Cidadeverde.com

O caso de Whitney Houston: racismo, violência doméstica e drogas

Imprimir

Para o cineasta Kevin Macdonald, a música pop teve quatro grandes ícones nos anos 1980. Madonna é a única entre eles ainda viva. E a única branca. Os outros três, todos negros, mortos quando estavam um tanto desconectados do mundo, em decorrência do uso excessivo de drogas — legais ou talvez não —, foram Michael Jackson (1958-2009), Whitney Houston (1963-2012) e Prince (1958-2016).

Diretor escocês, premiado com o Oscar e atualmente preparando um documentário sobre Whitney, Macdonald tem se perguntado justamente o que mais há em comum nesses casos que ajude a compreender a história da mulher que começou cantando numa igreja de New Jersey, conquistou o mundo com seu sorriso solar e a voz privilegiada, e teve um fim trágico, aos 48 anos. A explicação passaria por racismo, exigências da indústria de entretenimento e o momento de ascensão dos três astros.

— Vou tentar responder isso no filme, mas é complicado. Acho que tem a ver com o isolamento, mas também com o fato de eles terem sido os primeiros afro-americanos famosos em nível mundial. Não havia ninguém antes daqueles três para eles poderem se espelhar em como viver suas vidas, gastar seu dinheiro. Não havia comparação, e havia uma pressão muito grande do show biz, particularmente para artistas negros tentando competir com brancos — diz Macdonald, em entrevista ao GLOBO.

No projeto sobre Whitney, somam-se elementos de complexidade como sua pouco conhecida bissexualidade, violência doméstica, muitas drogas e a dificuldade de enquadrar sua imagem — para negros e para brancos. O filme de Macdonald, ainda sem título, começou a ser produzido no ano passado, com aprovação da família de Whitney — sua mãe é a cantora gospel Cissy Houston, de 83 anos — e deve ficar pronto em três meses, a tempo de se inscrever para os primeiros grandes festivais de cinema de 2018, como Sundance e Berlim.

Personagens turbulentos como Whitney não são novidade para o diretor. Ele está em São Paulo para a mostra “Kevin Macdonald — Um olhar plural”, no MIS-SP, iniciada ontem e que segue até sábado dentro da programação do 21º Cultura Inglesa Festival. Com curadoria de Deborah Osborn, a programação traz obras de Macdonald, como os documentários “Munique, 1972: Um dia em setembro” (1999, vencedor do Oscar, sobre o atentado que vitimou atletas israelenses) e “Marley” (2012, sobre Bob Marley) e a ficção “O último rei da Escócia” (2006, que deu o Oscar de ator para Forest Whitaker pelo papel do ditador Idi Amin). Na sexta, o cineasta virá ao Rio para uma masterclass na Academia Internacional de Cinema (AIC), em Botafogo — com vagas esgotadas.

— Pretendo falar sobre a relação entre documentário e ficção. A importância dos documentários hoje é enorme. Há pouco bom jornalismo sendo feito, há muita fake news, as pessoas não sabem no que podem confiar. Documentários, mais do que nunca, podem ajudar a educar o público — afirma Macdonald.

Para o documentário sobre Whitney, o cineasta afirma estar fazendo um trabalho “de detetive” para descobrir fatos da vida da cantora. Apesar de ela ter sido seguida de perto por tabloides ao longo da carreira, Macdonald explica que a estrela era reservada e mentia para preservar a privacidade:

— Ela nunca deu uma boa entrevista. Era fechada, sua família também não abria muita coisa. E ficou esse grande mistério que é o porquê de ela ter se destruído. Estou entrevistando muita gente para tentar construir um retrato psicológico dela.

QUESTÃO RACIAL

Ele é criterioso sobre o que pode revelar sem diminuir a expectativa para o filme. Mas dá pistas. O cantor Bobby Brown, com quem Whitney foi casada entre 1992 e 2007, aceitou falar. No ano passado, Brown lançou um livro autobiográfico em que narra que o casal se drogava na frente da filha, Bobbi Kristina Brown; que a cantora teve casos com músicos com quem se apresentava; e que ele próprio chegou a bater em Whitney.

Um ano antes, em 2015, Bobbi Kristina morreu pela combinação de drogas e afogamento numa banheira. Ela tinha 22 anos.

— Vou tentar mostrar o aspecto da orientação sexual, não sei se as pessoas sabem que Whitney teve envolvimento com mulheres. E tem a questão racial, essencial para compreendê-la.

Macdonald avalia que Whitney tentou se equilibrar entre os mundos branco e negro. E, por isso, foi atacada por ambos.

— No documentário sobre o Bob Marley, entendi como ele se sentia rejeitado por negros e brancos. Com a Whitney, a história parece mais densa. É muito difícil para um negro se sobressair no mundo branco da indústria pop. E também é difícil ele não mudar de alguma forma para tentar se enquadrar. Whitney chegou a ser acusada de ser muito branca em sua música, e, por isso, acabou adotando essa persona mais de rua, mais de gueto. Que não era exatamente quem ela era.

Com acesso aos arquivos familiares, Macdonald busca gravações inéditas, ensaios e apresentações informais.

— Quando ela estava em estúdio, me parece que atuava num campo de segurança. No palco, Whitney estava livre, improvisava e voltava para suas raízes gospel e de jazz. Busco isso para entrar em sua alma.

 

Fonte: O Globo

Você pode receber direto no seu WhatsApp as principais notícias do CidadeVerde.com
Siga nas redes sociais