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Rock autoral de Teresina está em entressafra, diz pesquisador

O jornalista, produtor cultural e pesquisador em Sociologia, Thiago Meneses, viveu no Piauí, atualmente mora em Portugal e faz um trabalho sobre a cena do rock de Teresina no período dos anos 2000 até os dias atuais como tema do seu doutorado. Ele tem levantado dados importantes sobre a música autoral piauiense daquela que poderíamos chamar de uma época de ouro, ouvindo artistas e produtores musicais - até o momento 92 grupos/artistas foram catalogados. Na entrevista a seguir, ele relata ao CidadeVerde.com um pouco de suas impressões sobre o momento atual da nossa música e aponta bandas históricas e aquelas que devemos ficar de olho. A nossa sugestão é que você coloque “Maquetes Loucas” no último volume e acompanhe o bate-papo abaixo.

 

Fotos: Alessandra Mota

 

Cidade Verde: Como surgiu a sua ideia de pesquisar esse tema da música feita aqui em Teresina?
Thiago Meneses: Quando eu fui fazer o doutorado em Portugal, em 2013, sempre tive a ideia de ter um olhar sobre o Piauí, por ter vivido aqui e ter consciência da relevância quantitativa e qualitativa dessa música. Chegando lá, na medida em que comecei a pesquisa documental, percebi que havia muita coisa. Então, voltei meu olhar para Teresina. Mas, mesmo assim, minha professora e eu percebemos que era um material muito grande e que ficaria difícil pra gente desenvolver. Decidi então por pesquisar a música de Teresina no segmento de rock autoral. 

O que você pretende descobrir com essa pesquisa?
Tenho dois objetivos principais: o primeiro, de ordem morfológica, é compreender como está estruturado o conjunto de instâncias que gravitam no entorno da produção musical desse rock autoral – projetos musicais, espaços de produção, casas de shows, lojas de disco, a cobertura jornalística, que chamo de instância de legitimação, e a própria produção fonográfica, que são os registros da música, os fonogramas. A segunda seria a dimensão simbólica, que diz respeito ao significado produzido a partir da música, as hibridações culturais entre local e global, desde o início do século XXI até agora. 

Nesse espaço de tempo de 15 anos, qual seria a época de ouro para o rock teresinense?
Como é um trabalho em progresso, em termos preliminares, a produção fonográfica, por exemplo, ainda está em aberto. Estou descobrindo ainda muita coisa. Pela maioria das falas das pessoas que entrevistei até agora, existe um período que coincide com o período de realização do Piauí Pop, de 2004 a 2009, onde houve um boom dessa produção autoral nesse campo do rock, que é o meu foco. Seja no campo de produção ou de locais onde você podia fruir esse tipo de música. Tem um documentário muito interessante de um ex-aluno da Universidade Federal de sobrenome Rolim (João Victor Rolim) onde as falas também convergem para esse tempo.

É possível dizer que o rock teresinense tem uma característica principal? Qual seria ela?
A palavra-chave é a diversidade. Por mais que o chamado "rock regional" tenha tido projetos seminais que são os mais difundidos e que chegaram mais ao público, “diversidade” seria o termo mais adequado. Como exemplos temos Narguilê (Hidromecânico), Validuaté, Captamata,Rock Moreira, Eucapiau, dentre muitos outros. Temos também projetos de bandas de rock instrumental como Wake Up, Killer!, Aloha Haole, Anna Werther, até bandas que no Brasil se chama de rock-pop. 

Muitas bandas surgiram no final da década de 1990, início dos 2000 e acabaram ou não estão mais com tanta visibilidade. É possível dizer por que isso aconteceu?
É uma pergunta difícil porque, na realidade, o próprio contexto de música independente é muito difícil. Muitas vezes, a própria banda tem uma história particular. Tem questões estruturais também. O próprio fim da grande indústria fonográfica, ou sua reestruturação, fechou algumas portas, mas também abriu um leque de oportunidades. Eu sou um otimista em relação a essa nova conjuntura, principalmente por conta das novas tecnologias. Talvez seja essa a pergunta que mais me atormenta e difícil de responder no momento do andamento do meu trabalho. 

Que locais foram mais importantes para a cena do rock em Teresina?
Sei que vou esquecer de alguns (risos), mas vamos lá: no final dos anos 1990, o Boca da Noite e Clube dos Diários; por conta dos eventos, a Central de Artesanato, a própria praça Pedro II; o Mercearia; o Noé Mendes foi um berço da produção autoral, mas agora deu uma parada, com as mudanças na UFPI; o Boemia; o Raízes, na zona leste; o Circulador; o Bueiro do Rock que até hoje vem firme e forte, contra tudo e contra todos... Os estúdios também são importantes porque não são só o local onde se ensaia, são ponto de encontro, é onde existe o debate, uma troca de ideias. Quero até fazer uma etnografia dos estúdios de música, porque eles catalisam a música. O Totte Studio, o do Bueiro do Rock, dos meninos do Anno Zero, do Orange Studio, do Mike do Megahertz, uma galera do Dirceu do movimento Autoral Rock, que também são importantes e muitos outros.

 

 

É possível traçar um perfil do músico autoral de rock de Teresina?
Seja do ponto de vista estético ou político, eu acredito que há uma diversidade, pelo que eu conversei até o momento. Seja em perfil sociográfico, na forma como estão disseminados na cidade. Eu entrevistei gente desde o Renascença ao pessoal da zona leste, zona norte, de faixa etária, gente que está nos 50. Mesmo em questão estética, ou na forma como eles veem a responsabilidade do estado com a música, horizontes, tem os que ficaram só aqui, os que viajaram, os que pensam em ser locais, mas também os cosmopolitas.

O poder público é uma crítica comum por parte dos músicos?
Teresina tem uma lei que funciona bem mal ou nem funciona, que é a Lei A. Tito Filho, mas o fato de ter uma lei, que deixa obrigatório a destinação de imposto, já é uma conquista. A questão do conselho (de cultura) indica que já tem uma organização. Mas essa questão do poder público é recorrente em todos os lugares. Eu venho de Portugal, lá também há uma briga por isso. Por mais que pensemos que a cultura é uma questão chave na nossa sociedade, e é, é negligenciada e ponto. Tenho ouvido críticas, mas tem muita gente que também que fala que não deveríamos depender, que o poder público deveria fomentar. Mas há quem diga que só funciona se tiver alguém deles lá dentro. Mas não são problemas específicos daqui. 

Há um certo preconceito no reconhecimento da música não-folclórica seja uma identidade de Teresina?
Não posso falar como pesquisador, porque esse não é o meu foco, mas como observador, acho que não. A curadoria do Boca da Noite, por exemplo, faz com que o rock esteja presente, na minha opinião. Sabemos que em Pernambuco havia um tempo em as pessoas que estavam nos órgãos de fomento estavam mais ligados às pessoas do movimento Armorial ou se fazia algo que reforçasse a identidade ou não teria apoio. Não sinto isso aqui nessa dimensão. 

Ao longo desses 15 anos, como seria possível falar que está o rock de Teresina?
Bom, o meu trabalho está em progresso, mas posso dizer que no começo dos anos 2000, tivemos Narguilê, Teófilo, dentre outros, que tiveram um papel fundamental, porque foi aí que as pessoas começaram a pensar, a se voltar por esse tipo de música piauiense, que durou além da primeira metade dessa década. Em 2009-2010, surgiu uma onda de cover muito grande. E não estou falando de polarização, mas um dos entrevistados me falou, e eu concordo, de certa maneira, que, quando o cover é feito de maneira predatória, acaba atrapalhando (os trabalhos autorais). Mas me parece hoje que estamos numa entressafra, porque surgiram espaços.  Por exemplo, a produtora 202 Produções voltada para o rock, o Cumbuca Cultural, o Autoral Rock do Dirceu, que fazem eventos na periferia e no centro. Tem um pessoal desterritorializado também como o Guardia Nova, o Trincado (e a Solução), que são trabalhos maravilhosos que estão tendo repercussão nacional. O Guardia Nova foi eleito por um site especializado um dos melhores discos de música autoral brasileira de 2013. Eu diria que a produção está numa entressafra, que não dá pra gente dizer para onde vai, mas com os desdobramentos e a pujança que mostra hoje, estou otimista. 

 

 

Quem seriam os artistas que deveríamos ficar de olho?
Já peço desculpas pelas ausências, mas vamos lá, Guardia, que nem é tanto rock, vai um pouco mais para a MPB, mas dialoga com o público que eu pesquiso, por isso está na amostra; Hugo dos Santos, que vem desenvolve um trabalho fundamental e mora atualmente na Paraíba; o V-Road que deu uma circulada pelo país; o Aloha Haole, de rock instrumental de surf music com punk, vai fazer uma turnê pela Argentina, tá circulando pelo Nordeste; são as que me vêm à mente, peço desculpas se esqueci alguém. Quando me perguntam em Portugal sobre as músicas daqui, eu mostro esses, sem perigo de fazer feio. 

Vai ser possível vermos a volta da música autoral teresinense àquilo que já foi um dia, de ter um público grande, estar em vários espaços?
Não acredito. O contexto era outro, era pré-boom das novas tecnologias. Você tinha internet, tinha Orkut, mas o home studio ainda era muito incipiente. Hoje está tudo mais pulverizado. Não sei se vamos ter uma banda autoral pra colocar "800 pessoas no Churú", não sei dizer realmente, mas acredito numa produção quantitativa e qualitativa relevante e boa. Um dos comentários de entrevistado em um documentário que saiu foi "no dia em que a gente colocava 400 pessoas no Churú, era ruim", hoje colocar 400 pessoas seria uma empreitada exitosa. Há uma pulverização e segmentação (do público) cada vez maior, mas acredito na qualidade e qualidade. Hoje temos uma galera com menos de trinta anos fazendo um som que não deve nada a ninguém aí fora.

A nova geração, digamos assim, está interligada com a mais antiga?
Acho que eles conhecem bem a música piauiense. O Júlio (Baros) da 202, sei que tem uma ligação forte com o Totte, um ensaia no estúdio do outro, o Hugo também. O Guardia, por exemplo, vem do núcleo do Eucapiau, e o Ravel Rodrigues, cabeça do Eucapiau, tem como pai o Zé Rodrigues, um dos maiores compositores piauienses. Por esses exemplos, diria que eles têm uma ligação íntima e também de conhecimento. Claro, um ou outro não tem ligação, mas a maioria tem. Tanto que o Narguilê é uma referência recorrente. Um projeto do final dos anos 1990, sendo que alguns deles como o Fábio Crazy, já tinha projetos no final dos anos 1980. 

O Narguilê é a banda mais importante desse cenário?
Nas minhas entrevistas, o Narguilê é quase um consenso total, um nome presente na entrevista de todos. Me surpreendeu a forma como está presente nos mais diversos segmentos. Mais do que uma influência direta, ele têm o reconhecimento da sua importância cultural e o respeito. Não sei se poderia dizer que é a mais importante, mas foi um trabalho seminal, fundamental, pedra angular, divisor de águas.

E como anda o diálogo dos músicos daqui com as pessoas de outros lugares?
A 202, do Júlio, junto com a Corporação Gamelas, um coletivo que está um pouco parado, tiveram uma grande sacada e perceberam o circuito alternativo que existe no Brasil, e que é muito forte, e tentaram se conectar. Seja a banda do Júlio, a V-Road, eles circularam pelo Brasil, foi até Goiânia, circulando, seja a banda do Javé, Alcaçuz, foram por estar dentro de um coletivo. Teresina ainda tem que dar um up nesse sentido, até pelo som que é feito aqui. Há um jornalista cultural chamado Ricardo Alexandre, que diz que as novas tecnologias, ao mesmo tempo que possibilita fazer um registro, não incentiva (o músico) a se conectar de uma forma abrangente. A  música dos anos 1980 tinha boa qualidade, mas era cheia de concessões estéticas e comunicativas. Já com as novas tecnologias, o maluco tem mais liberdade para ser maluco – no bom sentido da palavra – mas, talvez compartimenta mais os pequenos nichos, que vão ficando cada vez mais específicos, é até paradoxal. Falta um pouco desse equilíbrio atualmente. 

 

Carlos Lustosa Filho
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