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Projeto envolve 40 mil alunos e vira força-tarefa em defesa da mulher no Piauí

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Por Hérlon Moraes - Cidadeverde.com
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A música que você ouviu acima não toca em nenhuma rádio brasileira e muito menos está no topo das paradas de sucesso, mas tem um significado enorme para quem luta pelos direitos das mulheres. "Não posso me calar" é uma composição da estudante de escola pública Andressa Gomes Carvalho, que traz um recado importante: a mulher tem o seu papel na sociedade e não nasceu para ser submissa e muito menos sofrer violência.

Andressa estava no 3º ano do ensino médio na escola estadual Godofredo Freire, em Teresina, quando se deparou com a missão de retratar a Lei Maria da Penha na música. A tarefa era para uma gincana, que tinha como tema a lei criada em 7 de agosto de 2006. Mal sabia ela que nascia ali o hino do projeto "A Lei Maria da Penha nas Escolas: desconstruindo a violência, construindo diálogos", uma iniciativa do Ministério Público do Estado do Piauí (MPE-PI) em parceria com a Secretaria de Estado da Educação (Seduc), que tinha acabado de chegar na escola.

A estudante, que hoje mora e trabalha em São Paulo, passava a integrar a estatística de 40 mil alunos engajados no projeto, criado em 2015. “Eu tive contato com o projeto quando teve essa gincana na minha escola. Nessa gincana a gente tinha que desenvolver uma atividade para poder apresentar. Essa atividade valia ponto. Minha turma, na época o 3º ano, ficou com duas atividades: desenvolvemos uma peça e eu fiz essa música em cima do tema da gincana, que era a Lei Maria da Penha”, relembra.

A música, conta Andressa, foi feita em uma madrugada e, antes da gincana, foi apresentada na rua durante uma caminhada. Segundo ela, a ideia era mostrar que a sociedade e as entidades podiam trabalhar de forma preventiva, orientando os jovens sobre a Lei Maria da Penha, bem como os educadores sobre como a escola poderia ajudar nas situações de violência contra a mulher.

“Apresentamos durante uma caminhada e nesse dia estava o promotor Francisco com a gente. Essa caminhada valia 5 pontos na gincana. Cantamos essa música no meio da rua e depois apresentamos na gincana. Depois disso fui chamada para gravar a música e depois para vários eventos falando sobre a Lei Maria da Penha nas escolas. De repente essa música virou o hino do projeto. Eu tenho muito orgulho. Fiz essa música em uma madrugada. A escola toda gostou, quando eu vi já estava na boca do povo. Eu quis passar uma reflexão sobre o verdadeiro papel da mulher na sociedade”, conta.

O promotor a que Andressa se refere é Francisco de Jesus Lima, entusiasta do projeto que já atingiu, só em Teresina no ano passado, cinco Gerências Regionais de Educação, 39 escolas, 601 professores e 10.503 alunos. Ao todo, desde o início, já são mais de 40 mil alunos e educadores envolvidos em o estado. Ele comanda o Núcleo das Promotorias de Justiça de Defesa da Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar (Nupevid), do Ministério Público do Estado. A iniciativa deu tão certo que o “Lei Maria da Penha nas Escolas” ganhou o 5° Prêmio de Educação em Direitos Humanos, na categoria B - organizações da sociedade civil e de educação não formal.

A cerimônia de premiação (foto ao lado) aconteceu na Universidade de Brasília no dia 30 de agosto e consistiu na entrega de diploma e troféu, além de uma viagem para participação no Seminário Internacional de Educação em Direitos Humanos, em Bogotá, na Colômbia, onde o projeto será apresentado às comunidades internacionais.

O prêmio é uma iniciativa da Organização de Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), em conjunto com o Ministério da Educação e o Ministério dos Direitos Humanos. Poucos dias após a premiação em Brasília, o MPE recebeu moção de aplauso pela premiação do projeto durante a II Reunião Ordinária do Grupo Nacional de Direito Humanos (GNDH), Florianópolis (SC).

Ideias, ideias e mais ideias

Para chegar ao objetivo máximo, que é envolver o aluno e estimular trabalhados voltados para o tema, a equipe que coordena o projeto na Seduc enfrenta uma verdadeira maratona. Os profissionais visitam as gerências regionais onde conversam com os professores. Eles são os responsáveis por disseminar o conteúdo em sala de aula.

“No primeiro momento a gente leva a proposta para as equipes pedagógicas e para os professores. A gente faz a apresentação do que é o projeto. Temos uma conversa informal com os professores onde levamos informação e conhecimento da lei. Falamos da atribuição de cada parceiro, como a Seduc, o MP, da gerência e da escola, dentro da proposta. Escutamos os professores para saber o que eles estão trabalhando. O passo seguinte é a adesão da escola”, explica Maria do Amparo Veloso, coordenadora de inclusão e diversidade da Seduc.

Amparo mostra as cartilhas que informam sobre a Lei Maria da Penha e saem de graça para o projeto através dos parceiros
Foto: Wilson Filho/ Cidadeverde.com

Segundo Amparo, quando os professores se manifestam informando o conteúdo que estão trabalhando com os alunos, surge um turbilhão de ideias de como o projeto pode atingir seu objetivo. “Nós não levamos um conteúdo a mais para as escolas, a gente escuta o professor, toma conhecimento do que ele está trabalhando, independente da disciplina. Pode ser inglês, sociologia, matemática, física, qualquer uma. Dependendo do que eles nos disserem, a gente dá as sugestões. Com o tema eles vão enriquecer o conteúdo”, afirma.

Proposta apresentada, as gerências ficam em contato com as escolas levando informações, como uma cartilha que explica de forma didática, como surgiu a Lei Maria da Penha, por exemplo. "A cartilha fala só da lei e explica tudo, inclusive porque é Maria da Penha. O professor também recebe e os alunos”, conta. Baixe aqui a versão online da cartilha.

Já em sala de aula, os professores passam o conteúdo para os alunos e surgem novas ideias. “Foi assim que a Karolyne tirou aquela nota na redação em 2015. O professor dela estava trabalhando com redações para o Enem e ela aproveitou a temática e fez a redação. Foi assim que o professor Leônidas lá do Liceu Piauiense criou um festival de curta metragem com o tema da violência contra a mulher. Nós mesmos escolhemos o melhor filme no festival. O professor chegou, apresentou a cartilha e os alunos desenvolveram o trabalho.”, detalha.

A coordenadora conta que um professor chegou a sugerir uma fórmula matemática para abordar a Lei Maria da Penha para seus alunos. "Tipo: violência geral da mulher é igual a violência psicológica, ou seja, ele usou a matemática para trabalhar à violência contra a mulher. É assim que é feito o projeto”, destaca.

Para a secretária de educação do Piauí, Rejane Dias, o projeto Maria da Penha nas escolas é uma verdadeira força-tarefa que envolve sociedade, alunos e professores em defesa da mulher. “A Lei Maria da Penha nas escolas tem uma importância muito grande no sentido de se fazer uma força tarefa envolvendo as escolas, objetivando coibir a violência doméstica e familiar em relação às mulheres. A escola é um espaço de discussão e debates, mas também de aprendizado e conscientização. Na medida que o aluno vai aprendendo tudo isso, evidentemente que ele vai levar o que apreendeu para a casa, para a comunidade, enfim, para a toda família. É isso que nós queremos”, afirmou.

De acordo com a gestora, a informação é o único caminho para combater a violência. “Só tem uma forma de diminuir à violência contra a mulher e o preconceito: é levar informação. Além da informação, a conscientização de que precisa ter uma cultura de paz. Hoje vivemos um momento de muita intolerância no mundo todo. É uma coisa que eu tenho me preocupado muito nas escolas”, declarou.

Uma cultura se vence criando uma nova cultura

Lembra do promotor que a Andressa se referiu? Francisco de Jesus Lima atua no Ministério Público há 21 anos. Com uma cultura machista no mundo herdada desde os primórdios da civilização, ele acredita que a escola é o lugar certo para mudar essa realidade. “Por que as escolas? Nós temos uma cultura machista herdada milenarmente, basta lembrar da época das cavernas quando o homem puxava a mulher pelos cabelos com um tacame na mão, ali já é prática machista: o homem em busca de sua presa para acasalar e como intimidação ele levava aquele pedaço de pau, depois jogava fora. Naquela época a mulher já era vista como objeto sexual. Mudou pouco. A arma hoje é um revólver, são vídeos e fotos íntimas jogadas na internet. Então, para se vencer uma cultura é necessário que se plante uma nova cultura. Temos uma cultura machista e sexista e queremos uma cultura da igualdade, do respeito, de valorização e resgate dos direitos que naturalmente as mulheres têm e não foram respeitados”, diz o promotor.

Promotor Francisco de Jesus: "ficar no gabinete só solicitando prisões, denunciando, reprimindo, não resolve a violência"
Foto: Wilson Filho/Cidadeverde.com

Para o membro do MP, não tem essa história de criar meninos e meninas de forma diferente quanto aos seus direitos. “A família é o local onde nós devemos educar. Criar o menino e a menina de forma igual, sem estabelecer diferença. A escola é um local apropriado por que lá você ensina o respeito. Lá você ensina os meninos a respeitarem as meninas e as meninas a tomarem conhecimento de seus direitos. Por isso nós imaginamos esse projeto como um mecanismo de enfrentar a violência contra a mulher, erradicando através das escolas a cultura machista e propagando a cultura da igualdade de direitos, de gênero, entre meninos e meninas”, conta.

O sucesso do projeto, de acordo com Francisco de Jesus, está nas atribuições que cada parceiro cumpre fielmente, mas sem dúvida, o principal multiplicador são os professores. “Pensamos no papel de cada um dos envolvidos. No caso do Ministério Público, eu estou promotor e a minha função na Lei Maria da Penha é prevenir, reprimir e fiscalizar. Reprimimos através das ações penais e o acompanhamento das medidas protetivas. Fiscalizamos sabendo se a rede de atendimento está funcionando. Isso a gente faz, mas a nossa função na prevenção é apenas como agente de transformação social. São os educadores e educadoras os verdadeiros responsáveis pela mudança. Eu não posso substituir os professores no seu dia a dia de sala de aula. Por mais que eu quisesse, não tenho como estar nesses espaços, mas o professor tem”, avisa.

Segundo o promotor, ficar no gabinete só solicitando prisões, denunciando, reprimindo, não resolve a violência. “Enquanto você faz dez denúncias, a sociedade joga 20 mil novos machistas, quando eu digo novos machistas não se trata apenas do homem, mas também da mulher. Muitas mulheres aceitam naturalmente. O machismo está na música e em outros lugares e se não houver essa desconstrução, ele vai sempre existir. Com o nosso trabalho ele vai existir de uma forma menor, vai sendo paulatinamente sufocado pela igualdade, a ponto de que um dia o homem e a mulher vão se envergonhar de ter atitude machista. Queremos mudança de mentalidade nos jovens”, conta.

Igualdade é a palavra

Muitos devem se perguntar que direitos iguais são esses que homens e mulheres têm.  A resposta é fácil e abrange um leque de informações. “Igualdade de oportunidades, espaço. A não submissão. Igualdade de acesso, não só do ponto de vista físico, mas acesso educacional, político, à saúde e a própria educação. Ainda tem mulher que não estuda, pois tem que ficar cuidando da casa. Isso é desigualdade. A mulher não tem acesso aos cargos públicos. A mulher tem igualdade de direitos e obrigações. Nós educamos as meninas para serem princesas, para esperar um homem que ela possa depender. Muitas foram educadas para serem casadas e têm dificuldade de sair do relacionamento, mesmo reconhecendo que sofre violência”, alerta.

A estudante Karolayne Araújo, de 20 anos, sabe bem quais são seus direitos como mulher. Sabe tanto que, graças ao projeto Lei Maria da Penhas nas Escolas, tirou 960 na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em 2015. Naquele ano, o MEC escolheu como tema "A persistência da violência contra a mulher na  sociedade brasileira". Com o excelente desempenho, ela carimbou o passaporte para estudar Nutrição em uma universidade particular de Teresina. “Fiquei extremamente surpresa com o tema. A persistência da violência contra a mulher foi um tema amplamente discutido pelos meios midiáticos e eu tive o privilégio de participar do projeto “Lei Maria da Penha nas Escolas”. Sem dúvida, esse binômio foi um importante subsídio para estruturar a redação com relação a argumentação e estabelecer soluções viáveis para o problema. A excelente qualidade de ensino que tive também influenciou no aperfeiçoamento da técnica de produção textual e hábito de leitura”, conta.


A estudante de nutrição mostra poema que escreveu sobre a mulher
Foto: Wilson Filho

Karolayne leva a nota que tirou como um marco em sua trajetória acadêmica. “Tem sido extremamente recompensador colher os resultados do meu empenho e dedicação diários. Ao prosseguir em busca de um sonho, você não pensará jamais que não é capaz, porque você admitiu que merece apenas o melhor, e que sua vitória depende primeiramente de você. A minha aprovação no Enem traduz exatamente esse pensamento inspirador”, afirma.

O contato inicial dela com o projeto foi na Unidade Escolar Pires de Castro, onde estudava. A escola disponibilizou o espaço para a implementação do projeto, envolvendo seus alunos, professores e equipe pedagógica. “O tema foi discutido através de palestras ministradas pelo promotor de justiça Francisco de Jesus Lima e integrantes da equipe de enfrentamento à violência contra a mulher. Além disso, fui convidada para integrar o debate crítico através de um discurso, destacando o empoderamento feminino e a participação da mulher na sociedade”, lembra.

E por falar em empoderamento, a estudante faz questão de frisar que o projeto agregou valores e fortaleceu sua personalidade. “O projeto demonstrou uma nova perspectiva sobre o enfrentamento à violência contra a mulher. Além disso, possibilitou o desenvolvimento do pensamento crítico com relação ao contexto atual no qual a mulher tem sido duramente oprimida e colocada em uma posição subalterna. O projeto combate a violência contra a mulher através do incentivo a participação ativa do jovem como um agente transformador da sociedade. Sem dúvidas, a educação é uma das formas mais eficazes para descontruir a cultura de violência física, social e psicológica que a mulher tem sofrido desde os primórdios, sobretudo no ambiente doméstico e familiar”, destaca.

Agora imagina transformar a Lei Maria da Penha em uma peça teatral para passar o recado de que em mulher não se bate? Foi o que fez o ex-aluno da Unidade Escolar Pinheiro Machado, André Luiz Pereira de Sousa, hoje com 19 anos. Para ele, um verdadeiro desafio. “A coordenação da escola me lançou o desafio de escrever uma peça que envolvesse o tema Lei Maria da Penha nas Escolas e, claro que quando se fala da Lei Maria da Penha, o que vem a mente? Uma realidade de violência, maus-tratos, de dados que assustam, de medo. Juntei essa bagagem de informações e escrevi a peça em três simples tópicos: as estatísticas da violência, como a música pode se tornar uma forma de violência e a história de um garota com um relacionamento violento. Foi desafiador falar sobre isso”, conta.

André percorreu bares e restaurantes fazendo cenas de violência contra a mulher para alertar do problema
Foto: Wilson Filho/Cidadeverde.com

Para André, o projeto é relevante e mostra uma realidade comum hoje no país. “Levar esse assunto para dentro das escolas para discutir com alunos e mostrar realidades tão comuns, que até mesmo os alunos dessas escolas podem estar passando, é encarar de frente essa realidade, por isso é importante e relevante", afirma.

Segundo o estudante, quando os alunos da escola ouviram sobre o projeto, imaginaram logo que iam tratar apenas dos casos de violência em si. "Foi sim falado de consequências, mas não só isso, foram tratadas as formas de identificar, enfrentar, denunciar. A violência foi tratada não só como o contato físico, mas como várias outras formas de agressão”, destaca.

A peça teatral que André fez ganhou uma versão nas ruas. Ele e outros alunos passaram a encenar cenas de violência em bares e restaurantes para despertar os clientes para o tema (assista abaixo). O projeto Lei Maria da Penha nas Escolas mudou a mentalidade dos estudantes do Pinheiro Machado. "Não só mudou como acrescentou. Aprendi perceber e saber que nós todos somos agentes de transformação de uma sociedade. Temos que ser contra toda manifestação de violência, temos que aprender a ver e não temer a denunciar”, ressalta.

Lei Maria da Penha na grade curricular

O projeto que nasceu no Piauí está contribuindo para a mudar a realidade da mulher em todo o país. O objetivo é fazer com que o MEC mude a grade curricular e coloque o estudo da Lei Maria da Penha como disciplina obrigatória. “O nosso objetivo final no projeto é não terminar o projeto. Ele não vai terminar nunca. As ações são permanentes, mas o objetivo dele é sensibilizar o MEC para modificar a grade curricular de ensino colocando como obrigatório o estudo da Lei Maria da Penha. Estamos próximos, pois o MEC já nos reconheceu como o melhor projeto em Direitos Humanos em Educação. Agora vamos continuar fortalecendo e levando a todo o Estado. Estamos compartilhando com outros Estados. Estamos jogando a semente longe e vamos solicitar ao MEC dizendo que fomos reconhecidos internacionalmente. Se é tão bom, por que a gente não pode implantar como uma política educacional obrigatória? E aí o que vai acontecer é o Ministério Público acompanhar e todo o Brasil começar a executar. O nosso objetivo é sensibilizar o MEC quanto ao estudo da Lei Maria da Penha. Essa lei não é só para jurista, ela deve ser estudada por toda a sociedade. O aluno tem que saber o que é respeito, igualdade, o papel do promotor, juiz, de meninos e meninas. Só vamos conseguir se o MEC tornar obrigatório, aí a gente reduz num espaço de tempo médio as agressões”, acredita.

De uma família com seis irmãos, o promotor Francisco de Jesus revela que seu engajamento com causas sociais não vem de agora. O bem-sucedido membro do MP precisou engraxar sapato para ajudar a mãe e fazer faculdade.  Ele acompanhou de perto o preconceito crescente contra a mulher.

“Eu enquanto criança fui criado na periferia de Teresina. Sempre estudei em escola pública. Fui e guardo comigo uma carteira de estudante carente da Universidade Federal. Eu não tinha condições de ir ao RU. Para esperar uma aula eu dormia nos bancos do DAA. Até que uma assistente social me viu naquela situação e fez minha inscrição. Eu carrego essa carteira comigo até hoje. Ia para a universidade a pé e acompanhei esse descompasso. Dentro das minhas funções Deus me deu a oportunidade de transformar a realidade enquanto promotor de Justiça e antes da Lei Maria da Penha. Eu quando atuava no interior saia do gabinete e ia nas escolas fiscalizar. Sempre gostei de contribuir. Todos nós devemos contribuir com mudanças. Não me interessa a visibilidade, o que interessa são as ações”, diz emocionado.

Para ele, a Lei da Maria da Penha precisa ganhar as ruas e a sociedade. “A gente torna a Lei Maria da Penha efetiva saindo do gabinete e proporcionando as mudanças. Eu estou cumprindo meu papel social. Sabe o que é você acordar com 8 anos de idade e sair nas ruas de Teresina para engraxar sapato? Foi essa minha vida. Eu vendia tempero no Mercado Central para ajudar minha mãe. Tudo isso eu fazia pela sobrevivência. Cada dia eu tenho mais vontade de continuar”, finaliza.

Sucesso nas escolas de Teresina, o projeto começa a ganhar o interior do Piauí. A proposta já foi mostrada para as gerências regionais de educação em União, José de Freitas, Parnaíba, Piripiri, Barras, Campo Maior, Oeiras, Valença, Picos e Regeneração. Ao todo, cerca de 400 professores estão envolvidos com o tema.

Maria da Penha: "o caminho é a educação" 

Paraplégica após levar um tiro nas costas do marido em maio de 1983, Maria da Penha Maia Fernandes, ou simplesmente Maria da Penha, é o maior nome no Brasil atualmente quando se fala na defesa dos direitos da mulher. A luta para buscar a condenação de seu agressor serviu de inspiração para o resto do país e resultou na Lei Federal 11.340, de 07 de agosto de 2006, batizada de Lei Maria da Penha. Cearense de Fortaleza, ela também acredita que a escola é o local ideal para ensinar o respeito à mulher e, consequentemente, acabar com os índices de violência.

"O caminho é a educação, pois uma cultura só se transforma através da educação. E educação nos três níveis: fundamental, ensino médio e até universitário. Tudo que for para educar de uma maneira coerente tem que acontecer. Todo projeto que conscientiza as pessoas é válido”, disse ao Cidadeverde.com.

Segundo Maria da Penha, em locais onde são desenvolvidas políticas públicas em favor das mulheres, o número de denúncias têm aumentado. “Nos locais onde a lei foi implementada, onde foram criadas políticas públicas para a mulher se orientar, denunciar, o número de denúncias aumentou já que as mulheres começaram a acreditar mais nas instituições. Infelizmente isso não acontece com uniformidade em todos os municípios. Tem município que não possui nenhuma política pública que possa ajudar a mulher a sair dessa situação”, ressalta.

Foto: Roberta Aline/Cidadeverde.com

Por conta da cultura machista enraizada desde os primórdios, Maria da Penha afirma que a lei, mesmo durante sua aplicação, tem o papel de reeducar. "São várias políticas que favorecem a conscientização desse homem. Tem o atendimento à mulher que vai pela proteção, mas o homem ao ser preso pode ser atendido também por uma equipe onde ele passa a ter conhecimento da motivação de estar ali, pois não soube tratar a sua mulher com pessoa humana. Isso também é educar. O homem que já foi criado nessa família em que bater em mulher era normal, tem que ser reeducado no momento em que ele sofre a ação da lei”, explica.

A saída para diminuir os altos índices de violência contra a mulher está a um passo da mão, através do número de telefone 180. “Se a mulher vítima não sabe onde procurar eu oriento ligar pro 180. Funciona 24 horas por dia. A mulher ou parentes podem ligar e pedir ajuda. As mulheres se sentem mais a vontade de falar por telefone do que ir em uma delegacia”, finaliza.

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