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Costumes e superstições da Semana Santa têm auge na Sexta-Feira

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  • 11086863_819618724773909_1538335996_o.jpg Acredite: ainda há quem mantenha a tradição de não tomar banho na Semana Santa
    Arte: Izânio Façanha
  • fabio_lima_sem_pegar_dinheiro.jpg Para muitos, pegar em dinheiro na Semana Santa é proibido
    Arte: Izânio Façanha
  • fabio_lima_sem_beber_cerveja.jpg Beber cerveja, só no Sábado de Aleluia, defendem muitos católicos
    Arte: Izânio Façanha
  • fabio_lima_rede.jpg Arte: Izânio Façanha
  • fabio_lima_nao_varrer_a_casa.jpg Varrer a casa na Semana Santa é algo proibido para os mais supersticiosos
    Arte: Izânio Façanha
  • fabio_lima_milho.jpg Feriado prolongado é oportunidade para comer muito milho e bolos no interior do Piauí
    Arte: Izânio Façanha
  • fabio_lima_malhação_do_judas.jpg Malhação do Judas é tradição mantida no Sábado de Aleluia
    Arte: Izânio Façanha
  • fabio_lima_farinhada.jpg Farinhada reúne familiares durante o feriado religioso
    Arte: Izânio Façanha
  • fabio_lima_banho_de_acude.jpg Famílias aproveitam para tomar banho em riachos e açudes no interior do Piauí
    Arte: Izânio Façanha
  • fabio_lima_01.jpg "Roubar" galinhas é um hábito que ainda existe em muitos lugares do Piauí na Semana Santa
    Arte: Izânio Façanha

Por Carlos Lustosa Filho
[email protected]

No estado mais católico do país, muita gente ainda guarda as tradições da Semana Santa. Somada ao período chuvoso esta época do ano é uma verdadeira fartura cultural tanto de hábitos, quanto de culinária rica com os produtos vindos fresquinhos da roça: mandioca, feijão, milho, abóbora, entre outros. É certo: esses costumes já fossem mais fortes, mas muita gente ainda conserva hábitos e lembra com carinho do que viveu neste tempo há anos atrás. 

Na zona rural, é quando tudo fica mais verde, a terra mais molhada, as chuvas mais convidativas ao “encurujamento” ou à observação tranquila a partir de uma rede. Há ainda quem vivencie a farinhada: arrancar a mandioca, descascá-la, passá-la no caititu (ralador), lavar a massa, prensar e peneirar, fazer o beiju ou a farinha. Colocar a goma pra decantar, esperar dias até que esteja e separada da água, retirá-la, pô-la ao sol. Ou fazer a puba: colocar as mandiocas inteiras de molho e aguardar o processo natural de fermentação, o "pubar" da raiz, espremê-la para retirar a água. Debulhar o milho verde, fazer o cuscuz – incomparável ao feito com flocos –, o bolo, ou se come ele cozido ou assado. Tirar o feijão da vagem e cozê-lo com azeite de coco babaçu. Tempo de pescaria. Tempo também de proibições: não se pode beber, caçar, pegar em dinheiro, em alguns casos, há restrições que atingem até mesmo a higiene pessoal. 

A professora aposentada Dalva Cardoso, 59 anos, diz que sua rotina mudou bastante, depois que se mudou de Alto Longá para Teresina. “Já não uso muito dos costumes do passado, mas as lembranças da minha infância são bem ‘vivinhas’. Lembro das orientações dos mais velhos que não podia fazer nada na Sexta-Feira Santa: tomar banho, pentear os cabelos, cortar as unhas, limpar a casa. Lembro dos jejuns que íamos deixar nas casas e sempre trazíamos algo na bacia”, recorda entre risos. 

Dona Dalva recorda que a partir da quarta-feira só se comia peixes e ovos. Os pratos eram à base de tortas, o quibebe de feijão com muitas verduras e legumes, canjica, pamonha e bolos. “E eu gostava era da farra de comida (risos). A minha mãe era merendeira na escola e especialmente gostava de cozinhar. Mas a gente tinha que jejuar, mesmo sem saber o que era e nem por quê”, descreve.

"Lembro que fiz uma (simpatia) do jejum de tudo que comi durante o dia guardei um pouco. À noite, pus uma mesa pro meu pretendente vir no sonho para comer."
Dalva Cardoso, 59 anos, professora aposentada, passou a juventude em Alto Longá-PI

Mas o período também guardava jogos e superstições que lembravam as festas juninas. “(Quando criança) a gente brincava como qualquer criança na praça, na rua: de cancão (amarelinha), paulo seco (queimada), pedrinhas, pular cordas, se esconder, e por aí. Até minha mocidade foi assim, esse ritmo. Na noite de Sexta-Feira, se fazia as experiências pra saber se ia casar. Lembro que fiz uma do jejum de tudo que comi durante o dia guardei um pouco. À noite, pus uma mesa pro meu pretendente vir no sonho para comer. Não foi (risadas). Não sonhei com ninguém. Outra: fiquei até tarde da noite com a boca cheia de água, escondida. A primeira letra da palavra que ouvisse era a primeira letra do nome do meu futuro marido. Deu certo. Tinha uma com os pingos da vela numa bacia com água para formar a primeira letra do nome do pretendente. A gente tinha que ocupar o tempo porque não tinha muita coisa pra fazer”, relembra, acrescentando que depois que casou, com seu futuro marido, Joaquim Neres, passou a vivenciar mais as ações da Igreja, participar da programação religiosa e viajar.

Douralina da Silva, 53 anos, que trabalha em uma lanchonete, diz que procura manter forte as tradições que aprendeu com seus tios Gonçala e Gonçalo Carvalho, que lhe criaram a partir dos 7 anos na cidade de Batalha.

"Ainda hoje eu não limpo a casa, acho muito importante. Faço comida, mas não limpo a casa, nem lavo as louças. Nem pego em dinheiro."
Douralina da Silva, 53 anos,
 criada na cidade de Batalha (PI)

“Meu tio era muito temente a Deus e era rígido com a tradição. A Sexta-Feira Santa era um dia sagrado. Ninguém podia brigar, dizer palavrão, e tomar banho era só depois da meia-noite. Ele não deixava a gente dormir, só depois da meia-noite. Já no sábado, quando a gente banhasse e aí sim podia ir dormir. Quando eu cresci, eu também saía escondida pra tomar banho de riacho com meus amigos”, lembra. 

Dona Dora, como também é conhecida, conta que das guloseimas dessa época, as que mais eram preparados eram o bolo de puba, pudim, rosca, pamonha, peixe ao molho de leite de coco babaçu, caruru (espécie de purê de vegetais como maxixe, abóbora, folhas de quiabo, feijão) e milho. “No sábado, meu tio matava um leitão, carneiro ou galinha. Era muito bom”, recorda, acrescentando que tinha amigos que na madrugada de Sábado de Aleluia adoravam roubar galináceos na vizinhança, mas ela mesma nunca chegou a participar. 

“Ainda hoje eu não limpo a casa, acho muito importante. Faço comida, mas não limpo a casa, nem lavo as louças. Nem pego em dinheiro. A partir de quarta-feira, na minha casa só se come peixe. Fui criada assim. E na Sexta-Feira é muito importante espirrar! Porque traz uma vida longa”, descreveu, acrescentando que seus dois filhos até reclamam, rompem algumas tradições como não pegar em dinheiro, mas acabam seguindo outros costumes. 

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