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Cabeleireiro das famosas quer vida simples após câncer e cinco meses em coma

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No fim de 2014, comecei a me sentir muito cansado – trabalhava, em geral, entre 12 e 14 horas por dia e achei que era resultado dessa rotina puxada. Pensei: preciso aguentar até o Natal, depois vou para o Copacabana Palace, que é minha segunda casa, e fico por lá durante 15 dias de férias. Aguentei, meio cansado, mas aguentei.

Uma semana antes do dia 25, apareceu um nódulo na minha axila direita, mas não dei muita importância. Ele começou a aumentar e achei que tinha que suportar. Quando começou a doer muito, fui ao pronto-socorro. O médico fez exames de sangue e me liberou, dizendo que eu não tinha nada. Então, fui finalmente para o Rio. Cheguei ao Copa e já não estava muito legal. Não era mais eu mesmo. Deitava à noite para dormir e não conseguia mais levantar. Acordava com uma sudorese assustadora, dava para torcer o lençol de tão molhado que ele ficava. No fundo, sabia que não era uma coisa boa. Resolvi ir a outro hospital, no Rio, fiz novos exames de sangue e uma tomografia. Mas o diagnóstico foi o mesmo: disseram que eu não tinha nada.

Só na volta a São Paulo, por volta do dia 12 de janeiro, decidi marcar uma consulta com meu médico. Ele pediu uma biópsia e veio a bomba: era um linfoma não Hodgkin (neoplasia maligna, originária dos gânglios), doença que eu nem sabia o que era.

Por recomendação de uma amiga médica, procurei o hospital São José (renomeado BP Mirante), que é uma referência em câncer. Gostei do lugar, porque ele era discreto e eu ainda não sabia se queria revelar ou não a minha condição.

No início, não senti nada, nem enjoo, nas sessões de quimioterapia. Meu médico explicou que as reações são muito individuais, mas me alertou que em duas semanas meu cabelo começaria a cair. Não me preocupei na hora. Ia trabalhar depois da químio e percebi que o medo perde poder se você o encarar de frente. O aviso dele, porém, se concretizou: 15 dias depois, havia um monte de cabelo na minha fronha. Fui para o banho e, quando saí, notei várias falhas. Eu, que sempre fui vaidoso, tive pela primeira vez vontade de gritar desde que soube da doença. Para não revelar nada, decidi raspar todo o cabelo e escrever nas redes sociais que era uma promessa pela melhora da saúde do meu pai, que no mesmo período teve que colocar pontes de safena.

Alguns meses depois, o linfoma estava zerado e nem precisei ir para a sétima sessão de quimioterapia. Mas o pior ainda estava por vir. Em 26 de maio de 2015, cheguei em casa com falta de ar, fui para o hospital às 5h e uma hora depois mal conseguia respirar. Estava com pneumonia SARS, e os antibióticos não faziam efeito. Tive então uma parada cardíaca grave, precisei colocar pontes de mamária e safena, e durante cinco meses fiquei em coma. 

Quando comecei a recobrar a consciência, tinha a sensação de ter muita sede enquanto estava entubado. Tenho uma origem humilde, e tudo que construí foi com muito trabalho. Vivo em um apartamento de alto padrão, onde moro comos meus pais, e comprei outro, no prédio mais alto de São Paulo. Nessa hora, porém, daria os dois por um copo de água gelada.

Em junho de 2015, tiveram de me colocar em uma máquina chamada ECMO (que funciona como uma espécie de pulmão externo). Fiquei nela por 11 dias. Meus rins também foram atingidos e tive que fazer hemodiálise. Somado a tudo isso, escaras surgiram no meu corpo por ficar tanto tempo na cama. A ferida ia até o osso, doía muito. Disseram que precisaria fazer um enxerto de pele, mas sou tão abençoado que não precisei.

Nunca cheguei a derrubar uma lágrima ou acreditar que morreria. Só pensava: quando sair daqui vou fazer o que gosto. Andar no calçadão de Copacabana, parar na feirinha de Ipanema e comer acarajé, chegar em casa e pedir a minha mãe frutas geladas...

Quando saí do coma, havia perdido 35 quilos. Aterrorizado ao ver minhas pernas, só queria saber se poderia andar novamente. Recebi alta em novembro de 2015, mas não conseguia me movimentar: tentava levantar e as pernas falseavam. Voltei ao hospital por conta disso, me mapearam mais uma vez e veio outra bomba: estava com neuropatia periférica, uma doença que afeta os nervos responsáveis por encaminhar informações do cérebro e da medula espinhal para o restante do corpo, provavelmente resultado das sessões de químio que tive que fazer enquanto ainda estava internado porque os médicos haviam encontrado outros pontos de células cancerígenas

Quando finalmente pude voltar para casa, sabia que a recuperação seria lenta e comecei a prestar atenção em como minha vida era atribulada. Embarcava na ideia da fama, de que estava no auge da minha carreira, e só pensava em trabalho, não tinha nem domingos livres. Me deslumbrava em sentar na primeira fila dos desfiles, em ir aos galas mais disputados, aos bailes de Carnaval mais famosos...

Hoje não abro mão dos meus momentos. Virei um bobo. Olho para as flores, para os grafites nos muros da cidade, para os passarinhos e penso: como alguém pode não acreditar em Deus. Passei a ter prazer nas coisas mais simples, no pastel da feira, no sonho da padaria, na mandioca frita do quiosque. Isso que é vida!

Depois que você passa por algo assim, muda tudo, inclusive o paladar. Parei de tomar café expresso, algo que amava. A mesma coisa aconteceu com chocolate. Desisti também de ter apartamentos no Rio ou em Nova York, não quero mais esse tipo de trabalho, cuidar de casas, acumular.

Na fisioterapia, que faço até hoje por causa da neuropatia, ouvi histórias que me dão vergonha de reclamar da vida. Eu ando de andador, mas sigo em frente. E, se você me perguntar se eu passaria por tudo isso de novo, passaria. Foi um aprendizado e me sinto grato. O segredo da vida é a gratidão. Você agradece por hoje para alcançar o que quer amanhã.

Assumi o câncer em janeiro de 2016, quando publiquei uma foto no meu perfil no Instagram com os meus médicos e a minha família no restaurante A Bela Sintra. Fazer isso foi libertador. Percebi que poderia ajudar as pessoas, incentivá-las a ter esperança e a confiar na equipe médica, além de Deus.

Voltei ao salão em janeiro deste ano, mesmo sem poder trabalhar ainda. Mas pelo menos saio um pouco de casa, converso com as clientes. Me faz bem. Além da recomendação médica, como sou bastante supersticioso, meu guru da Cabala tinha me dito que era hora de voltar. Sofri o pão que o diabo amassou, mas com resiliência dei a volta por cima.

Em 11 de abril, faço 52 anos. Estou com muitos sonhos, quero fazer uma tatuagem, assumi os cabelos grisalhos e cheguei à conclusão de que tinha que passar por isso.

Se pudesse escolher algum presente de aniversário, pediria para minhas pernas ficarem fortes o bastante para eu poder voltar a andar no calçadão de Copacabana.

Fonte: Vogue 

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