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PEC do teto é essencial, mas sozinha não garante ajuste, dizem analistas

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O governo vê a proposta de emenda à Constituição (PEC) que impõe um teto para os gastos da União como uma medida essencial para o controle dos gastos públicos e, por consequência, para a recuperação da economia brasileira. Economistas e analistas de mercado alertam, entretanto, que, sem a aprovação de outras medidas, como a reforma da Previdência, a mudança constitucional não garantirá o ajuste fiscal nem a retomada do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

"O governo colocou todas as suas fichas na PEC dos gastos. Ela é muito simbólica, porque é uma demonstração de força para o governo e ajuda a aumentar as chances da reforma da Previdência também", diz Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos.

"O regime fiscal que temos hoje colapsou e é insustentável, tanto em razão de má gestão como também da Previdência e do envelhecimento da população do país", completa.
A Câmara aprovou a PEC 241 em primeiro turno na madrugada desta terça (11). A proposta teve 366 votos a favor, 111 contra e 2 abstenções. Antes de alterar a Constituição, a PEC ainda terá de passar por uma segunda votação no plenário da Câmara e outras duas no Senado.

Teste do governo
A proposta é vista por investidores e pelo mercado como a primeira medida econômica efetiva por parte do governo de Michel Temer. Sua aprovação é uma demonstração de força do governo e de que conseguirá executar sua agenda de reformas.

O avanço da PEC abrirá caminho para a melhora dos índices de confiança e para uma queda da básica taxa de juros (Selic) já na próxima reunião do Copom, afirmaram analistas. A redução do juro básico impulsiona a expansão do crédito e dos investimentos no país, favorecendo a retomada do crescimento econômico.

Muitos economistas já consideravam a aprovação da PEC nas suas projeções. "A aprovação era o cenário base de todos no mercado. Ninguém considerava a não aprovação. Muita coisa está precificada, e a aprovação da PEC é a saída do discurso para a prática. É a mudança efetiva da expectativa para a ação", afirma Adeodato Volpi Netto, chefe de mercado de Capitais da Eleven Financial.

Volpi ressaltou que a aprovação da PEC coloca o país na direção correta, mas que a recuperação da economia brasileira será lenta. "A economia brasileira vai levar um tempo para se recuperar, porque ela é um transatlântico. Não dá para dar um cavalo de pau, a mudança de direção precisa ser gradativa. Estancar o gasto nesse momento é fundamental."

A maioria dos analistas concorda que a rejeição da proposta pioraria o cenário econômico. "Os indicadores de confiança já começaram a melhorar, mas é uma confiança que eu chamo de emprestada, porque até agora nada foi feito. Por isso, a PEC tinha de ser aprovada, é uma primeira condição para discussão do resto", diz Margarida Gutierrez, da Coppead/UFRJ.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, se recusou nesta segunda-feira (10) a avaliar cenários sobre uma não aprovação da proposta, em evento em Nova York. Ele lembrou que a rejeição da proposta obrigaria o governo a contemplar possibilidades "muito piores".

Incertezas sobre a aplicação
Os economistas destacam que a PEC fixa um limite para o gasto público total, sem indicar como será feito o controle dos diferentes tipos de despesas que compõe o Orçamento. Muitos dos gastos públicos são obrigatórios e com regras próprias de crescimento, como por exemplo Previdência Social, saúde e educação.

Atualmente, o que mais consome os gastos públicos é a soma de Previdência, benefícios e pessoal (cerca de 70% do Orçamento). Outros 15% vão para os gastos correntes, com regras também muito rígidas. Com isso, sobra muito pouco para investimentos.

Zeina Latif compara a PEC a uma fita métrica ou cinta que mede a cintura de alguém com obesidade e se limita a fazer o diagnóstico e impor um limite. "Esse regime fiscal põe a cinta e diz que não pode engordar, mas não diz o que fazer. O gordinho é que vai ter que correr atrás de dieta, atividade física e se virar", compara a economista.

Para ela, o governo precisa aprovar instrumentos complementares de corte e controle das despesas, como a reforma da Previdência. As despesas com aposentadorias e pensões são apontadas como as principais responsáveis pelo crescimento exponencial dos gastos públicos.

Margarida Gutierrez, da Coppead/UFRJ, também defende medidas complementares para ajustar as contas públicas. "Sem as reformas que precisam ocorrer para modificar o crescimento ou a evolução dos gastos públicos, esse teto irá virar nada, porque será furado já em 2018", alerta.

Para o economista e ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman, um dos pontos positivos da PEC é justamente forçar a discussão entre os governantes sobre a distribuição dos gastos. "Ela torna obrigatória a discussão sobre onde cortar daqui para frente e acredito que não há dúvida de que a Previdência deve ser a prioridade", diz.

Há quem veja também uma oportunidade para se perseguir uma melhor eficiência no gasto público e a identificação de prioridades. "Vemos tanto mau uso do dinheiro público, que acredito que se os gastos forem corretamente alocados, será possível preservar o principal e retirar apenas o supérfluo", diz Netto, da Eleven Financial. "O caminho das privatizações é inevitável, mas não se trata apenas de arrecadação. A redução do tamanho do estado implica em aliviar a obrigação de investimento e de dispêndio no médio prazo", acrescenta.

Críticas à proposta
Os críticos da proposta e a oposição não concordam com a falta de definições sobre onde cortar os gastos. Para eles, há risco de estrangulamento nos investimentos em ações sociais do governo, principalmente nas áreas de saúde e educação, cujos repasses nos últimos anos vinham crescendo bem acima da inflação. Recentemente, entidades avaliaram que o setor de saúde pode ter perdas bilionárias com PEC do teto. Pela regra defendida pelo governo, saúde e educação obedecerão o teto de gastos a partir de 2018.

"A PEC não é uma medida de estabilização fiscal, mas de imposição de um projeto de estado mínimo no Brasil", critica o economista e professor da Unicamp, Pedro Rossi. "Concordando ou não com a dosagem draconiana de redução do estado em proporção ao PIB, devemos reconhecer que esse movimento vai gerar enormes conflitos sociais", completa.

O Conselho Federal de Economia se posicionou contra a proposta e acusou o governo de fazer um "falso diagnóstico" do déficit fiscal. Para a entidade, o governo identifica "uma suposta e inexistente gastança do setor público, em particular em relação às despesas com saúde, educação, Previdência e assistência social, responsabilizando-as pelo aumento do déficit público."

O conselho disse ainda que o governo omite as "efetivas razões" para o déficit público, que são "os gastos com juros da dívida pública (responsáveis por 80% do déficit nominal), as excessivas renúncias fiscais, o baixo nível de combate à sonegação fiscal, a frustração da receita e o elevado grau de corrupção."

Fonte: G1

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