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Contabilidade - José Corsino

Quem é a "autoridade jurídica máxima" na nova Lei de Licitações

A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLLC) — Lei nº 14.133/2021 — inovou no regramento concernente ao parecer jurídico exigido nos certames visando a contratações públicas. O artigo 53 do novo diploma concentra as prescrições do legislador quanto ao tema.

Na forma do caput, o órgão de assessoramento jurídico da administração deve realizar "controle prévio de legalidade mediante análise jurídica da contração". De seu turno, os parágrafos desse dispositivo expressam aspectos complementares ao enunciado da cabeça do artigo e consagram exceções ao seu comando, tal qual previsto no artigo 11, III, c, da Lei Complementar nº 95/1998.

Assim é que o § 5º estabelece possibilidade de dispensa da análise jurídica em hipóteses previamente definidas em ato da "autoridade jurídica máxima competente", considerando fatores como baixo valor e baixa complexidade da contratação.

Mas quem é a "autoridade jurídica máxima" competente para tal ato?

O primeiro — e mais simples — nó a se desatar para o deslinde da questão refere-se ao reconhecimento de que a pergunta deve ser transposta para o plural: quem são as autoridades jurídicas máximas? Afinal, a NLLC veicula, para os entes federados subnacionais, apenas normas gerais, sendo certo que a autoridade jurídica máxima da União — quem quer que seja — não detém competência para, sob o pretexto de regulamentar o disposto no § 5º aludido, fixar hipóteses de dispensa de parecer jurídico em contratações dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

Superada essa preliminar, passemos aos nós aparentemente "cegos".

Da independência dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, estabelecida no artigo 2º da Constituição Federal, decorre sua autonomia administrativa, a qual vem expressa, para o Poder judicante, no artigo 99 da Lei Fundamental. No exercício desse mister, as contratações levadas a cabo pelos Poderes Legislativo e Judiciário são realizadas pelas unidades administrativas desses, com aval do órgão de assessoramento jurídico interno de cada qual, segundo entendimentos, procedimentos internos e minutas próprios, sem descurar, por certo, de regulamentações gerais enquadradas na competência do presidente da República (artigo 84, IV, in fine, da Constituição).

Por conseguinte, não se vislumbra a possibilidade de ato do Poder Executivo federal que dispense análise jurídica ter eficácia sobre os demais Poderes. A mesma conclusão vale para o Ministério Público, o Tribunal de Contas e a Defensoria Pública da União, órgãos que igualmente dispõem de autonomia administrativa.

Logo, para esses Poderes e órgãos autônomos de extração constitucional, é de rigor reconhecer que a "autoridade jurídica máxima competente" é o respectivo dirigente da unidade responsável pelo assessoramento jurídico, e.g., o advogado-geral do Senado Federal, o consultor jurídico do Tribunal de Contas da União etc. No caso do Poder Legislativo Federal e do Poder Judiciário, não é despiciendo lembrar que as Casas e os tribunais que os compõem também gozam de autonomia administrativa, cabendo, pois, a cada um, disciplinar a matéria internamente.

Por força do princípio da simetria, com os devidos ajustes decorrentes das peculiaridades de cada ente, igual entendimento se aplica a estados, Distrito Federal e municípios.

Vencida a quaestio atinente à separação de Poderes, voltemos os olhos para o Poder que mais contrata: o Poder Executivo.

Como é cediço, a administração se divide em direta e indireta, esta compreendendo autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas, as quais se vinculam — embora não se subordinem — a ministérios, isto é, à administração direta (artigo 4º, I e II, e parágrafo único, do Decreto-Lei 200/1967).

Para fins de descentralização e eficiência, as entidades componentes da administração indireta foram dotadas de personalidade jurídica própria e de autonomia administrativa. Logicamente, seus órgãos de assessoramento jurídico não se confundem com os da administração direta, ainda que a Procuradoria-Geral Federal, que assessora autarquias e fundações, vincule-se à Advocacia-Geral da União, órgão de cúpula do sistema jurídico da administração direta federal (artigo 9º da Lei nº 10480/2002 c/c artigo 1º, caput e parágrafo único, da Lei Complementar nº 73/1993).

Assim, se, para os órgãos da administração direta, deve-se ter como "autoridade jurídica máxima competente" o advogado-geral da União, para autarquias e fundações, a competência para edição do ato de que trata o artigo 53, § 5º, parece recair sobre o procurador-geral Federal.

Aqui igualmente cumpre invocar o princípio da simetria, de modo que os procuradores-gerais de cada estado-membro ou município e do Distrito Federal hão de ser tidos como autoridade a qual se atribui poder para edição do ato de dispensa da análise jurídica da contratação. Havendo órgão distinto para assessoramento jurídico das entidades da administração indireta, será de seu titular a competência.

E se eventualmente não houver um órgão de assessoramento jurídico? Ora, é de bom alvitre que essa falta seja sanada o quanto antes. Afinal, a exigência de análise jurídica não constitui, em si, inovação, estando prevista como função da "assessoria jurídica da Administração" no artigo 38, parágrafo único, da moribunda Lei nº 8.666/1993. O que a NLLC fez foi definir com mais clareza e precisão a forma em que se deve dar o exame do órgão de assessoramento jurídico e a responsabilidade que lhe é cometida.

A proliferação de autoridades competentes para edição do ato que estabelecerá a dispensabilidade de análise jurídica da contratação gerará, obviamente, igual multiplicação desses provimentos. Nessa senda, resta inevitável a pergunta: não há risco de enfraquecimento da "segunda linha de defesa" das contratações públicas, integrada pelas unidades de assessoramento jurídico e de controle interno dos órgãos e entidades, a teor do artigo 169, II, da NLLC?

Não vemos dessa forma, por algumas razões.

Há que se ter sempre em conta o telos do § 5º do artigo 53: dar celeridade à contratação e evitar a prática de atos prescindíveis, que pouco ou nada agregam. De tal modo, pareceres repetitivos, simplesmente replicados de um processo licitatório para outro, constituem ato pro forma que em nada agregam na gestão de riscos e no controle preventivo (artigo 169, caput).

Em acréscimo, a previsão é do estabelecimento de hipóteses em que a análise jurídica da contratação é "dispensável", sempre podendo o gestor recorrer ao órgão de assessoramento jurídico para dar respaldo técnico ao certame e às suas decisões.

E, mais importante: o § 5º baliza a definição das hipóteses em que caberá a dispensa de análise jurídica, estipulando como parâmetros o baixo valor, a baixa complexidade, a entrega imediata ou a utilização de minutas de editais e instrumentos de avença. Os atos que estabelecerão os casos de dispensa de parecer jurídico por certo se submeterão ao escrutínio dos Tribunais de Contas, em sua atuação como terceira linha de defesa das contratações públicas (artigo 169, III), sem prejuízo de eventual provocação do Poder Judiciário para se manifestar sobre a compatibilidade das hipóteses de dispensa de análise jurídica com o delineamento traçado pela própria lei.

Se, por um lado, a NLLC confere ao gestor maior flexibilidade para realizar contratações com agilidade e eficiência, por outro, a margem de discricionariedade concedida foi devidamente formatada para proteger o Estado-administração e a sociedade. E, nunca é demais lembrar, quando se ultrapassa a margem de discricionariedade legada pelo legislador, chega-se ao arbítrio e, ipso facto, à ilegalidade.

 

*Guilherme Carvalho é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e Políticas Públicas, ex-procurador do estado do Amapá, sócio-fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e bacharel em Administração.

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