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Após câncer, teresinense cria clínica para consertar brinquedos

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Há nove anos, existe em Teresina uma clínica bem diferente das convencionais. O lugar fica próximo ao Polo de Saúde da Capital, no Centro, mas a sensação de estar lá, em nada lembra os sentimentos de dor e tristeza comuns em ambientes hospitalares.  Para se ter uma ideia, os pacientes são carrinhos, bonecas, helicópteros... O administrador do local é o Dr. Boneco. Sejam todos bem-vindos à Clínica dos Brinquedos. 

No mundo real, o Dr. Boneco, chama-se Wilson Araújo e dedica a vida a consertar brinquedos, devolvendo alegria para crianças de 0 a 90 anos de idade. Desde a infância, o teresinense fabricava os próprios carrinhos, mas foi após um câncer que ele descobriu a vocação para despertar sorrisos. 

“Aqui a gente não só conserta brinquedos.Tem toda uma história emocional. Tenho clientes de 0 a 90 anos, entres estes, uma senhora de 78 anos que sai do Tocantins para fazer tratamento de saúde em Teresina e traz as bonecas para eu também tratar delas. Vem gente do Acre que me descobre na internet e tem boneca de mais de 40 anos. A gente não conserta apenas brinquedos...

Eu mexo com o emocional das pessoas e resgato uma história. Aqui no Polo de Saúde tem clínica urológica, oftalmológica, coronária e só faltava a dos brinquedos”, disse Wilson Araújo.

A ideia de montar a clínica surgiu durante tratamento de um tumor na clavícula. A primeira 'paciente' foi uma boneca importada, que pertencia à neta de um amigo. Mesmo sem conhecimento técnico, Wilson relembra que se dispôs a consertar o brinquedo, pois com a doença que o impedia de trabalhar, ele passou a enfrentar dificuldades financeiras. Por conta do câncer, ele tinha direito ao auxílio-doença pago pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), mas teve o benefício do INSS cortado por alguns meses.

“Esse amigo perguntou quem mexia com bonecas aqui em Teresina. Eu disse que não sabia e emendei, em seguida, que fazia meus próprios brinquedos quando pequeno. Perguntei se ele queria deixar a boneca para que eu desse uma olhada. Pronto! Daí surgiu tudo. Consertei a boneca importada e foi esse amigo que me incentivou a trabalhar com isso”, disse. 

Wilson relembra que começou a dar vida aos brinquedos apenas como forma de terapia. A necessidade de sustentar os dois filhos foi um dos fatores que o impulsou a levar a 'brincadeira' como ofício. 

 

“Perdi meu pai e minha mãe com um câncer. Ele sempre me dizia: nunca diga nunca e nunca diga que não sabe. Todos os empregos que eu tive foi nessa:  se você me ensinar, aprendo. A primeira boneca comecei como terapia ocupacional. Quando comecei o tratamento, fui fazendo casas grandes de papel, com telhado e tudo, para minha filha brincar. Tainá (filha de Wilson) tinha três anos de idade. Então, eu não podia morrer. Tinha uma filha pequena para criar e também um filho que hoje tem 35 anos de idade. Comecei como terapia ocupacional, mas vi que a coisa estava pegando..

Consertando brinquedos, atropelei um câncer e parecia que não estava doente. ”, relembra

Após conselhos do amigo, Wilson Cordeiro conta que começou a distribuir cartões de visita nas maiores lojas de Teresina e para a surpresa, após alguns meses, chegaram quase 200 brinquedos para serem consertados. 

“Quando o INSS cortou meu benefício, fiquei  três meses agoniado. Peguei 300 cartões e distribui nas maiores lojas de Teresina, apenas com a convicção e a coragem de que eu ia dar conta. Algo me dizia que eu ia dar conta. Dois meses depois chegaram quase 200 brinquedos de uma loja, principalmente, importados. Na época meu conhecimento era zero, mas eu tinha intuição. Fui consertando... dos 180, voltaram apenas cinco sem consertar. Hoje eu não posso parar mais, pois faço a alegria de crianças, adultos e idosos”, conta com alegria Araújo. 

Com o negócio se tornando sério, ele viu a necessidade de aperfeiçoar o conhecimento e investiu em cursos técnicos. Atualmente, ele trabalha como assistente técnico autorizado de seis indústrias de brinquedos e é o único no Piauí a realizar o serviço. 

Pacientes 

Ao longo de quase uma década, Dr. Boneco já consertou aproximadamente 4 mil brinquedos. Atualmente, ele mantém 15 ‘pacientes internados’. O valor da ‘consulta’ varia entre R$ 5 a R$ 300 e o tempo de ‘internação’ depende do ‘estado de saúde do 'paciente’.

“Se a ideia vem logo, ou seja, a cura é rápida, a gente despacha logo. Porém, têm pacientes que são mais delicados e tenho que esperar doadores. Enquanto não chega o doador, a gente não faz o transplante, pois não posso colocar qualquer perna. Muitas vezes, eu deixo uma boneca ali e vou olhando para ela até surgir ideia. Vou juntando peças e materiais até dar certo. Aqui quando não tem, a gente faz a peça ou vou atrás de quem faz. O negócio é o cliente sair daqui com o brinquedo”, explica o doutor. 

Ele conta que, em alguns casos, o preço do conserto é equivalente a uma consulta em uma clínica particular.

“No período do Natal, as clínicas mandam aqueles Papais Noéis grandes de 1,80 metro, tocando sax para eu consertar. Então, cobro o preço da consulta para o ser humano. Aqui eu trato tudo: parte veterinária, urologista, ortopedista, faço transplante de perna e corpo. Por outro lado, se o brinquedo é para doação, não cobro mão de obra, apenas as peças”, diz o doutor que também faz reparos em babá eletrônica, cadeirinha de bebê e até bonecas de porcelana.

Muitos pacientes tratados pelo Dr. Boneco não são apenas brinquedos. Por isso, Wilson busca sempre observar o ‘prontuário’ de cada paciente. 

“Quando eu conserto brinquedos antigos, principalmente, de senhoras, fico procurando ver a felicidade daquela pessoa quando receber. Antes de consertar, procuro saber um pouco da história daquele brinquedo, o acaba facilitando meu trabalho. Pergunto quantos anos tem aquela boneca, qual a relação... tem delas que não dá nem vontade de cobrar, só pela história. Às vezes, o cliente vem e pensa que vai sair perfeito, do jeito que comprou. Então, vou logo preparando psicologicamente. Essas coisas assim ficam cicatrizes. No ser humano não fica cicatriz?”, disse apontando para uma cicatriz no próprio braço.

Relatos emocionantes

Desde o tempo em que virou doutor de brinquedos, ele vem acumulando não só casos solucionados, mas também histórias emocionantes. Wilson conta com orgulho, a história de uma senhora que guarda brinquedos do lixo.  

“A ligação dela com as bonecas é muito grande. Ela tem um quarto só de bonecas e muitas são dadas pelos garis do caminhão de lixo. Ela criou um vínculo com eles e pediu que jogassem sempre que encontrassem. Um dia, ela  pegou uma boneca  imensa que foi jogada no lixo só porque estava riscada. Então, me me pagou R$ 100 para que eu removesse toda a tinta. Ela as traz as filhas dela e eu as recupero. É uma paixão que ela tem por bonecas. Não doa nenhuma”, conta o doutor.

Outra história emocionante é de uma cliente de 45 anos de idade que ainda hoje guarda uma boneca dada por seu falecido pai. 

“Ela ganhou uma boneca quando tinha seis anos de idade, seis meses depois, perdeu o pai. Essa pessoa com 45 anos de idade me procurou dizendo isso e que já tinha andado em várias assistências técnicas de brinquedo em São Paulo, Fortaleza, Bahia e ninguém consertava. Essa história me comoveu muito. Era uma boneca toda estilhaçada e eu não sabia o que fazer. Então, comecei a ‘cavar’ ainda mais a história dela. O que me moveu a fazer a boneca foi a história dela”, conta Araújo. 

Crise afeta demanda por Papai Noel

Apesar da boa demanda durante o ano inteiro, o número de pacientes Papais Noéis vêm diminuindo desde 2014. Há alguns anos, em dezembro, o Dr. Boneco consertava mais de 100 Papais Noéis, mas atualmente esse número não chega a 10, reflexo da crise financeira no país, segundo ele.
Contudo, mesmo com a baixa no período natalino, Wilson Cordeiro sente-se feliz com o trabalho.

“Duas coisas na vida me deixam feliz e realizado: quando trabalhei como educador físico com crianças e agora que eu trabalho com crianças de 0 anos a 90 anos. Trabalhar com brinquedos é muito prazeroso. Eu atropelei um câncer por causa dos brinquedos e a fantasia que os brinquedos nos trazem. Meu pai tinha sete filhos e não dava brinquedos eletrônicos para todo mundo. Aliás, naquele tempo eram só brinquedos de plástico mesmo. Hoje eu tenho a oportunidade de pegar em brinquedos incríveis e que interagem comigo...

Os brinquedos representam a minha alegria. Ver a felicidade dos outros para mim é tudo. Uma pena que meus filhos já são grandes”, finaliza emocionado o Dr. Boneco.

 

* A Clínica dos Brinquedos fica localizada na Rua Magalhães Filho, 160, próximo ao Colégio CEI. Os contatos são (86) 3304 3020/ (86)8834 7956.

 

Graciane Sousa
[email protected]

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