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Do sofá às joias, biografia de Hebe Camargo traz revelações

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No episódio que abre “Hebe — A biografia” (BestSeller), do jornalista e colunista do GLOBO Artur Xexéo, a apresentadora, nervosa, ameaça não participar de uma entrevista ao “Roda Viva”, da TV Cultura, em 1989: “Vocês vão me massacrar”, afirma Hebe ao jornalista Augusto Nunes, à frente do programa na época. A rainha da TV se revelava frágil no seu habitat natural. A mulher que dominava um palco — e uma plateia — como ninguém, mas só tinha concluído o primário, temia parecer ignorante frente a entrevistadores que considerava “intelectuais”, ao vivo. Morta em 2012, aos 83 anos, Hebe Camargo era alguém de múltiplas facetas. Vanguarda no comportamento, conservadora na política, a cantora e apresentadora, que fez história na TV brasileira, viveu amores intensos e foi amiga de artistas, empresários e políticos. Mas se sentia insegura.

— Às vezes, ela não se achava merecedora do que conquistou porque não tinha formação. Recebeu muita crítica por isso nos anos 1960 — diz Xexéo.

A apresentadora começou sua carreira artística em concursos de calouros. A música veio de berço. O pai, Sigisfredo, era violinista da orquestra do cinema mudo de Taubaté (SP), sua cidade natal. O cinema falado chegou, Seu Fego, como era conhecido, perdeu o emprego, e a família passou por muitas dificuldades. Com uma oportunidade de emprego para o pai numa rádio paulistana, Hebe se mudou para capital.

Aos 12 anos, ela começou a trabalhar numa casa de família para ajudar no orçamento doméstico. Pouco depois, vieram as disputas de calouros. A menina provou-se imbatível. Venceu vários concursos e entendeu que aquela era a melhor forma de colaborar com a família financeiramente. O contrato com a Rádio Difusora chegou quando Hebe tinha 15 anos, em 1944. E ela não parou. Virou cantora profissional, fechou com a gravadora Odeon, estreou como crooner na noite paulistana e passou a ser chamada de “estrelinha de São Paulo”, “estrela do Planalto” e “a moreninha do samba”, entre outros epítetos dados pela imprensa.

Na biografia, Xexéo mergulha fundo em sua carreira de cantora, comentando cada um dos discos que lançou, que somam mais de uma dezena. Do samba e da bossa nova ao bolero, Hebe gravou todos os estilos que faziam sucesso.


— Ela era muito fã da Carmen Miranda, as suas primeiras gravações têm algo assim de sub-Carmen Miranda, uma coisa brejeira. Depois as gravadoras apostavam em qualquer movimento que surgia. Quando Hebe começa a gravar o que quer, é muito bom. Ela tem uma preferência pela bossa nova, estava na mesma praia que a Maysa. Gravava Baden, Vinicius, Tom. Ela grava sempre músicas do Tom — diz o biógrafo.

Na TV, Hebe esteve desde o início. Mesmo. Fez parte da trupe dos Diários Associados, grupo de Assis Chateaubriand ao qual pertencia a Rádio Difusora, que foi acompanhar a chegada dos equipamentos da futura TV Tupi, primeira emissora do país. Num tempo em que a televisão era dominada por homens engravatados e de voz impostada, Hebe subverteu as regras por ser mulher e pela espontaneidade. Essa seria, inclusive, a marca do seu sofá, que por mais de 40 anos recebeu as personalidades mais importantes do país, muitas delas saudadas com o famoso “selinho” da apresentadora.

— Ela começou a trabalhar como apresentadora muito cedo, junto com o surgimento da TV. Ninguém sabia o que fazer direito, e ela foi trilhando seu caminho. Percebeu a importância do auditório, notou que o público gostava de vê-la bem vestida, do jeito de dona de casa recebendo os convidados. Ela gostava que o público se identificasse com ela — afirma Xexéo.

Hebe foi, à sua maneira, uma feminista avant la lettre. Além do pioneirismo na TV, assumir a carreira de cantora na noite ainda muito jovem era uma ousadia para uma moça “direita”. Foi na casa noturna do Lord Palace Hotel que ela conheceu um de seus primeiros pares famosos: o campeão de boxe Joe Louis. Não faltavam pretendentes. Na mesma boate, conheceu Luís Ramos, desquitado, com quem namorou por anos, sem assumir publicamente. Engravidou, mas, ao saber que outra mulher com quem ele se relacionava também estava grávida, decidiu abortar (e falou publicamente do assunto na tal entrevista ao “Roda Viva”).

No início da década de 1950, Hebe estreou o talk-show “O mundo é das mulheres”, em que cinco delas entrevistavam um convidado homem.

— Acho que ela nem sabia o que era isso (feminismo). A necessidade também pesou. Sua família era muito humilde, só comiam arroz em casa. A profissão deu a ela conforto e a oportunidade de dar conforto aos pais — avalia Xexéo.

A relação da apresentadora com políticos também é abordada no livro. Ela apoiou o golpe de 1964, seu sofá tornou-se lugar preferido dos governos militares para anunciar medidas, e sua amizade com Paulo Maluf ficou famosa. Já nos anos 1990, deu o que falar ao discursar contra a corrupção.

— Ela era conservadora, sim — define Xexéo. — Mas quem a decifra é a Fafá de Belém, que diz que ela faz falta porque pegou para si a bandeira anticorrupção que ninguém tinha pego.

Fonte: O Globo

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