À vista do demonstrado, alguns empregadores buscaram guarida na Justiça para tentar converter tal custo, referente ao salário da gestante e encargos correlatos quando não for possível o serviço telepresencial, em benefício de salário maternidade previsto na Lei de Benefício do INSS (Lei 8.213/91).  Porém, há o óbice do tempo de duração do benefício previdenciário referido, já que o este é limitado a quatro meses. Ou seja, a eficiência de qualquer tentativa de transferência do custo do empregador, neste caso, necessariamente teria que promover o acréscimo do limite legal temporal do salário-maternidade.
A Justiça Federal do Rio Grande do Sul e de São Paulo já se manifestaram sobre demandas desta natureza. 
Na decisão da 1ª Vara Federal de Caxias do Sul/RS, a Juíza Mariana Camargo Contessa, ressaltou a necessidade de proteção da maternidade e da saúde da mulher, especialmente devido à falta de políticas públicas sobre o tema, mas, ao mesmo tempo, registrou que um benefício trabalhista que onera o empregador pode reduzir a empregabilidade ou a remuneração, e assim deferiu liminar que enquadrou como salário-maternidade os valores pagos às trabalhadoras grávidas afastadas do serviço presencial, em que não fosse possível o serviço remoto. A mesma posição foi adotada pelo Desembargador Federal Luís Alberto d'Azevedo Aurvalle, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região/RS, que, em sede liminar, autorizou uma empresa a enquadrar os valores pagos a gestantes afastadas como salário-maternidade, além de excluir tais pagamentos da base de cálculo das contribuições previdenciárias patronais. Nesse sentido, afirmou o magistrado referido que, “em face de todo conjunto constitucional, legal e infralegal que regulamenta a proteção social, em especial, o custeio, por toda a sociedade, dos benefícios previdenciários, como corolário do princípio da solidariedade social, verifica-se que não pode ser outra a natureza dos valores devidos à empregada gestante em casos que tais, a não ser a natureza de benefício previdenciário".
Já a Juíza Noemi Martins de Oliveira, da 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, observou que, como a lei não definiu a quem compete o pagamento da remuneração à trabalhadora gestante cuja atividade seja incompatível com o trabalho à distância, a responsabilidade não poderia ser do empregador, registrando que,"ao imputar-se aos empregadores o custeio de tais encargos, cria-se dificuldade de emprego, aumentam-se as dispensas e reduz-se oportunidades empregatícias para mulheres, no mercado de trabalho já tão escasso". Pontuou, ademais, referida magistrada, que o custo do empregador, nesse caso, não teria outra natureza “a não ser a de benefício previdenciário", sendo qiie tal justificativa consta na sua decisão para imputar ao INSS o dever compensá-los como salário-maternidade.
É ainda importante registrar o caso de uma mãe de uma criança de quase dois anos que pretendia a concessão de licença-maternidade da sua empregada doméstica, contratada especialmente para o cuidado da filha, quando a citada obreira engravidou e teve que se afastar do serviço por força da lei em comento.  Quanto a tal,  o juiz José Tarcisio Januário, da 1ª Vara Federal de Jundiaí (SP), ao analisar o caso, considerou que "o ônus do salário-maternidade não pode ser direcionado aos empregadores, por implicar de forma transversa afronta à proteção à maternidade e à mulher grávida", e como o empregador doméstico, diferentemente das empresas, não tem como compensar o valor de salário-benefício em recolhimentos futuros ao INSS, o citado juiz determinou que o INSS pagasse diretamente os valores à babá. 
As posições judiciais mencionadas, infelizmente, não afastam o dever do empregador de promover o pagamento de salários em favor das gestantes até que haja decisão judicial definitiva no sentido de amenizar o impacto suportado pelo empregador e virtude do cumprimento da lei sob apreço. Ou seja, se o empregador não pagar salário da gestante nesse momento de afastamento, poderá este ser alvo de autuação pela fiscalização do trabalho, além de suportar condenações de demandas judiciais pela cobrança correlata, sem prejuízo de indenização por danos morais e outras postulações que se compreenda cabíveis. Somente uma decisão judicial específica poderia retirar este encargo do empregador.
E, ressalta-se, todas as decisões citadas não foram definitivas, não se firmando, assim, qualquer entendimento jurídico consolidado de transferir o encargo em comento ao INSS, necessitando da busca do Judiciário para tanto.
Esta é, pois, mais uma nuance dos reflexos que o quadro de pandemia vivenciado apresenta no domínio das relações de trabalho, que exige apreciação atenta, que sopese, com base nos princípios da ponderação, adequação e necessidade, os diversos aspectos envolvidos, em caráter individual e coletivo, de modo a identificar-se, nos casos concretos, soluções que revelem à intenção do legislador e ao salutar equilíbrio entre os personagens da relação trabalhista.
 
 
 
*Cláudio Manoel do Monte Feitosa é Advogado especialista em Direito Empresarial e Trabalhista.
 
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