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Livros ajudam crianças a superar morte e divórcio

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Mães e Filhos

Louise estava em uma cama de hospital. Há dois meses, recebeu um diagnóstico de leucemia. A história que ouviu é a de um livro que sua mãe, Renata Jesus Barros Businhani, 32, carrega na bolsa desde que soube do diagnóstico. Ela já tinha proposto ler a história para Louise algumas vezes, mas, até uma semana antes, a resposta era sempre: "Agora não quero".

"Foi uma surpresa, porque ela gostou, achou engraçado", diz a avó. O livro se chama "O Dodói da Gigi" e conta a história de uma menina mais ou menos da mesma idade de Louise. O assunto é leucemia, e a obra explica a doença e os procedimentos pelos quais o paciente tem de passar, em uma linguagem interessante e acessível para pessoas tão jovens quanto Louise. E também para os familiares mais velhos, pouco habituados aos termos médicos. "Vou te dizer uma boa verdade: até eu aprendi muitas coisas que não sabia com esse livrinho", relata a avó.
 
Temas espinhosos

Embora a literatura infantil sempre tenha tratado de temas como morte ou abandono -é só lembrar de clássicos como "Branca de Neve" ou "João e Maria"-, livros mais explícitos sobre assuntos considerados tabus para crianças são um fenômeno recente. Câncer, por exemplo, era uma palavra que até há pouco tempo só era dita aos sussurros, mesmo entre adultos. Hoje, obras com linguagem e ilustrações adequadas até para os bem pequenos abordam hospitalização, doenças crônicas, envelhecimento, exclusão ou violência.

São temas à primeira vista adultos, mas passaram a fazer parte da realidade das crianças de uma forma diferente. E, para alguns especialistas, esse tipo de livro pode ser uma ferramenta importante para ajudar a criança, os seus pais e os cuidadores a enfrentar melhor algumas situações de crise.

Recurso terapêutico

Doutora em psicologia pela USP (Universidade de São Paulo) com uma tese sobre a literatura infantil como recurso para abordar a morte com crianças e educadores, Lucélia Elizabeth Paiva diz que "o livro é uma ferramenta tanto para o adulto conseguir abordar o assunto quanto para a criança adquirir os conceitos básicos sobre ele, minimizar seus sentimentos de solidão e de perplexidade, criar formas de enfrentar o problema e buscar soluções".

Paiva trabalha com atendimento no consultório e na formação de profissionais com o que chama de biblioterapia. O uso terapêutico do livro é possível, segundo ela, porque a criança se identifica e se reconhece na história e vivencia, por meio do personagem, os problemas e as soluções apresentados no livro.

Isso ajuda a criança a se distanciar um pouco da própria dor e a expressar os seus sentimentos, além de diminuir a solidão e aumentar o seu vocabulário, facilitando a comunicação sobre aquilo que a aflige.

Papel dos adultos

Os adultos próximos não vão necessariamente aplicar o processo terapêutico, mas os livros também podem ser muito úteis para eles. "O uso de livros abre caminhos para a conversa entre o cuidador e a criança em situações críticas. Os pais não sabem como iniciar a conversa, e é difícil mesmo. O livro ajuda quem conta a história e quem a ouve a verbalizar seus sentimentos, suas dúvidas etc. É um facilitador do diálogo", diz a educadora Isabel Figueira de Mello Linares, autora dos livros da coleção "Crescer" (ed. Salamandra), que tratam de questões como adoção, separação ou hospitalização.

Lúcia Wajskop, orientadora de educação infantil do Colégio Santa Cruz, em São Paulo, acredita que a literatura dá a possibilidade de a criança experimentar não só a sua dor como a do outro, ampliando sua vivência. Mas pondera que, muitas vezes, o adulto tem a fantasia de que o livro vai substituir a dor real. "Se, para o adulto, o problema em questão, como a morte, por exemplo, está mal elaborado, pouco adianta contar uma história para a criança. Com livro ou sem livro, ou você se coloca ou não tem como ajudar." Para ela, tão importante quanto a história é o fato de quem a conta ter empatia com a dor da criança e entender o que ela está precisando ouvir em um determinado momento.

Informações saudáveis

Nem sempre a necessidade da criança é algo que fale diretamente sobre o problema. Valdir Cimino, diretor da ONG Viva e Deixe Viver, de contadores de histórias para crianças hospitalizadas, afirma que, em sua experiência com crianças e adolescentes, "na maioria das vezes eles querem conversar sobre tudo, menos sobre a doença e a morte". Os voluntários da ONG só tratam do assunto quando são solicitados pelos próprios pacientes.

No entanto, Cimino acredita que livros mais específicos e didáticos, desde que bem escritos e em linguagem clara, são importantes porque munem os pacientes de informações saudáveis, ajudando-os a enfrentar e até a reverter a situação. "Essas leituras costumam aumentar a adesão ao tratamento, um ponto fundamental nos casos de doenças crônicas."

Foi isso o que aconteceu com a Gigi, que na vida real é a Lalá, ou Laura Alves, 5. O livro que a avó de Louise leu para a neta na semana passada foi escrito pelo pai de Laura, o jornalista Francisco Alves, 57, quando a filha iniciou o tratamento para a leucemia, diagnosticada quando ela tinha dois anos. Ele e sua mulher, a nutricionista Betzabeth Slater, 48, procuraram livros para ajudar a filha. "Só encontramos um, sobre uma elefantinha que vai para o hospital, do [escritor e educador] Rubem Alves", lembra Betzabeth.

Francisco resolveu, então, escrever "O Dodói de Gigi" (ed. Signus). Contou com o apoio, entre outros, da Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia). "No início do tratamento, era só a Lalá ver uma agulha para abrir o berreiro. O livro foi uma das coisas que a ajudaram a entender o porquê de todo aquele sofrimento e a enfrentá-lo com mais tranqüilidade." Ele acha que livros sobre assuntos complexos e dolorosos são até "terapêuticos", desde que se tenha consciência de seus limites: "Não dá para achar que um livro vai resolver tudo. Mas ajuda, e muito".
 
Fonte: Folha Online
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