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Contabilidade - José Corsino

Afinal, as entidades do Sistema 'S' estão obrigadas a licitar?

Partindo da postulação sobre o intenso grau de indefinição quanto ao conceito de Terceiro Setor, em que se inclui o Sistema “S”, facilmente comprovável que as licitações e contratações públicas também são conduzidas à luz de uma certa dose de inconsistências pragmáticas, a despeito da fecundidade teórico-terminológica que paira sobre a matéria.

Logo, o irrefutável preceito de que não se trata de iniciativa privada, como também não se identificam com a Administração Pública não é, por si só, suficiente para facilitar a metódica de controle que sobre tais entidades permanece. Assim que, se há controle externo, em uma ou outra medida haverá a necessidade de cumprimento de um núcleo duro que também é exigível do Poder Público.

Nada obstante a relevância em relação às demais searas (trabalhista, constitucional, dentre outras), é no Direito Administrativo, em especial, que as divergências mais afloram, com destaque ainda mais reservado para a contratação pública, nomeadamente após o advento da Lei nº 14.133/2021 — teoricamente melhor, mais ágil e menos burocrática que a anterior Lei Geral de Licitações (Lei nº 8.666/1993).

Sistema “S”
Afinal, as entidades do Sistema “S” estão obrigadas a licitar? Se sim, em quais medidas? Quais normas sobre elas incidem? Tais questionamentos, além de outros, revelam-se, no dia a dia, de notória dificuldade de serem solucionados, à vista da clara acribologia de equacionar, para tais entidades, a dinamicidade da iniciativa privada e, sob outro vértice, as amarras burocráticas que soem ocorrer no contexto da Administração Pública.

A forma híbrida — regime de empresa privada e alguns princípios da Administração Pública — não desfaz a porção pública que as alimenta, notadamente quando se faz perceber que o investimento para o desenvolvimento dessas organizações advém do repasse estatal recolhido da contribuição de tributos pagos pelas empresas relacionadas ao setor de cada área do Sistema “S”.

Por assim ser, este ponto é suficiente para direcionar o controle externo exercido pelo Tribunal de Contas da União, à luz da norma contida no inciso V do artigo 5º da Lei nº 8.443/1992: “os responsáveis por entidades dotadas de personalidade jurídica de direito privado que recebam contribuições parafiscais e prestem serviço de interesse público ou social”.

A vestimenta da fonte de recursos já aponta para um caminho plausivelmente adstrito no caminho de que ao menos os princípios da Administração Pública devem seguir, é dizer, os nomeados no caput do artigo 37 da Constituição de 1988: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

A despeito de haver consenso quanto à não obrigatoriedade da adoção da Lei Geral de Licitações (o que não significa a impossibilidade de uso), segue-se a linha, constante nos mais variados julgados do Tribunal de Contas da União (TCU), sobre a observância de seus regulamentos próprios. Portanto, é passível de conclusão que, sentenciosamente, o Sistema “S” acaba por legislar.

O apego à legalidade (princípio a que tais entidades devem obediência) resume-se a um ou outro regulamento, cujo édito é despido de maior rigorismo natural ao rígido processo legislativo. Isso porque o TCU, nada obstante determinar a obediência aos princípios da Administração Pública, flexibiliza a possibilidade de adoção de normas internas, as quais — e aqui reside o principal ponto de inflexão — podem não atender o desiderato constitucional, face à pluralidade interpretativa e multifocal da nomenclatura principiológica.

Flutuando na vagueza de alguma terminologia atribuída a cada norma elaborada pelas entidades que compõem o Sistema “S”, poderá haver potencial infringência a algum princípio constitucional, na medida em que a questão passa a ser tópica, de interpretação mesmo.

A necessidade de o Sistema “S” dispor de regras mais maleáveis de contratação tende a criar zonas nebulosas, sendo imprescindível a fixação de parâmetros mínimos, sem os quais poderá haver, a um só tempo, afronta aos fins e preceitos constitucionais e, por outro lado, insegurança jurídica quanto à elaboração das normas de contratação, cuja cúspide não pode reflexar apenas para o lado espelhado da Administração Pública.

*Guilherme Carvalho é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e Políticas Públicas, ex-procurador do estado do Amapá, sócio-fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e bacharel em Administração.

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