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Melancólico, último papel de Nelson Xavier reflete sobre ostracismo e legado

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Nelson Xavier em cena de 'Comeback' (Foto: Divulgação)

Ao longo da carreira, Nelson Xavier foi personagens que acabaram se confundido com sua própria imagem e personalidade, e com os quais viveu experiências quase transcendentais, segundo dizia. Seu último papel, no filme "Comeback: Um matador nunca se aposenta", que estreia no próximo dia 25, certamente não será lembrado como Lampião ou Chico Xavier, mas carrega a mesma força e intensidade.

O ator, que morreu na última quarta-feira (10) aos 75 anos, aparece em um de seus melhores momentos, em uma sensível e original reflexão sobre a velhice, o saudosismo e a busca por um legado. Na trama, ele é Amador, um pistoleiro aposentado inconformado com o ostracismo, que vende máquinas de caça-níqueis enquanto revive as lembranças do passado e tenta retomar o antigo ofício.

Em um álbum com recortes de jornais, o melancólico protagonista mantém os registros dos crimes que vê como seus maiores patrimônios. Gaba-se por alguns deles terem aparecido na televisão. Mas, ao longo da história, mostra suas fragilidades, inseguranças e o pavor de ver seus tempos de glória esquecidos.

Meu malvado favorito

A narrativa do estreante Erico Rassi (diretor e roteirista) dá a Amador a complexidade capaz de fazer o espectador se afeiçoar e até torcer por um assassino que pode matar por prazer. No seu dilema atípico, ele atravessa angústias comuns à terceira idade: a solidão, a privação em nome da saúde, a perda dos amigos e a saudade do passado. A doce e precisa atuação de Xavier só reforça o carisma do protagonista.

Falha no roteiro a injustificada aparição de uma dupla de cineastas em uma pesquisa sobre antigos pistoleiros, cuja trama é abandonada na segunda metade do filme. Por outro lado, os diálogos de humor sutil entre Amador, um jovem aprendiz de seu ofício (Marcos de Andrade) e dois ex-parceiros de crime (Everaldo Pontes e Gê Martu) enriquecem o ritmo lento e os conflitos às vezes repetitivos da história.

Não é cansativo chegar ao clímax, um momento explosivo, ao mesmo tempo esperado e surpreendente. Uma cena que escancara o tom de faroeste buscado por Rassi, que soube dar personalidade brasileira ao gênero americano. Filmado em Anápolis, interior de Goiás, o longa retrata com competência o ambiente ameaçador e também familiar das terras sem lei do país. A atmosfera é realçada pela fotografia sombria, mas a edição peca em cortes ríspidos - alguns parecem erros de finalização.

Mesmo sem tanta badalação, "Comeback" é mais um representante do bom momento do cinema autoral brasileiro. Estreia também, é claro, como uma homenagem digna da carreira de Xavier. O ator, que sempre se entregou aos personagens, mostra pela última vez que, seja cangaceiro, médium ou pistoleiro, nunca perdeu a ternura na forma de atuar.

Fonte: G1

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