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FIlme mostra ponto de vista de menino sobre a ditadura

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Brasília é um sonho político, arquitetônico e urbanístico de concreto, onde os sonhos do povo brasileiro deveriam ser concretizados, porém, quase nunca o são. O pai do escritor mineiro Luiz Fernando Emediato foi um dos sonhadores que para lá foram, esperançosos, para ajudar em sua construção; mas descobriram, às vésperas do golpe de 1964, “O Outro Lado do Paraíso” (2014).

Esse é o título dado ao conto escrito em homenagem ao seu pai, Antônio Trindade, e que se transformou no longa homônimo de André Ristum, do qual Emediato também é produtor e personagem. Como alter ego do também jornalista e editor, Davi Galdeano encarna o menino Nando, cujo pai (Eduardo Moscovis) está sempre em busca desse paraíso na terra, o país de Evilath que seu Antônio lera na Bíblia.

Desta vez, a promessa de felicidade está em Brasília e o chefe da família leva a mulher Nancy (Simone Iliescu) e seus três filhos do interior de Minas Gerais para Taguatinga, cidade-satélite onde moram os trabalhadores da construção da nova capital.

Mas a mudança é dolorosa para o garoto, ainda envolvido em seus primeiros amores: deixou no vilarejo a pequena Alice (Tais Andrade), enquanto no novo endereço encontrou os livros e a rebelde Iara (Maju Souza).

Além da relação entre pai e filho, tema de “Meu País” (2011), filme anterior de Ristum, a abordagem ficcional do momento do golpe foi um atrativo do projeto para o diretor. Nascido no exterior, após seus pais saírem do Brasil em 1967, por conta da repressão, e só retornarem depois da Anistia, André já retratou o período no documentário “Tempo de Resistência” (2003). Aqui, a adorada figura paterna, simpatizante do governo Jango e das causas sindicais, vira alvo dos militares.

Por isso, não surpreende a adoção da visão do garoto sobre a conturbada época, que, por sua vez, gera uma clara lembrança de “O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias” (2006), de Cao Hamburger, embora guarde mais semelhanças com o chileno “Machuca” (2004) e o argentino “Kamchatka” (2002).

A escolha cativa o público, mas, ao dar ao protagonista o desejo por livros políticos e a voz adulta em desnecessários offs, o cineasta compromete certa inocência e possibilidades do ponto de vista infantil, sem aprofundar o contexto político.

Apesar dos offs do jovem escrevendo cartas para a amada, nos quais Galdeano não se sai tão bem quanto em cena, o intérprete mostra-se promissor. De igual maneira, mesmo que passe perto do melodrama, a direção não se prende a isto e apenas gera mais empatia pelos personagens do que no extremamente contido “Meu País".

E olha que o roteiro de Marcelo Müller, junto com José Rezende, Ricardo Tiezzi e Ristum, força uma relação da irmã do menino (Camila Márdila, de “Que Horas Ela Volta?”) com um militar, sem aproveitar a riqueza deste personagem.

De qualquer modo, André obtém um resultado muito positivo neste filme, premiado pelo público em Gramado, na mistura do lúdico – a atuação de Du Moscovis ou a inédita e etérea canção “Ventos Irmãos”, cantada por Milton Nascimento – com suas influências neorrealistas.

Ele utiliza o material inédito do fotógrafo francês Jean Manzon ao lado de imagens do curta documental “Brasília, Contradições de uma Cidade Nova” (1968), de Joaquim Pedro de Andrade, do qual até “pintou” um ônibus na pós-produção para integrar sua reconstituição de época no ambiente das imagens de arquivo.

O curioso é que o curta de Joaquim Pedro foi censurado pelo regime militar justamente por destacar a disparidade entre a modernidade de Brasília e a realidade apartada dos candangos que a fizeram possível, embora tantos, assim como seu Antônio, que reflete a mesma contradição aqui, não se permitem deixar de sonhar com seu paraíso.

Fonte: G1

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