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Contabilidade - José Corsino

Licitação, conciliação e controle externo

Reiterando outras previsões normativas já encontradas no ordenamento jurídico brasileiro, a Lei nº 14.133/2021 destinou capítulo específico sobre os métodos alternativos de resolução de controvérsias, exemplificados, sem exaustão, no caput do artigo 151: “nas contratações regidas por esta Lei, poderão ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem”.

Igualados à arbitragem, a conciliação, a mediação e o comitê de resolução de disputas também se encontram na mesma posição topográfica da lei. Logo, por uma questão lógica, tudo indica que não há diferença — sobretudo quanto à eficácia da decisão atingida — entre tais institutos.

Claramente, à arbitragem deferem-se outros artigos, os quais reforçam uma maior preocupação do legislador quanto à clareza e definição de balizas para a concretização de utilização deste método. De tal modo, dispõe o artigo 152 que “a arbitragem será sempre de direito e observará o princípio da publicidade”.

Por seu turno, o artigo 154 preconiza que “o processo de escolha dos árbitros, dos colegiados arbitrais e dos comitês de resolução de disputas observará critérios isonômicos, técnicos e transparentes”. Mais uma vez, a Lei de Licitações e Contratos Administrativos insere, dentro de um mesmo artigo, os demais métodos de solução de controvérsias em análogo nível, sem ousar qualquer distinção específica.

Ao menos em relação à forma, tudo leva a crer que não devem existir tantas diferenciações entre todos os métodos a que se refere o caput do artigo 151, sendo este, para além disso, meramente exemplificativo, interpretação que se deduz do advérbio utilizado: notadamente.

De tal modo, ao menos para o legislador, parece não ser tão relevante o meio utilizado para a deliberação alternativa da controvérsia, tanto quanto mais importa evitar servir-se do Judiciário para atingir o mesmo fim, que é alcançado por meio de uma solução que ponha fim aos interesses postos em jogo, não necessariamente contrapostos, razão pela qual se evita a lide (pretensão resistida), inquestionavelmente necessária à demonstração do interesse de agir — imprescindível para provocar a máquina judiciária.

Muito embora a expressa previsão legal de submissão da Administração Pública Direta e Indireta à arbitragem tenha sido autorizada a menos de dez anos (Lei nº 13.129, de 26 de maio de 2015), em relação à arbitragem existe uma regulação normativa suficientemente específica e que já conta com quase vinte anos de vigência: a Lei nº 9.307/1996.

Nada obstante existam outras específicas leis que se proponham ao mesmo intento da benfazeja política conciliatória (a exemplo da Lei nº 13.140/2015, que dispõe, dentre outros fins, sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública), a Lei de Arbitragem goza de maior maturação, seja pelo tempo de vigência, seja pela larga utilização.

Em uma leitura mais apressada, parece que, em se tratando de arbitragem, a precisão é mais séria, interpretação esta que não pode elidir a mesmíssima relevância quanto aos demais métodos alternativos de resolução de controvérsias. Logo, se o inciso VII do caput do artigo 515 do Código de Processo Civil de 2015 prevê como título executivo judicial a sentença arbitral, suprimindo a fase de conhecimento e possibilitando o imediato cumprimento de sentença, não pode soar como estranheza conferir similar tratamento à conciliação, à mediação, ao comitê de resolução de disputas, bem assim a qualquer outro eficaz método que atinja a profícua apaziguação de potencial conflito de interesses.

Certamente, da aplicação da arbitragem é produzida uma sentença arbitral, título executivo judicial mesmo, sobre o qual não deve, salvo restritíssimas autorizações normativas, o Judiciário incursionar (princípio da Kompetenz-Kompetenz), previsão esta a qual não se encontra totalmente estampada no Código de Processo Civil.

Assim que executar uma decisão produzida por um tribunal arbitral é plenamente possível, uma vez que se trata de título executivo judicial. Por outro lado, ainda não existe uma catalogação quanto às demais resoluções alternativas de controvérsias, cuja execução (cumprimento imediato no Judiciário) seja autorizada.

Isso não significa dizer que outras decisões não possam proporcionar idênticos efeitos. Porém, para tanto, imprescindível a chancela homologatória judicial, veiculando édito que as galvanizem como possíveis títulos, aptos a produzirem efeitos imediatos ao cumprimento da decisão.

Previsão normativa

Eis aqui o ponto mais relevante de toda essa discussão: por que impor tratativa tão diversa em face de institutos que podem gerar as mesmas consequências?

Aparentemente, carece apenas uma previsão normativa, com viés ampliativo ao artigo 515 do Código de Processo Civil, padronizando, na redação do inciso VII, não apenas a sentença arbitral, bem assim todas as decisões que venham a ser produzidas segundo os métodos alternativos a que faz referência o Capítulo XII (artigo 151 e seguintes) da Lei nº 14.133/2021.

Inúmeras são as razões — não exaustivamente dispersadas ao longo desse texto — que possibilitam uma interpretação nesse sentido. Franquear todo e qualquer alcance conciliativo ao crivo do Judiciário ou ao de qualquer órgão que se permita (por vezes, sem qualquer autorização legal ou constitucional) ao controle externo aparenta, a um só tempo, eventual fragilidade dos métodos alternativos de resolução de controvérsias, como também cambaleante insegurança jurídica aos que se submetem a tal proveitosa política de ajustamento.

Sem mais nem menos, reiteramos o que sempre temos dito: não necessariamente, o aparente conserto do controle externo é mais vantajoso que concerto alcançado pela Administração Pública, exercente fiel da função administrativa.

 

*Guilherme Carvalho é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e Políticas Públicas, ex-procurador do estado do Amapá, sócio-fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e bacharel em Administração.

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