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Ao volante de táxi, prefeito do Rio surpreende cariocas

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Tem o motorista que gosta de conversar e o que prefere a corrida em silêncio — caso mais raro. Tem aquele que prefere falar sobre amenidades e o que adora um debate político com o passageiro, um clássico carioca. O que liga o ar-condicionado no máximo e o que reluta em fechar as janelas. Não há motorista perfeito para atender a todo gosto de freguês, mas já existe o motorista-prefeito. Longe da rotina administrativa, o prefeito Eduardo Paes tem um “segundo emprego”, que mantinha em segredo: o de motorista de táxi. Ao volante, ele tem surpreendido passageiros, que acham graça quando o reconhecem ou aproveitam para um improvável tête-à-tête com o alcaide, com direito a críticas.

A ideia surgiu durante as gravações do programa regional do PMDB, que vai ao ar nos dias 7, 9, 12 e 14 de outubro. Um integrante da equipe de produção sugeriu ao prefeito que assumisse a direção e fosse atrás dos clientes por ruas e avenidas. Motorista habilitado e político com anos de praça, Paes não só aceitou a sugestão, como resolveu ampliar a experiência, criando uma espécie de ouvidoria sobre rodas. Passou a circular no carro que, ao contrário da época das gravações para o programa, não tem mais câmeras para gravar as conversas. Ele já esperava ouvir reclamações, mas domingo ganhou o dia com os elogios de uma família que levou até a Praça Mauá.

— Eles começaram com aquele papo de reclamar dos políticos, falaram mal da (presidente) Dilma (Rousseff) e do (governador Luiz Fernando) Pezão. Mas, rapaz, disseram que gostavam do prefeito. Não tinham me reconhecido ainda. Eu virei para trás, e foi um susto — conta Paes.

O prefeito sentiu na pele que a vida de motorista tem suas dificuldades, principalmente quando o “taxista” é o prefeito da cidade. Um passageiro que pegou em Madureira chamou o prefeito de “maluco” por causa do excesso de obras em andamento na cidade.

— Sempre puxo conversa. Eu perguntei o que ele achava da cidade, e ele reclamou dos engarrafamentos. Eu disse que ia melhorar e que as obras eram importantes. Ele respondeu que o prefeito era maluco e só depois me reconheceu — lembra Paes, rindo.

MÃE E FILHA BRIGAM NO BANCO DE TRÁS

Até discussão no carro o prefeito já presenciou nas poucas semanas em que está ao volante. Mãe e filha o reconheceram logo, o que deu início a um debate político no banco de trás. Enquanto a mãe, eleitora de Paes, fazia elogios, a filha bradava críticas contra a administração municipal. Num momento de empolgação — e exaltação —, a filha disse que, se pudesse, pegaria um taser (arma de choque) para atingir o prefeito. Recebeu uma reprimenda da mãe, que ficou constrangida, e de Paes uma resposta de político experiente, versado em sair de saias justas:

— Disse que eu estava aberto a conversar e que não havia momento melhor para isso do que aquele.

Por via das dúvidas e para cumprir o protocolo, um carro com o ajudante de ordens e um segurança está sempre seguindo o táxi de Paes. Outra característica única das corridas do prefeito: a gratuidade.

Paes define os encontros como uma experiência mais real de contato com a população. Acredita que as pessoas ficam mais à vontade, sem o “constrangimento” dos encontros formais.

— Sempre usei o samba e os botequins como maneira de as pessoas ficarem próximas, sem essa coisa de estar falando com o prefeito. A pessoa fala o que quer, é quase uma pesquisa qualitativa — compara, em referência às enquetes comuns no marketing político. — Vou pegar um táxi por aí de vez em quando e estou pensando em outras formas de ter essa proximidade (com as pessoas).

Caso deseje abraçar a nova profissão ao deixar a prefeitura, no ano que vem, Paes precisará cumprir uma longa lista de exigências, que são obrigatórias para os 33 mil taxistas da cidade. No Detran, é necessário pagar pela alteração na carteira de motorista, que vai incluir a autorização para exercer atividade remunerada, e passar por um exame psicológico. Já na Secretaria municipal de Transportes, para se cadastrar como motorista auxiliar — não há novas autonomias à venda no momento —, é preciso apresentar, entre outros documentos, certidões criminais. A secretaria informou ainda que, a partir do mês que vem, todos os novos motoristas passarão por um treinamento específico. Os taxistas que já têm autorização para circular estão passando por um curso de aperfeiçoamento.

Brincadeiras à parte, o sociólogo e cientista político Paulo Baía, professor da UFRJ, acredita que as “caronas” são uma atitude simpática e também uma maneira de marcar posição política. De quebra, ele observa ainda que, em um momento de ampla discussão na sociedade sobre a legalidade do Uber — serviço de transporte particular agendado por um aplicativo —, as viagens de táxi são ainda uma forma de demonstrar apoio à categoria.

— É uma atitude simpática, vira uma espécie de ouvidoria móvel. Acho que é uma maneira moderna de estabelecer pontes com a população, mas é uma sinalização simbólica. Não dá para desvincular isso da lei que ele está prestes a sancionar — analisa, referindo-se ao projeto de lei que está na mesa do prefeito, com poder de restringir as atividades do Uber, serviço que concorre com os táxis.

PREFEITO VAI DECIDIR SOBRE UBER

Aprovada pela Câmara, a lei precisa ser sancionada pelo prefeito. Perguntado se não dirigiria um carro do Uber, Paes diz que vai focar a carreira no serviço de praça convencional.

— O Uber eu não posso dirigir, porque é ilegal — justifica.

Nesta terça-feira termina o prazo para Paes se decidir sobre o Uber, mas ele não quis adiantar qual será a decisão. E, claro, não perdeu a chance da piada:

— Para saber isso, tem que pegar um táxi com o prefeito.

Fonte: O Globo

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